O líder do Chega, André Ventura, sugeriu esta segunda-feira à noite na TVI que a viabilização futura de um governo “à direita” e que se oponha ao PS no continente — por exemplo, na senda daquele que o Chega viabilizou nos Açores — dependerá do combate à “subsidiodependência” da comunidade cigana.

A sugestão foi deixada pelo líder do Chega em entrevista ao comentador político e escritor Miguel Sousa Tavares. Durante a entrevista, Ventura disse: “Se o Chega algum dia tiver de viabilizar algum governo nacional, integrá-lo, viabilizá-lo, fazer alguma mudança à direita, há uma questão que vai estar em cima da mesa imediatamente: resolvermos de uma vez por todas o problema que milhares, para não dizer milhões de portugueses têm com a etnia cigana em Portugal”.

Que problema é este que, para o líder do Chega, “milhares, para não dizer milhões de portugueses têm com a etnia cigana em Portugal” — e que Ventura coloca como exigência futura para viabilizar  um governo de direita no continente? “As comunidades ciganas maioritariamente vivem de subsídios”. Há “três ou quatro, ou dez ou 20, que não vivem”, mas “a maioria vive” — e o Estado tem de fazer algo quanto a isso e quanto ao “problema com a justiça” que “a comunidade cigana tem, tendencialmente”, já que “estão na população prisional muito acima da sua população real”.

Que propostas tem o Chega para resolver “o problema que milhares, para não dizer milhões de portugueses têm com a etnia cigana”, não é ainda claro. No programa político, disponibilizado no site do partido, não há referência alguma a propostas relativas à etnia cigana. Refere-se apenas genericamente, no tópico destinado a propostas para a Segurança Social, que “ao rendimento mínimo garantido, terá de corresponder a obrigatoriedade de serviços prestados à comunidade” e que deve ser instituído “serviço comunitário durante a concessão de subsídio de desemprego”. Não é porém certo que estas sejam as medidas que Ventura tem em mente para resolver “o problema da comunidade cigana”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Também no manifesto programático “70 medidas para reerguer Portugal” não há referências do Chega à comunidade cigana nem a propostas concretas que incidam especificamente sobre esta comunidade.

Entre as propostas que incidam especificamente sobre a comunidade cigana já anunciadas no passado pelo Chega está uma sugestão de um confinamento étnico, isto é, uma proposta para confinar em específico esta comunidade no contexto da pandemia do novo coronavírus. Foi anunciada em maio pelo líder do partido, que disse, em entrevista ao jornal I: “É preciso um plano de confinamento específico para a comunidade cigana”.

Entrevista a André Ventura. “Marcelo está a mentir no caso Tancos”

Há umas semanas: “Enquanto me sentar ali, coligações nem vê-las!”

A hipótese de integração de um governo — não apenas viabilização — foi também admitida pelo líder do Chega nesta entrevista à TVI, quando vincou que seria necessário um governo enfrentar os problemas da comunidade cigana para o partido admitir fazer parte de um Executivo.

A posição contrasta com as declarações de André Ventura na última Convenção do Chega, que decorreu há poucas semanas. Aí, o líder do Chega recusou liminarmente qualquer hipótese de coligação com os restantes partidos de direita: “Quero-vos dizer uma coisa: enquanto eu me sentar naquela cadeira ali do meio, coligações nem vê-las com nenhum dos partidos em Portugal. Nem vê-las!”, disse então André Ventura.

Mais recentemente, há 23 dias, em declarações ao semanário Expresso e a propósito de um possível governo de direita nos Açores, o líder do Chega tinha dito: “Estamos totalmente indisponíveis para nos entendermos com os partidos do sistema”. E disse mais: que o partido “não confia em socialistas nem em sociais-democratas”.

André Ventura no Sob Escuta: “Se me perguntar se me chocava ver o Pedro Dias executado, não me chocava”

Nesta entrevista à TVI, André Ventura comentou ainda sobre as negociações com o PSD nos Açores: “Nunca poria cá fora um comunidade que não teria articulado com o PSD. Vou deixar para o PSD esclarecer as coisas. Nunca falaria por outros partidos”.

Na passada quinta-feira, o Observador avançou que o PSD obrigou o líder do Chega a clarificar referências quanto a possíveis acordos nacionais entre os dois partidos, no comunicado que o partido de Ventura pretendia difundir. Adão Silva, líder da bancada parlamentar do PSD, foi contactado por Ventura com uma primeira versão de um comunicado que o Chega pretendia divulgar relativamente ao acordo nos Açores. Essa primeira versão foi enviada para trás pelo líder da bancada parlamentar do PSD, que exigiu que Ventura deixasse claro no comunicado que não havia acordo nacional entre os dois partidos — apenas um acordo regional.

Agora, André Ventura abre a porta a acordos nacionais e não apenas regionais mas traça uma linha vermelha: sem enfrentar o problema da comunidade cigana, nada feito no continente.