O julgamento do Football Leaks foi adiado durante, pelo menos, 14 dias depois de uma das juízas ter estado em contacto com um familiar infetado com o novo coronavírus.

A sessão desta quarta-feira, a 27.ª do julgamento, ainda arrancou e a testemunha agendada, ainda começou a depor. Mas cerca de 15 minutos o coletivo de juízes ausentou-se da sala, interrompendo de forma inesperada o depoimento do advogado Pedro Henriques, que estava a responder às perguntas da Procuradora da República.

A presidente do coletivo, a juíza Margarida Alves, regressou à sala logo depois, já sozinha, para explicar o sucedido: um dos juízes tinha acabado de receber a informação de que um familiar seu tinha testado positivo ao novo coronavírus. “Vamos interromper o julgamento para os próximos 14 dias. Não sei quando poderemos retomar, serão depois notificados”, informou. Não há portanto data prevista para retomar o julgamento.

“A intenção do Nélio Lucas era tentar perceber a origem daquilo, quem seria o autor”

No seu depoimento, Pedro Henriques chegou a detalhar ao tribunal como em 2015 foi contacto pelo ex-administrador da Doyen, Nélio Lucas, porque estaria a ser alvo de extorsão por uma pessoa que se apresentava como Artem Lobuzov — que mais tarde viria a descobrir-se que era Rui Pinto. O advogado lembrou que foi informado por Nélio Lucas sobre as “publicações de documentação confidencial da Doyen” no site do Football Leaks” e que “a partir de determinada altura, começou a receber os emails do Artem Lubozov”.

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Num desses emails, deu-se a entender que as publicações eram feitas por aquela pessoa e que pedia uma quantia entre 500 mil e 1 milhão para contrapartida”, detalhou.

A testemunha explicou que “a primeira reação foi participar às autoridades policiais”. Só que, “a determinada altura”, para seu “espanto”, Nélio Lucas disse-lhe: “Ele [Artem Lubozov] está a dizer-me que esta situação tem de ser tratada entre advogados“. “E indica-me um nome”, explica, adiantando que esse nome era o de Aníbal Pinto — atualmente arguido neste processo por crime de tentativa de extorsão. “Havia mesmo essa exigência. Só podia ser a tentar pôr aqui o manto de aparência de legalidade“, afirmou. Pedro Henriques adiantou ainda Nélio Lucas — “Conheço-o desde pequenino”, disse — lhe pediu para o ajudar.

A intenção do Nélio era tentar perceber a origem daquilo, quem seria o autor”, rematou.

Ainda antes de prestar depoimento, a defesa de Aníbal Pinto tinha pedido um requerimento para impugnar a inquirição. Isto porque Pedro Henriques teria tido uma conversa com um outro advogado seu noutro processo, João Azevedo, em que teria dito que “gostava que acontecesse a Aníbal Pinto o dobro do que lhe está a acontecer”. No entanto, o tribunal acabou por discordar e indeferir o requerimento.

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Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.

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O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juiz Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade. O alegado pirata informático deixou as instalações da PJ no início de agosto e a sua morada atual é desconhecida.