O ano de 1917 marcaria para sempre o destino de Fátima, até então uma pequena freguesia situada no concelho de Ourém, na região Centro de Portugal. Os relatos das sucessivas aparições de Nossa Senhora do Rosário a três crianças pastoras locais – Francisco, a sua irmã Jacinta e a sua prima Lúcia – criaram uma grande comoção entre a população. No entanto, e apesar da opinião popular, o fenómeno seria apenas reconhecido oficialmente pela Igreja 13 anos depois, em 1930.

A sua importância e reconhecimento como um dos maiores centros de culto mariano mundiais foi crescendo ao longo dos anos, assim como a sua dimensão e categoria. Em 1977, Fátima seria elevada a vila e, vinte anos mais tarde, em 1997, a cidade. Todos os anos, o Santuário de Fátima é visitado por cerca de seis milhões de pessoas, que ali abraçam a sua devoção a Nossa Senhora de Fátima.

O início das peregrinações

A Cova da Iria, palco de cinco das seis aparições de Nossa Senhora aos três pastorinhos, era, até então, uma propriedade rural pertencente aos pais de Lúcia. Subitamente, e mesmo antes da última aparição, o local passava de totalmente desconhecido a um espaço de culto de grande popularidade entre fiéis católicos. Muito antes do reconhecimento oficial das aparições pela Igreja Católica, a Cova da Iria já registava a visita de milhares peregrinos que ali se dirigiam movidos pela devoção a Nossa Senhora.

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Tendo em conta a elevada afluência de fiéis ao local, a Igreja Católica autorizou a construção de infraestruturas que pudessem vir a contribuir para um maior conforto dos peregrinos. Surgiam assim várias tendas para venda de alimentos, água e produtos religiosos, o primeiro albergue, e organizavam-se as primeiras romarias e procissões. Fátima nunca mais seria a mesma.

A oficialização do Santuário de Fátima

Em 1919, no seguimento do pedido feito por Nossa Senhora numa das aparições, é construída a Capelinha das Aparições, o coração do espaço que se viria a transformar num dos maiores Santuários de culto mariano do mundo. No ano seguinte, a Capela recebe uma estátua de Nossa Senhora de Fátima, criada por José Ferreira Thedim, de acordo com as indicações dadas pela pastorinha Lúcia. A estátua, hoje a imagem mariana mais divulgada do mundo, foi benzida a 13 de maio de 1920 e entronizada na Capela a 13 de junho, datas correspondentes às das duas primeiras aparições.

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O Santuário de Fátima começa a ganhar uma maior dimensão em 1928, com o início da construção da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, um projeto da autoria do holandês Gerardus van Krieken que viria a ser continuado pelo arquiteto João Antunes. Marcada por um estilo arquitetónico e uma decoração de grande simplicidade onde se destacam os vários vitrais e pinturas alusivas a Nossa Senhora e às aparições, a Basílica (assim designada em 1954 pelo Papa Pio XII), viria a tornar-se no local de repouso eterno dos três pastorinhos, falecidos em 1919 (Francisco), 1920 (Jacinta) e 2005 (Lúcia). Tanto Francisco como Jacinta viriam a ser canonizados a 13 de maio de 2017 pelo Papa Francisco.

Apesar da primeira missa oficial celebrada pelo Bispo de Leiria na Cova da Iria se ter realizado em 1927, a oficialização do local enquanto Santuário só viria a acontecer em 1940, após a constituição da Fábrica do Santuário de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, entidade autónoma responsável pela sua administração e construção. Ao longo das décadas seguintes, o Santuário viria a ser expandido através da aquisição de propriedades adjacentes; de novas construções – como o Centro Pastoral Paulo VI, o Recinto de Oração, as casas de retiros de Nossa Senhora do Carmo e de Nossa Senhora das Dores, uma Via Sacra e a Basílica da Santíssima Trindade; e complementado por ofertas e doações, como a da imponente estátua do Imaculado Coração de Maria, esculpida sob indicações da Irmã Lúcia, oferecida por católicos norte-americanos e colocada – e benzida – em 1958 no nicho da Basílica de Nossa Senhora do Rosário.

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Como prova da sua importância e lealdade para com a Igreja Católica, o Santuário recebeu a sua primeira Rosa de Ouro papal em 1965, atribuída pelo Papa Paulo VI, a que se seguiu uma segunda por Bento XVI em 2010 e, finalmente, uma terceira Rosa de Ouro em 2017, concedida pelo Papa Francisco.

Os caminhos para Fátima

Apesar das várias opções de transporte para Fátima, uma substancial parte dos fiéis marianos escolhe percorrer o caminho a pé. Seja como prova da sua devoção e espiritualidade, pagamento de promessas feitas a Nossa Senhora de Fátima, ou simplesmente como desafio físico e mental e gosto por caminhadas, o caminho até Fátima é uma experiência extremamente enriquecedora a todos os níveis. A uma motivação de origem religiosa, espiritual ou apenas física, junta-se o prazer de conhecer em detalhe alguns dos destinos mais surpreendentes de Portugal.

São quatro os caminhos habitualmente percorridos pelos peregrinos até Fátima: o Caminho do Tejo, o Caminho do Norte, o Caminho da Nazaré e a Rota Carmelita. Quem opta pelo Caminho do Tejo, tem pela frente uma caminhada de 143km, com início no Parque das Nações ou, alternativamente, na Sé de Lisboa. O Rio Tejo, as vastas planícies da lezíria e, finalmente, os planaltos e vales calcários das Serras de Aire e Candeeiros ilustram a paisagem dos peregrinos até à sua chegada a Fátima.

No caso do Caminho do Norte, o percurso faz-se no sentido contrário, ou seja, de norte para sul. Com início na fronteira com Espanha, em Valença, o caminho cruza-se com o Caminho de Santiago ao longo de cerca de 139km na região Centro – atravessando os vinhedos da Bairrada, os arrozais do Mondego e a via romana de Sicó. Falamos aqui de um percurso de grande beleza e repleto de marcos e sinais de culto mariano, que não deve deixar de conhecer.

Também na região Centro de Portugal, encontramos o Caminho da Nazaré, que liga o Santuário de Nossa Senhora da Nazaré ao Santuário de Fátima. Com início e fim em dois importantes locais de aparição (a Ermida da Memória, encravada na falésia do Sítio da Nazaré e a Capelinha das Aparições, na Cova da Iria). Muitos peregrinos escolhem fazer este percurso de 50 km em sentido inverso, partindo de Fátima e terminando o seu caminho num local onde a terra acaba e o mar começa, de acordo com um ritual antigo.

Este é um percurso de grande interesse cultural e paisagístico, que atravessa as antigas terras dos Monges de Císter, as Serras de Aire e de Candeeiros ou o Ecoparque da Pia do Urso.

Mas entre os quatro habituais caminhos percorridos pelos peregrinos até Fátima, há um que se destaca particularmente, não só pela beleza e encanto do percurso, mas também pelo facto de oferecer uma alternativa aos grandes eixos rodoviários, proporcionando assim uma experiência mais introspetiva e segura: a Rota Carmelita.

A Rota Carmelita: seis etapas, seis experiências únicas

Inspirada pela vida e obra da Irmã Lúcia, que de 1947 a 2005 viveu no Carmelo de Santa Teresa em Coimbra, a Rota Carmelita inicia-se nesse mesmo preciso local, junto ao memorial construído em sua honra. Estende-se por um total de 111 km através dos concelhos de Coimbra, Condeixa-a-Nova, Penela, Ansião, Alvaiázere e Ourém. Com uma banda sonora marcada pelos sons da natureza, os peregrinos atravessam aldeias típicas, descobrem a genuinidade e hospitalidade do povo beirão e deliciam-se com algumas das melhores iguarias típicas portuguesas.

Oficialmente, a Rota Carmelita divide-se em 6 etapas. A primeira etapa leva os peregrinos a percorrer um total de 16 km, com início na Igreja do Carmelo de Santa Teresa em Coimbra, onde poderão visitar uma exposição sobre a vida da Irmã Lúcia. A descida até ao Rio Mondego oferece uma visão abrangente do vasto património histórico, cultural e religioso da eterna cidade dos estudantes, onde se inclui o Mosteiro de Santa Clara e o Convento de São Francisco.

A segunda etapa liga Condeixa-a-Nova ao Rabaçal. Depois de uma visita às ruínas romanas de Conímbriga, chega a altura de deixar as paisagens urbanas para trás para embarcar numa viagem mais introspetiva entre cenários de grande beleza natural, como o Vale do Rio dos Mouros e a sua magnífica cascata. O caminho, com uma extensão de 13 km, oferece ainda a oportunidade conhecer alguns dos locais mais típicos da zona como o Poço, a Fonte Coberta e o Zambujal, onde se recomenda uma visita à sua igreja.

Com o concelho de Condeixa-a-Nova para trás, os peregrinos entram na terceira etapa da Rota Carmelita que liga Rabaçal a Ansião, num total de 19,50 km. Na paisagem envolvente sentem-se milhares de anos de História, não só representados por ruínas de outrora – como a estrada romana que atravessa o Vale do Rabaçal, e a fortificação conhecida como Germanelo, mandada edificar no Rabaçal por D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal – como também pela própria paisagem natural, marcada pela vinha e alguns exemplares de oliveiras milenares. O caminho continua, atravessando várias povoações cujo património histórico e religioso é de visita obrigatória, como o caso da Capela de Nossa Senhora da Orada, a construção cristã mais antiga de Ansião, e um Paço Jesuíta, ambos localizados na Aldeia da Granja. Caso a queira visitar, saiba que é necessária uma pré-marcação.

Com início na vila de Ansião, a quarta etapa estende-se por 13,5 km até Bofinho, no concelho de Alvaiázere. Após visitados alguns dos principais pontos de interesse de Ansião, os peregrinos entram no Parque Ecológico Gramatinha/Ariques. Um verdadeiro paraíso natural de beleza única que, num espaço de cerca de 30,000 hectares, alberga mais de oitocentas espécies de fauna e flora.

Na aproximação à meta final da Rota Carmelita os peregrinos encontram a sua etapa mais longa. São 26 km de Bofinho até Seiça. O emblemático “Olho do Tordo” é ponto de visita obrigatória neste percurso. Esta nascente com origem num poço profundo dá lugar a uma ribeira que revela uma beleza única na primavera, quando as flores do agrião a pintam de branco.

A carga emocional e espiritual da Rota Carmelita revela-se intensamente na sua sexta etapa, a última. O Santuário de Fátima encontra-se a 23 km de distância. Depois de uma visita exploratória a Seiça e a Vale Travesso, dá-se entrada na cidade de Ourém. É aqui que se encontram vários locais emblemáticos associados às aparições de Nossa Senhora, como o Memorial Jacinta Marto, e a Casa do Administrador, onde os três pastorinhos foram interrogados em 1917. Caminhando por trilhos de grande beleza, os peregrinos chegam a Fátima, onde poderão visitar a Igreja Matriz, local de batismo dos pastorinhos. No Calvário Húngaro, a vista panorâmica sobre o Santuário de Fátima marca os últimos momentos da Rota.

O importante, mais ainda que a chegada ao destino, é o caminho percorrido. Com mente e corpo inundados por um transbordante sentimento de pureza e tranquilidade, não há como negar a força desta experiência que proporciona a quem a ela se entrega, independentemente das suas motivações, uma intensa conexão consigo mesmo e uma transformação duradoura.

Saiba mais sobre este projeto
em https://observador.pt/seccao/centro-de-portugal/