Um aluno do 9.º ano de uma escola de Lisboa, a EB23 Luís de Camões, está a ser impedido de entrar no estabelecimento de ensino depois de ter tido Covid-19, apesar de a mãe já ter apresentado o resultado negativo do teste. A escola exige um “atestado de cura”, algo que as autoridades de saúde se recusam a passar, por não estar previsto na lei. Na segunda-feira, a própria diretora geral de Saúde garantiu bastar o teste negativo e um aluno estar assintomático para poder regressar ao ensino presencial.
Pelo caminho, o aluno não está a ter qualquer tipo de aulas e a mãe foi criticada pela escola por ter avisado outros encarregados de educação de que estava infetada, assim como o pai do aluno. O estudante viria a ficar infetado.
Gabriel não vai às aulas há mais de três semanas, tendo perdido o contacto com os professores, colegas e com as matérias que estão a ser dadas. “Pedi que me fossem enviando trabalhos para ele poder ir acompanhando, mas nada. Terça-feira tinha um teste de Físico-Quimica e não o fez”, contou à Lusa Judith Soares, mãe do rapaz de 14 anos. O processo de envio de informação para as escolas, por parte das entidades de saúde, está a demorar cerca de uma semana, contou a mãe do aluno, para explicar os esforços que está a fazer para o Gabriel poder regressar à escola.
O aluno teve Covid-19, mas o teste de despistagem já veio confirmar que está curado. A mãe enviou, na semana passada, os resultados laboratoriais para a diretora de turma da Escola EB23 Luís de Camões, que respondeu dizendo que o aluno só entra nas instalações com um “atestado de cura”.
Fico contente pelas vossas melhoras mas atenção que o Gabriel só pode regressar à escola acompanhado de um atestado de cura passado pelo médico. Não é suficiente o resultado do teste”, respondeu a diretora de turma numa troca emails a que a Lusa teve acesso.
A mãe contactou o Centro de Saúde, ligou para o SNS24, tentou contactar a médica de família, mas todos os que responderam ao seu pedido de ajuda disseram que bastava o resultado do teste e que não iriam passar qualquer declaração. Judith voltou então a avisar a diretora que não tinha nenhum atestado e que a médica do centro de saúde tinha dito que a escola tinha de receber o aluno com o teste negativo.
Mas a escola manteve a posição de não permitir a entrada de Gabriel. A Lusa contactou a direção do agrupamento de escolas Luís de Camões, que se mostrou indisponível para esclarecer o assunto.
Na segunda-feira, a Lusa questionou a Diretora-Geral da Saúde, Graça Freitas, que reafirmou o que as restantes autoridades de saúde já tinham dito: “Uma criança ou adulto que cumpre período de quarenta, está assintomática e tem teste negativo pode voltar tranquilamente à sua escola”.
A pandemia de covid-19 trouxe novas regras para dentro dos recintos escolares. Cada escola teve de se preparar para a eventualidade de surgir um surto e, para isso, desenhou um plano de contingência. O Plano de Contingência do Agrupamento de Escolas Luís de Camões define que as pessoas são consideradas curadas quando apresentam ausência completa de febre e não apresentam outros sintomas durante três dias consecutivos ou então quando apresentam teste laboratorial negativo. “Após determinação de cura e indicação da Autoridade de Saúde Local, a pessoa pode regressar ao estabelecimento de ensino”, refere o documento.
Judith esteve presencialmente na escola na segunda-feira para falar com os responsáveis e arranjar uma solução para que o filho regressasse à escola. Mas, mais uma vez, não conseguiu. “Ninguém quer saber. Uma pessoa sente-se sozinha, sem saber a quem recorrer”, desabafou. Os serviços de saúde estão assoberbados com trabalho, não recebem as pessoas sem marcação prévia, não atendem os telefones e têm as caixas de email cheias, contou.
Criticada por avisar os outros pais da infeção
Do lado das escolas, impera o medo do desconhecido. Mas, para Judith, o mais grave é a forma como tratam pais e alunos. Há quatro semanas, a 21 de setembro, Judith avisou a direção escolar que ela e o marido estavam com sintomas covid e, por precaução, não iriam enviar o filho para a escola. “Não queria expor ninguém a este perigo. O Gabriel tem uma colega que é grupo de risco, porque é diabética, e nunca poderia mandá-lo para a escola”, explicou.
Quando os resultados dos testes chegaram, confirmaram-se os piores receios: os pais estavam contaminados. Poucos dias depois também Gabriel recebeu o teste positivo. Judith avisou a diretora de turma. Antes, tinha alertado os pais da turma do Gabriel, através do grupo que criaram no Whatsapp. “Fiz o que gostaria que fizessem comigo, que foi avisar para estarem atentos a eventuais sintomas”, explicou.
A Lusa falou com outros pais que agradeceram a preocupação da mãe de Gabriel, mas, segundo Judith, nem todos aplaudiram a iniciativa: “O diretor da escola ligou-me a destratar-me, a dizer que eu tinha lançado o pânico na escola”, contou.
Judith lamenta também que nunca ninguém na escola tenha ligado para saber se Gabriel estava melhor. Já ao pedido para que os professores enviassem as matérias que estavam a ser dadas nas aulas, Judith diz só ter recebido uma resposta da diretora de turma.
Esta terça-feira, o Gabriel tinha um teste de Físico-Quimica que foi impedido de fazer. A mãe recorda que no passado ano letivo as aulas presenciais foram suspensas em março e, até ao final do ano, os alunos da Luís de Camões “tiveram pouco acompanhamento” por parte dos professores. Neste novo ano letivo, a maioria das escolas está a aproveitar as primeiras semanas de aulas para recuperar e consolidar matérias que não foram dadas no ano passado. Judith sente que o seu filho “está a ser prejudicado” por um problema que os ultrapassa.