Uma reunião tensa, tal como se perspetivava. O grupo parlamentar do PSD discutiu esta quinta-feira a posição do partido sobre o referendo à eutanásia e a direção social-democrata confirmou a intenção de conceder aos deputados liberdade de voto sobre a proposta que vai ser debatida esta quinta-feira e votada sexta-feira. Mas, nem por isso, deixou de haver duras críticas à forma como Rui Rio geriu todo o processo.

Com o líder do partido ausente, houve vários deputados que acusaram a direção nacional de desrespeitar a decisão do órgão máximo do partido — em janeiro, foi aprovada em congresso uma moção que defendia, precisamente, o referendo à eutanásia — e de te ter receio de ouvir os portugueses.

Pedro Rodrigues, que tem sido um dos mais veementes defensores da consulta popular, acusou a direção nacional de “não respeitar a tradição histórica do PSD” e de se ter colocado ao lado do PS sem tomar uma decisão e aparentando ter “receio de ouvir os portugueses”.

Um argumento que foi rebatido por André Coelho Lima, deputado e vice-presidente do partido, que lembrou que, em 2014, durante a liderança de Pedro Passos Coelho, foi aprovada uma moção que previa a revisão da regulamentação da lei do aborto em congresso e que nunca chegou a sair do papel.

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Não é sequer o único exemplo: em congressos anteriores foram aprovadas moções que defendiam, por exemplo, a regionalização (Espinho, 2016), a limitação de mandatos dos titulares de cargos políticos (Lisboa, 2017) ou a alteração ao mapa de freguesias (2020, Viana do Castelo). Nenhuma delas conheceu a luz do dia.

Mas houve mais vozes a engrossarem o coro de críticas ao partido. Luís Marques Guedes, Emídio Guerreiro, Margarida Balseiro Lopes ou Duarte Marques, por exemplo, manifestaram, de uma forma ou de outra, desconforto com a decisão da bancada parlamentar do PSD e da Comissão Política Nacional, órgão da direção.

A reunião, descrita como muito participada, teve outras intervenções não tão críticas, mas que levantaram algumas dúvidas sobre a decisão do partido. Filipa Roseta, por exemplo, disse ser a favor do referendo por entender que era uma questão filosófica e política. Filosófica porque dentro do pensamento político do personalismo não faz sentido permitir que um grupo designado de pessoas tome decisões irreversíveis sobre a vida de alguém alegando ser essa a sua vontade. E política porque a eutanásia não constava da maioria dos programas eleitorais, por isso, alegou Filipa Roseta, esta Assembleia não está eleita para uma decisão desta natureza.

Já Carlos Peixoto, vice-presidente da bancada, apontou mesmo o dedo aos que agora defendem o referendo à eutanásia e que, há menos de um ano, defendiam a despenalização da morte assistida — é o caso de Margarida Balseiro Lopes, por exemplo.

Mónica Quintela, por seu lado, usou outro argumento para contestar a realização do referendo: a pergunta sobre a eutanásia, a ser aprovada, seria inconstitucional e não pode ser alterada agora pelos deputados.

A determinando momento, José Silvano, secretário-geral do partido, interveio para fazer a defesa da honra da direção a que pertence, argumentando que as moções do congresso não são vinculativas e que o referendo é uma questão de consciência. Não terá convencido todos os deputados, mas a decisão está tomada: a bancada parlamentar terá liberdade de voto para decidir sobre um referendo que não tem, salvo qualquer grande surpresa, hipóteses matemáticas de passar.

Adão Silva diz que “felizmente” reunião não foi unânime e reitera liberdade de voto

O líder parlamentar do PSD, Adão Silva, considera que “felizmente” a reunião da bancada do partido não foi unânime sobre a posição a adotar no debate do referendo à eutanásia, mas manter-se-á o princípio da liberdade de voto.

Em declarações aos jornalistas no final de quase três horas de reunião, Adão Silva anunciou que o PSD colocará – tal como fez no debate das iniciativas legislativas sobre a eutanásia, em fevereiro – dois deputados a falar, um a favor do referendo, Paulo Moniz (dos Açores), e outro contra, a coordenadora da Comissão de Assuntos Constitucionais Mónica Quintela, no debate de hoje à tarde.

Adão Silva defendeu que o princípio da liberdade é “um princípio essencial do PSD” e considerou que a moção temática aprovada em Congresso “não tem a impositividade” que alguns lhe querem atribuir. “Felizmente, a reunião não foi unânime, houve posições antagónicas, mas sempre expressas num respeito e elegância muito grandes”, disse, saudando a “qualidade extraordinária” de várias intervenções.

Questionado como se compatibiliza esta moção com a decisão de dar liberdade de voto, Adão Silva respondeu que “o referendo está aí, por via dos cidadãos”. “O referendo acontecerá ou não conforme parlamento o decidir. Com todo o respeito pelas decisões do congresso, em matérias desta natureza aquela moção em particular não traz aquela impositividade que alguns lhe querem atribuir”, defendeu, considerando que, neste caso, se “misturam matérias políticas e matérias de consciência.

Por isso, o grupo parlamentar dará liberdade de voto a “todos os seus deputados” e nem sequer terá “uma posição geral definida”. “Cada deputado tem mesmo a liberdade de voto quando amanhã [sexta-feira] for colocada a matéria a votação”, acrescentou.