O ex-Presidente sul-africano Kgalema Motlanthe advertiuesta quinta-feira que o agravamento da situação económica e da violência racial na África do Sul pode precipitar o país para uma “guerra civil”.

“Esses agricultores são ex-soldados porque vieram de um passado de colapso militar e podem estar armados”, declarou Kgalema Motlanthe ao canal de televisão por cabo sul-africano Newsroom Afrika.

Motlanthe, que serviu o país como 3.º Presidente da África do Sul por cerca de sete meses entre 2008 e 2009, após a renúncia ao cargo de Thabo Mbeki, adiantou que a situação social e política atual “pode agravar-se ao ponto de evoluir para uma guerra civil”, salientando que “os seus direitos [dos agricultores] devem ser protegidos também, e a sua segurança também deve ser garantida”.

O político sul-africano do Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), partido no poder, referia-se aos últimos episódios de violência racial no país após o brutal assassínio do jovem agricultor branco de 22 anos Brendin Horner, presumivelmente por dois homens negros, em Paul Roux, uma localidade próxima a Senekal, no Estado Livre, a mais de 200 quilómetros a sudoeste de Joanesburgo.

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Segundo um porta-voz da polícia, os dois homens, de 34 e 43 anos, que devem comparecer pela segunda vez na sexta-feira no tribunal de Senekal, foram presos no sábado, 03 de outubro, um dia depois de o corpo do jovem agricultor ter sido encontrado pela polícia pendurado num poste num terreno próximo da fazenda agrícola onde trabalhava como gerente.

O adiamento do julgamento na semana passada motivou manifestações de centenas de agricultores armados do Estado Livre, que saíram à rua em protesto contra o agravamento da violência e criminalidade na área, a confrontar a polícia no tribunal de Senekal, invadindo a cela do tribunal onde estavam os dois suspeitos do homicídio do jovem agricultor.

Um dos homens suspeitos do homicídio de Brendin Horner já havia sido detido por 16 vezes por vários crimes, incluindo roubo de gado, tendo sido condenado a 18 meses de prisão num dos casos e a 12 meses noutro, segundo o ministro da Polícia, Bheki Cele.

Na segunda-feira, o Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, apelou à calma, após episódios de violência racial, afirmando que “as tensões são uma triste memória de que a África do Sul ainda está a recuperar do regime do ‘apartheid'”.

A mensagem do chefe de Estado, surge após uma semana que culminou com uma acusação de terrorismo apresentada pelo Ministério Público sul-africano contra um empresário local por alegadamente liderar a manifestação de agricultores brancos, que incendiou uma viatura da polícia à porta do tribunal, onde os suspeitos negros do assassínio do jovem agricultor branco estavam a ser ouvidos.

O Presidente sul-africano, que preside também ao Congresso Nacional Africano, no poder desde 1994, salientou que, no contexto de alta criminalidade que afeta o país, a maioria das vítimas de crimes violentos continua a ser “negra e pobre”.

“O brutal assassínio deste jovem agricultor branco, presumivelmente por homens negros, seguido do espetáculo de agricultores brancos a invadir uma esquadra de polícia para atacar um suspeito negro”, é uma sequência que “reabre feridas que remontam a gerações atrás”, sublinhou o chefe de Estado.

O empresário sul-africano, 51 anos, detido pela polícia após as manifestações de protesto contra a criminalidade em fazendas agrícolas, e a pressão de líderes políticos do ANC e EFF (Economic Freedom Fighters), de esquerda radical, nega as acusações e recorreu esta quarta-feira ao tribunal supremo, em Bloemfontein, depois de o tribunal de Senekal rejeitar um pedido de liberdade condicional.

O ministro da polícia, Bheki Cele, reuniu-se com o líder do EFF, Julius Malema, que ameaça defender na sexta-feira o edifício do tribunal e a polícia com “o próprio corpo”, antes de visitar na terça-feira a família do agricultor assassinado em Paul Roux, onde manteve também encontros com os agricultores latifundiários e trabalhadores rurais sobre o crime na área.

No encontro destinado a aliviar as tensões na área, os agricultores no Estado Livre indicaram ao governante prejuízos superiores a mais de um milhão de rands (51 mil euros) por mês devido ao roubo de gado e deram um prazo de “três semanas” ao Governo para implementar medidas de segurança nas áreas rurais.

Na quarta-feira, líderes religiosos da comunidade rural de Senekel reuniram-se para orar pela paz após o agravamento das tensões com a polícia na sequência das declarações de Julius Malema.

O líder da esquerda radical instou os membros do partido a proteger a “propriedade pública” em Senekal e a “efetuar detenções se a polícia não agir contra os agricultores”, agravando ainda mais as tensões raciais no país onde, nos últimos meses, se registaram vários protestos contra o agravamento do desemprego, alto crime e assassínios, principalmente contra brancos, na zonas rurais.

Fonte do sindicato dos agricultores comerciais na África do Sul (TLU SA, na sigla em inglês), a organização agrícola mais antiga no país, disse esta quinta-feira à Lusa que 287 ataques e 43 assassínios em fazendas agrícolas foram registados este ano.

Desde 1990, referiu a mesma fonte, a organização agrícola registou até à data 2.091 homicídios e 5.637 ataques deste tipo, sendo o Estado Livre a sexta província do país (de um total de nove) mais afetada com 616 ataques a fazendas e 220 assassínios.