O Presidente da República está preocupado com aquilo que considera ser algum desnorte e até divisão no executivo de António Costa sobre a estratégia seguida no combate à pandemia. Marcelo Rebelo de Sousa já nem o esconde e, na última quarta-feira, manifestou durante a audiência de pelo menos dois dos partidos com assento parlamentar que está apreensivo por haver “perceções diferentes” no Governo sobre a estratégia a seguir na pandemia numa altura de alta sensibilidade.

O Observador sabe que esta não é uma avaliação recente do Presidente e o Governo também tem mostrado algum desconforto face à Presidência. Esta quarta-feira, num invulgar comunicado enviado às redações, o Governo fez saber que “só no sábado o Governo divulgará as medidas que irá adotar em execução do Decreto Presidencial”. Uma resposta às medidas que estavam a ser divulgadas na comunicação social, na sequência das reuniões dos partidos com o Presidente da República, em Belém, e das quais iam saindo decisões como, por exemplo, o fecho das aulas presenciais do Ensino Superior.

Governo lembra que ainda não fechou decisões. Novas medidas só no sábado

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Aquilo que Marcelo, em Belém, ia adiantando aos partidos que se tratava de uma medida em estudo pelo Governo era, durante a tarde, desmentida pelo próprio ministro do Ensino Superior. Manuel Heitor veio dizer, em declarações à RTP, que não era nada disso que estava a ser discutido com os parceiros, nomeadamente com os dirigentes e reitores das instituições de ensino superior e dos politécnicos. E, de facto, do dia seguinte aquela que parecia uma pressão de Marcelo sobre o Governo foi colocada pelo próprio Presidente como dúvida, aos especialistas na reunião do Infarmed.

Durante a reunião de especialistas, na quinta-feira de manhã, o Presidente questionou diretamente o presidente do Conselho Nacional de Saúde Pública Henrique de Barros — que promoveu um questionário sobre a pandemia e os principais locais de contágio. Marcelo perguntou se o meio universitário era um local privilegiado de contaminação e o especialista  respondeu que não, o que Marcelo acabou por sublinhar na conferência de imprensa no final da reunião, diante dos jornalistas para sustentar que nenhuma medida fosse fosse avançada, sobre a suspensão de aulas presenciais. Marcelo lançou, junto dos partidos, a rede, mas acabou por ficar em seco.

O processo que levou ao regresso ao estado de emergência foi atribulado e pouco claro — o que já foi admitido pelo próprio primeiro-ministro — e Marcelo ficou desconfortável por ter falado ao país sem ter a certeza sobre as medidas que iriam ser tomadas. O Presidente terá ficado surpreendido com algumas medidas tomadas em Conselho de Ministros — já depois de aprovar o decreto do estado de emergência — e é também por isso que, desta vez, quis estar mais envolvido no processo.

No Governo, este momento de decisões em catadupa — que passaram de um país apenas com restrições em 121 concelhos para o estado de emergência e esses mesmos concelhos com restrições de peso como o recolhimento obrigatório — foi visto internamente como de algum “desnorte”. Nas longas reuniões extraordinárias do Conselho de Ministros, era muitas as divisões do Governo sobre qual o caminho mais seguro a seguir. “Se o país fecha é porque fecha e estamos a condenar as pessoas ao desemprego, se não se fecha, corre-se o risco de irresponsabilidade e de desproteção da saúde das pessoas”, disse ao Observador um dos membros do Executivo quando confrontado com as fricções dentro do elenco governamental.

Mas estas dissidências são, simultaneamente, desvalorizadas, já que são “a definição do Conselho de Ministros”, segundo um governante diz ao Observador. Marcelo, que vai privando com vários governantes — por vezes sem a presença do primeiro-ministro, como aconteceu, por exemplo, com a ministra da Saúde — tem a perceção que as decisões estão longe de ser unânimes no Conselho de Ministros. Não se têm verificado divergências propriamente entre os pró-economia e os pró-saúde, mas tem havido opiniões divergentes sobre as decisões a tomar.

A ministra da saúde, naturalmente, defende habitualmente medidas mais restritivas das que acabam por ser aprovadas (chegou a defender, por exemplo, medidas mais intensas no norte, há umas semanas quando a região entrava em descontrolo, mas não terá sido essa a vontade final do Conselho de Ministros).

A perceção presidencial já tem algum tempo, mas esta semana chegou aos partidos. Ao Observador, pelo menos três dos participantes das audiências que decorreram na quarta e quinta-feira em Belém relataram desabafos de Marcelo sobre a existência de “divisões no Governo sobre medidas” tomadas nas últimas semanas.