Os investidores no mercado de obrigações estão a transacionar dívida pública portuguesa no prazo de referência a 10 anos com juros muito perto de zero (já, mesmo, yields negativas segundo algumas fontes). Este é um momento histórico que acontece num momento em que os participantes do mercado estão a posicionar-se para um mais do que provável reforço dos estímulos monetários a anunciar pelo Banco Central Europeu (BCE) no próximo mês. E não há, para já, qualquer reação à polémica no parlamento com a aprovação da alteração que impossibilitará, pelo menos para já, a transferência anual do Fundo de Resolução para o Novo Banco, mesmo com fundos vindos de um empréstimo por parte dos bancos ao Fundo de Resolução. A polémica ainda não chegou “aos ouvidos” dos mercados, diz um analista.
Ao contrário do que acontece com as bolsas de ações, nos mercados de obrigações a maior parte das transações são realizadas de forma bilateral entre dois investidores, sem passar por uma “gestora” bolsista (como a Euronext, por exemplo). Em cada negociação, os investidores envolvidos podem escolher partilhar (ou não) os termos da sua transação às bases de dados como as da Bloomberg ou da Reuters. Assim, não existe uma uniformidade nos preços de mercado – com algumas fontes a indicarem que já terá havido negócios feitos a um preço que tem implícita uma rendibilidade abaixo de zero. É o caso da Tradeweb, referência do Financial Times, que já escreveu sobre este marco histórico e simbólico na dívida portuguesa.
Segundo a Trading Economics, a yield implícita na dívida a 10 anos estava, ainda, positiva em 0,01%, não tocando ainda essa fasquia simbólica dos 0%. Isto no mesmo prazo onde os mercados financeiros chegaram a pedir taxas superiores a 16% para comprar dívida pública portuguesa a 10 anos. Mas a tendência, que é comum aos outros países do sul da Europa, aponta claramente no sentido de uma redução progresiva das taxas de juro.
Para já, não parece estar a esboçar-se nos mercados qualquer reação à polémica em torno do Novo Banco. O Observador contactou um influente analista de um banco de investimento em Londres, que confirmou que este problema ainda não chegou aos “ouvidos” dos mercados financeiros – “não olhamos ainda para isto, porque temos vários outros temas a absorverem o nosso tempo“, disse esse analista.
Contactado pelo Observador, fonte oficial do Banco Central Europeu não quis intervir publicamente na polémica: “Não temos comentários a fazer, nesta fase“, afirmou o responsável máximo pela supervisão da banca europeia
Isto numa altura em que António Costa já assegurou, em conferência de imprensa, “a quem nos ouve em Portugal e, também, internacionalmente” que “o Estado português é um estado de direito, que honra as leis e os contratos que assina”. Também João Leão, ministro das Finanças, já disse várias vezes que é “absolutamente crucial” manter estes custos de financiamento baixos porque são estas poupanças que permitem acorrer a outros investimentos como os apoios à economia e ao emprego.
Irá Christine Lagarde pôr o Estado a financiar-se de graça (a 10 anos)?
Há longos meses que países como Portugal e Espanha estão a emitir dívida nos mercados financeiros a juros abaixo de zero, mas apenas em prazos menores do que a referência de 10 anos. Ainda no mês passado, em meados de outubro, o Estado português financiou-se no prazo a oito anos com uma taxa de -0,085% – o que, na prática, significa que os investidores irão no final desse financiamento retirar dele uma remuneração que é negativa. Este é um reflexo do impacto que as políticas de estímulo do Banco Central Europeu (BCE) estão a ter no mercado de dívida soberana – entre compras massivas de dívida no mercado secundário e a definição de taxas dos depósitos negativas (-0,5%, neste momento).
“É impressionante, mas é isso que custa colocar dinheiro num ativo sem risco, hoje em dia”, comentou há dias Carlos Almeida, diretor de investimento do Banco Best, que lembra ao Observador que há poucos dias se atingiu um novo recorde a nível mundial: o equivalente a 17,05 biliões de dólares em ativos de dívida que têm rendibilidade negativa, em todo o mundo. Embora isto comporte preocupações óbvias sobre a sustentabilidade do sistema financeiro, a prazo, para as empresas e para os Estados esta é uma ótima notícia porque “estão a aproveitar para renovar dívida antiga a custos mais baixos e, também, a prazos cada vez mais longos”, afirma o especialista.