As tabelas de retenção na fonte do IRS vão ser reduzidas em 2021 num valor equivalente a 200 milhões de euros. A medida foi indica o relatório que acompanha a proposta do Orçamento do Estado para 2021 que o governo entregou esta segunda-feira.
“O Governo procederá ao ajustamento das tabelas de retenção na fonte de IRS, de modo a dar continuidade à ação tomada, de forma gradual e progressiva ao longo dos últimos anos, de esbater o diferencial entre as retenções na fonte realizadas pelos trabalhadores dependentes e o valor final de imposto a pagar”, indica o documento.
A medida tinha sido adiantada pelo Expresso na edição de sábado, chamando-lhe uma “medida surpresa”, escondida dos parceiros à esquerda com quem o Governo andou a negociar o Orçamento. De acordo com o semanário, a medida “vai aumentar o rendimento disponível de dois milhões de portugueses”, através de uma “redução da taxa de retenção na fonte de IRS para todos os trabalhadores”.
Vamos por partes. Para clarificar: os escalões do IRS não vão ser alterados. No ano passado, o Governo previa passar dos atuais sete escalões para oito (desdobrando em dois o 5.º ou o 6.º escalão) para, dessa forma, aumentar a progressividade e induzir uma baixa do imposto para os contribuintes. Até estimava essa medida (juntamente com a do IVA) em 200 milhões de euros de perda de receita. Seria o último passo para voltar aos escalões que existiam antes das medidas impostas a propósito do resgate a Portugal. Mas isso não aconteceu. O o primeiro-ministro, António Costa, já o tinha dito em entrevista ao Expresso em agosto e confirmou-se nesta segunda-feira.
Ok, não há novos escalões. Mas há novas tabelas de retenção de IRS (na verdade, o adiantamento que os trabalhadores que pagam IRS fazem todos os meses ao Estado, e que depois é alvo de acerto no ano seguinte, após o período de entrega da declaração de rendimento pessoal). Na verdade, o Governo tem vindo a atualizar as tabelas de retenção do IRS todos os anos. Especialmente interessantes foram os acertos em 2018, 2019 e também este ano, em que o Governo alinhou as tabelas com o primeiro desdobramento de escalões que Costa fez em 2017 (antes estavam em cinco). E o executivo até recebeu críticas por isso, por não ter atualizado as tabelas de uma só vez, com benefício para o contribuinte, e sim de forma faseada (o que permitiu ao Estado reter durante mais tempo a receita e só fazer o acerto em maio do ano seguinte).
Segundo. As tabelas de retenção de IRS não são publicadas ou divulgadas no Orçamento do Estado (apresentado habitualmente em outubro), mas sim em janeiro. É nessa altura que os contribuintes poderão ver em que medida a atualização das tabelas de retenção de IRS lhes afeta o rendimento disponível mensalmente. O Expresso diz que, em média, a redução da retenção de IRS para os trabalhadores será de 2%, aplicada com progressividade (maior taxa nos rendimentos mais pequenos e menor nos maiores). Também diz que a medida afeta 2 milhões de trabalhadores (porque outros 2 milhões não recebem o suficiente para pagar IRS, pelo que também ficam na mesma).
Terceiro. Na prática, esta medida é uma transferência de receita do Estado entre os anos de 2021 e 2022. O Estado este ano reembolsou 2,78 mil milhões de euros em IRS, indicam os dados mais recentes da execução orçamental. As Finanças não especificam que parte deste bolo total diz respeito a deduções à coleta e que parte corresponde a dinheiro cobrado a mais devido às tabelas de retenção. Em 2018, o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, dizia que — em 2017 — as “tabelas” estavam a cobrar a mais cerca de 700 milhões de euros.
Ainda assim, os 2,78 mil milhões de euros de reembolsos de IRS inscritos na Síntese de Execução Orçamental representam o valor com que as Finanças ficaram a mais, por conta do imposto pago no ano anterior (e este ano o IRS nem caiu muito). O Estado diz que esta medida das tabelas de retenção vai permitir aos contribuintes “reter” no bolso um total de 200 milhões de euros. Na verdade, o que está a dizer agora é que se predispõe a deixar que os contribuintes fiquem com pouco mais de 7% de tudo o reembolsou este ano. Dito de outra forma: o Estado continua a reter até 2022 cerca de 90% do que depois tem de reembolsar.
Em suma, o Estado recebe menos todos os meses este ano (em que ainda por cima as regras de disciplina orçamental da União Europeia não se aplicam por causa da pandemia) e faz o acerto em 2022. É em maio de 2022 que estes 2 milhões de contribuintes vão, em teoria, receber menos de devolução do IRS ou mesmo pagar ao Estado. E nessa altura poderão sentir mais no bolso a medida deste ano. Ora 2022 é o único, em todos os anos da atual legislatura, em que não haverá um qualquer compromisso eleitoral.