Morreu em março deste ano, no lar onde morava desde setembro de 2014, na província de Alicante, longe de imaginar que viria a tornar-se também uma celebridade da Internet — também porque, nos seus tempos áureos, foi primeira bailarina em Nova Iorque e dançou nos palcos, para centenas de pessoas, o mesmo Lago dos Cisnes cujos movimentos, sentada na cadeira de rodas, replicou assim que ouviu a música de Tchaikovsky, quando recebeu a visita da associação Música para Despertar, em junho de 2019. Esta é a história de Marta Cinta, a bailarina com Alzheimer do vídeo viral que está a emocionar a Internet e a mostrar ao mundo quão poderoso pode ser o efeito da música.

Ninguém sabe ao certo em que ano nasceu Marta González Saldaña (Cinta era nome artístico), só que não pode ter sido em 1949 — “Isso é impossível”, disse ao El Español Inmaculada Vilar, a diretora do lar de idosos Muro de Alcoy, onde a ex-bailarina passou os últimos anos de vida e tentou encenar o seu último espetáculo (já lá iremos). “Calculamos que tenha nascido por volta de 1924. Mas no bilhete de identidade diz que nasceu em 1949, e que agora teria 70 anos”, explicou.

Durante toda a vida, percebeu aquele jornal espanhol, que agora reconstituiu os passos da antiga bailarina, Marta Cinta fez questão de mentir sobre a própria idade. O diploma de primeira bailarina que lhe foi concedido em 1966 pela Escola de Ballet Nicolay Yavorsky, em Nova Iorque, dizia que tinha 19 anos. Um outro documento, emitido pela mesma entidade em 1978, garantia que Marta Cinta estava então nos 25 (em vez de nos 31 que seriam de se esperar), e um terceiro certificado, passado três dias mais tarde, já só lhe dava 23.

Apesar de não se saber quantos anos teria à data, uma coisa é certa: Marta Cinta viveu e dançou em Nova Iorque entre 1966 e 1978, para onde se mudou depois de abandonar Cuba, onde era conhecida sob outro nome de palco: Rosamunda, “virtuosa da dança clássica” e “destacada coreógrafa”, chegou a escrever sobre ela a conhecida revista Bohemia, a mais antiga de Cuba e de toda a América Latina.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Apesar de nunca ter abandonado o sotaque característico daquela ilha das Caraíbas e de o seu documento de identificação atestar isso mesmo, não foi lá que Marta González Saldaña nasceu, já não existe ninguém vivo para confirmar quando: a bailarina era natural da capital espanhola, onde terá vivido durante os primeiros anos de vida, até o pai, engenheiro, ter sido enviado para Cuba, para construir a nova linha ferroviária do País, então presidido por Fulgencio Batista.

A associação responsável pelo vídeo, que defende a utilização da música como terapia para doenças como o Alzheimer, revelou entretanto fotografias antigas da bailarina

Só depois de se ter feito bailarina e de ter alcançado a fama nos Estados Unidos é que Marta Cinta regressou a Madrid, onde deu aulas de dança em casa e em várias escolas. Também foi em Espanha que se casou, com Raúl Fernández Suárez, um médico cirurgião com quem nunca chegou a ter filhos e com quem se mudou há seis anos para o lar onde ambos acabariam por morrer, primeiro ele, depois ela.

Quando a conheceu, em 2015, Marta já estava doente, contou ao El Español a diretora da instituição: “Tinha muitos momentos de confusão, de deficiência cognitiva significativa. Não sabemos exatamente se era Alzheimer. Quando ficava assim confusa e já não nos conhecia, ficava tonta e nervosa. Uma vez imaginou que estava numa escola de dança. Tinha as alucinações próprias da doença. E depois tinha momentos em que estava mais lúcida”.

Apesar da doença, ou por causa dela, já viúva, no lar Muro de Alcoy, onde pagava 60 euros por dia, Marta Cinta voltou a apaixonar-se, conta ainda o jornal espanhol, mas não chegou a ser correspondida — “Estava muito apaixonada por um senhor do lar. Era muito namoradeira”, recordou Inmaculada Vilar. “Ele era um senhor muito galante, mas não lhe dava troco.”

Também nunca organizou o espetáculo que, na sua cabeça cada vez mais afetada pelos efeitos da doença, que não chegou a ser-lhe diagnosticada, acreditou durante meses estar a preparar. “Fez o filme de que ia montar uma escola no lar. Então ia fazendo castings e selecionando raparigas: ‘Esta não, que está muito gorda’; ‘Esta sim’; ‘Deixa ver, levanta a perna'”, revelou a diretora do lar àquele jornal, entre risos. “Era muito divertida.”