O primeiro-ministro garante que as medidas que anunciou no sábado passado são as “proporcionais” ao momento que o país vive, mas quer poder ter margem para avançar para o recolher obrigatório nos concelhos de elevado risco. No final do Conselho de Ministros tinha dito que o quadro constitucional não permitia a medida, por isso acabou por pedir ao Presidente da República para decretar o estado de emergência.

O que o Governo pretende é a abertura de um estado de exceção que lhe permita ter maior raio e segurança (jurídica) de ação para implementar esta e outras medidas. Mas o recolher obrigatório ficou claro, vai mesmo acontecer. É isso que o primeiro-ministro quer dizer quando fala em limitar a circulação “em determinadas horas do dia e dias da semana”. “O que é o recolher obrigatório se não limitar a circulação durante certo período do dia ou certos dias da semana?”, esclarece ao Observador fonte do Executivo depois da explicação de Costa em Belém.

Aliás, depois de ter pedido ao Presidente da República para decretar o estado de emergência, António Costa explicou precisamente que a “restrição à circulação entre concelhos cessa amanhã, mas há outros limitações à circulação que são possíveis”. E passou a dar alguns exemplos, que mostram o que está nos planos do Governo:  “Pode vir a ser determinada a limitação de circulação em determinadas horas do dia e dias da semana, pode justificar-se de forma geral ou pontual, quando associada a alguns eventos que importa restringir”.

Detalhou que esta limitação será apenas para os concelhos de elevado risco (neste momento são 121), depois de especificar que não são os eventos noturnos que são o alvo da medida, mas sim os “grandes eventos familiares ao fim de semana”, são esses que têm estado na origem do aumento de casos, disse . Sobre o assunto, a que nunca se referiu como “recolher obrigatório” — uma medida que assumiu que foi a que suscitou maior divergência com os partido ouvidos na passada sexta-feira — Costa disse que o que tem previsto é que “tenha diferentes dimensões e períodos de aplicação”.

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“Nada impedirá que ocorra entre determinadas horas do dias, por exemplo entre as 23 horas e as seis da manhã, com exceções para quem está a trabalhar. Podemos sempre impor essa limitação”, apontou mesmo ainda que a dada altura tenha assumido que “decretar recolher obrigatório ao fim de semana parece que é uma grande violência e um excesso”.

No Conselho de Ministros esta solução foi discutida mas, segundo fonte do Governo, António Costa terá decidido que na declaração no final daquela reunião não falaria já dessa opção para evitar que essa fosse a única mensagem que acabaria por passar para fora. Quando, em março, pediu o estado de emergência ao Presidente da República, o primeiro-ministro fê-lo no próprio dia em que decidiu avançar para esse nível, em Conselho de Ministros, desencadeando o processo logo de seguida, com uma audição em Belém a que acabou por se seguir uma declaração do Presidente da República ao país. Desta vez demorou dois dias a avançar.

Não era só entre os partidos com assento parlamentar que a ideia do recolher obrigatório não era unânime. Ainda esta segunda-feira de manhã, em entrevista à rádio Observador antes da reunião PR/PM, o ministro do Ensino Superior Manuel Heitor apontava o estado de emergência como uma situação que podia “ser vantajosa para, pontualmente, facilitar a adoção de medidas”. E o recolher obrigatório? “Não me parece que seja uma necessidade. Está a ver-se noutras zonas, como em Espanha, que não funcionou”, argumentou.

E o respaldo para outras medidas

Esta terça-feira às seis da manhã termina a limitação à circulação entre concelhos, uma medida que foi contestada pelo Chega que chegou a apresentar uma providência cautelar para suspender a medida. Não foi aceite pelo Supremo Tribunal Administrativo que não reconheceu legitimidade ao partido para avançar com esta ação. Já a ação interposta por uma advogada teve uma leitura do mesmo tribunal ao nível do seu conteúdo e a decisão, segundo fonte do Executivo, defendeu que as restrições tomadas se justificam. O Governo embandeirou em arco com a decisão, mas ao mesmo tempo quis ter respaldo constitucional para esta e outras medidas.

É a isto que António Costa chama de “estado de emergência de natureza preventiva”. Diferente, no seu conteúdo, daquele que vigorou entre o final de março e o início de maio deste ano por causa da pandemia. Será, garantiu Costa, “bastante mais limitado no seu objeto”, quando comparado com essa altura, mas “que provavelmente deverá ter uma extensão bastante superior aos 15 dias que a Constituição permite. À partida deve ser assumido como devendo ser periodicamente renovado”, avisou já Costa “sem dramas”.

“É um momento crítico” e Costa espera que esta declaração do estado de emergência possa servir também para “reforçar a consciência cívica para a emergência sanitária que estamos a enfrentar”. E, por agora, deve esclarecer “dúvidas jurídicas” sobre quatro pontos concretos:

  • A limitação da deslocação de pessoas entre concelhos;
  • Eliminar dúvidas sobre a legitimidade para impor medidas de controlo de temperatura seja no acesso a locais de trabalho seja no acesso a locais públicos;
  • Para “robustecer os termos em que o Estado pode recorrer à requisição de recurso e meios de saúde, seja através do setor privado, seja do social”;
  • Para não haver qualquer dúvida de que o Governo “pode mobilizar recursos humanos, do público e do privado, que estão em recolhimento por estarem em setor de risco, possam ser utilizados para reforçar o esforço das equipas de saúde pública” e outras. A ideia é “garantir que o estado pode alterar o conteúdo funcional” de determinadas atividades, explicou o primeiro-ministro.

Perante isto e apesar de ainda não se conhecer o conteúdo do decreto que o Presidente vai apresentar à Assembleia da República, já é possível antever medidas mais abrangentes sobre o controlo de temperatura em alguns locais, bem como a requisição de meios a privados e setor social, bem como de recursos humanos, “designadamente das Forças Armadas ou funcionários públicos”, para participarem em ações de rastreamento.

Já quanto ao momento em que vai abrir novo estado de exceção constitucional, é uma decisão que está nas mãos do Presidente da República, sendo certo que o primeiro-ministro já disse que espera que não essa declaração não seja “diferida excessivamente no tempo”.