Os responsáveis do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto estão “muito preocupados” com o acesso a diagnóstico após terem registado uma redução “significativa” na referenciação de novos casos de cancro da mama e digestivos, revelaram esta quinta-feira.
Em entrevista à agência Lusa, o diretor do serviço de oncologia cirúrgica do IPO do Porto, Joaquim Abreu Sousa, descreveu que “a referenciação de doentes para primeiras consultas de cirurgia”, ou seja o que pode considerar-se um “caso inicial de cancro”, diminuiu 26% no que diz respeito a tumor na mama e 33% nos tumores digestivos.
Estas percentagens correspondem a cerca de menos 800 doentes com cancro da mama a serem identificados entre janeiro e setembro deste ano, face a período igual do ano passado, e a “cerca de menos 850 doentes” para cancro digestivo.
À Lusa, Joaquim Abreu Sousa alerta para as consequências da falta de referenciação de casos iniciais, algo que poderá estar a acontecer quer por dificuldade no acesso a cuidados de saúde primários, quer pelo medo da população no chamado regresso aos hospitais num cenário de pandemia, mas também por causa da paragem de programas de rastreio ou ausência de exames de diagnóstico.
Não queremos criar problemas, queremos arranjar soluções. Temos o dever ético de pôr ênfase na necessidade de que os doentes de cancro continuem a ter acesso a diagnóstico precoce e tratamento adequado (…). Na minha opinião não é aceitável que se passe a ideia de que o sucesso do tratamento de doenças com maior letalidade que a Covid, como o cancro ou as doenças cardiovasculares, depende do sucesso do tratamento de Covid”, disse o diretor do serviço de oncologia cirúrgica.
Médico no IPO do Porto há 30 anos, Joaquim Abreu Sousa defende a criação de Centros de Cancro Livres de Covid-19, um modelo que outros países já experimentaram, alguns deles com “muito sucesso”, diz.
“Na Lombardia [Itália] em pleno epicentro da Covid em abril, o Instituto Nacional de Tumores criou um centro deste género e todos os doentes com cancro eram lá tratados. A Nova Zelândia, a Austrália e a Alemanha também adotaram o modelo e tiveram bons resultados”, descreveu.
Admitindo que devido à pandemia da Covid-19, que já provocou mais de 1,28 milhões de mortos no mundo desde dezembro do ano passado, incluindo 3.181 em Portugal, a situação atual “não tem precedentes” e a capacidade do sistema de saúde está “em tensão”, Joaquim Abreu Sousa mostrou-se “muito preocupado” com atrasos no tratamento de outras doenças para além das infeções pelo novo coronavírus.
É óbvio que, e com toda a legitimidade, grande parte dos recursos e do esforço está a ser dirigido para o tratamento de doentes Covid-19 (…). Não faço juízos de valor, mas neste momento há um pânico generalizado com a Covid e doenças com letalidade muito superior à Covid estão a ter diagnóstico e tratamento atrasados. Se tenho a redução de [referenciação de primeiros casos] um terço comparado com o período homologo do ano passado, algo se está aqui a passar”, apontou.
Esta preocupação é partilhada pelo presidente do IPO do Porto, Rui Henrique, que pede que seja feita uma “referenciação mais abrangente” e manifesta “disponibilidade” para “retirar sobrecarga” aos centros e hospitais que estão na linha da frente do combate à Covid-19.
“Queremos participar neste esforço coletivo e colocamos ao serviço dos outros hospitais aquilo que é a nossa capacidade de responder aos doentes oncológicos, particularmente os doentes oncológicos que estão na sua fase inicial de avaliação para diagnóstico e tratamento”, disse à Lusa o diretor do IPO do Porto.
Rui Henrique contou que já manifestou à tutela, bem como a colegas de conselhos de administração de hospitais da região a disponibilidade do IPO em “emprestar” meios para atender a doentes não Covid que deles necessitem.
Disse já na semana passada à senhora ministra, à ARS-N [Administração Regional de Saúde do Norte] e aos colegas que o nosso conjunto de camas de cuidados intensivos [num total de oito] estão disponíveis para as situações não Covid. Podem ser ocupadas de forma transitória de forma a libertar camas nas unidades da linha da frente para doentes Covid”, revelou o presidente do IPO do Porto.
Preocupados com o impacto da pandemia no futuro, Rui Henrique e Joaquim Abreu Sousa procuraram também passar a mensagem de que “é seguro ir ao IPO”, hospital onde os circuitos diferenciados estão definidos, as regras de segurança estabelecidas e todos os doentes fazem teste de despistagem Covid-19 quer para tratamentos de quimioterapia, radioterapia, operações, realização de endoscopias ou outras técnicas de diagnóstico.
“O hospital é mais seguro do que a rua”, referiu Joaquim Abreu Sousa ao pedir também aos políticos “equidade e humanidade na abordagem a todas as doenças”.
É preciso que os decisores políticos olhem para as doenças de maior letalidade que a Covid-19 porque estão a sofrer um impacto significativo no diagnóstico e no tratamento em tempo útil”, concluiu o diretor.