“É uma inevitabilidade termos de assumir algumas medidas mais duras e medidas mais restritivas“, considera Gustavo Borges, vice-presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, em entrevista à rádio Observador. “Não sei se vamos caminhar para um confinamento total, mas acredito que seja possível fazer algum tipo de restrição de movimentos de pessoas, de limitar a hora de saída” ou outras medidas que diminuam o contacto social fora do espaço familiar, porque a população está “a ter comportamentos mais descuidados”.
Entrevistado no programa Direto ao Assunto, pelas jornalistas Carla Jorge de Carvalho e Judite França, o responsável da Associação de Médicos de Saúde Pública avisa ainda que “a situação não está muito fácil nos cuidados de saúde primários“, porque os médicos de família estão “ocupados com doentes de Covid” e “o espaço é reduzido para os doentes não Covid”.
Nos hospitais a situação ainda é diferente, porque há “alguma margem para atender” doentes infetados com o novo coronavírus, embora, com a evolução da pandemia, “até os hospitais vão perder espaço de manobra para atender doentes não Covid”, alerta.
Gustavo Borges entende que “não há qualquer possibilidade de podermos imaginar que os números vão descer nas próximas duas semanas ou que vão estabilizar, tendo em conta o ritmo galopante que têm tido nos últimos tempos e a incapacidade de o SNS dar resposta a um extraordinário aumento de casos que temos tido”.
“O número de pessoas é tanto que este trabalho torna-se muito difícil de acomodar, mesmo que tivéssemos a equipa perfeita”, considera Gustavo Tato Borges.
“Não é possível, com os recursos humanos que estão no terreno, corresponder de forma rápida, como seria desejável, no prazo máximo de 24 horas, à investigação epidemiológica dos casos novos, para colocar os seus contactos em isolamento e, de facto, conseguir que as cadeias de transmissão são todas quebradas”.
Por isso, o SNS vai “receber agora alunos de enfermagem” para ajudar a fazer investigações epidemiológicas. “Terá um impacto positivo”, garante, mas “o problema é saber quando é que eles vêm, o tempo que vai ser necessário para formá-los”, diz o responsável da Associação de Médicos de Saúde Pública. “E temos a noção de que, no início, pelo menos, a qualidade dos inquéritos epidemiológicos não vai ser perfeita”.
Mas até que ponto é que a pandemia poderia ser controlada? “Precisávamos de muitos mais profissionais, não só médicos de saúde pública, internos e especialistas — e não há muito mais onde buscá-los —, mas também enfermeiros de saúde pública, mais técnicos, de pessoas que pudessem fazer a vigilância dos contactos de uma forma regular — por exemplo, operadores de call center que, bem treinados, fizessem o acompanhamento diário destas pessoas todas, precisávamos de centros de saúde com linhas telefónicas suficientes para estarem 10, 20 ou 30 pessoas a fazerem chamadas ao mesmo tempo”.