Junto ao portão sente-se logo um cheiro novo. É uma espécie de caramelo suave, uma brisa açucarada que nos diz que chegámos. Estamos nos arredores de Lisboa, na fábrica da Lusiteca, a empresa familiar que continua a dar vida às famosas pastilhas Gorila. “Temos os mesmos desafios que as outras fábricas, mas ao menos é tudo doce e bem cheiroso”, diz Luís Filipe Brandão, atual CEO do negócio e genro de um dos fundadores, Carlos Alberto Marques da Costa. E é verdade: antes de os maxilares entrarem em cena, é o nariz que não descansa ao percorrer os corredores da fábrica.
Falar da Gorila é falar da Lusiteca, a empresa que criou a marca e que nasceu há mais de 50 anos. Em 1968, três empresários vindos da indústria alimentar – de áreas como o café e o bacalhau – decidiram aceitar uma inevitabilidade: com a chegada dos supermercados, era cada vez mais difícil continuar a vender a granel. Os três criam então uma empresa de embalamento, no mesmo sítio onde hoje mora a fábrica da Gorila, em Algueirão – Mem Martins. Com a evolução do mercado, o negócio passa a envolver também a produção de guloseimas.
Primeiro chegaram os rebuçados de fruta, os drops com recheio e os caramelos de marcas como a Mouro (já extinta) e a Penha, que ainda hoje faz parte do portefólio da empresa e é produzida no mesmo complexo industrial. O negócio cresceu, a popularidade também,
e em 1975 nasce a Gorila, sucesso que em 1981 dá origem às famosas Super-Gorila, vendidas em embalagens de cinco unidades e muito maiores. “Com elas foram batidos todos os recordes de tamanho de balões. Não havia criança que não tentasse mascar mais do que uma pastilha ao mesmo tempo”, lembra o CEO.
Em 52 anos de vida – 45 no caso da Gorila –, a empresa foi posta à prova várias vezes, enfrentou períodos de dificuldade e foi obrigada a fazer reestruturações profundas para regressar aos bons resultados. “Tudo sem deixar de ser uma empresa familiar de capital 100% português”, diz orgulhosamente Luís Filipe Brandão.
Dos cordões aos balões
Na fábrica podem chegar a produzir-se “cinco toneladas de pastilhas por dia”, avança Gonçalo Brandão, chefe de operações da empresa desde 2019. Trinta a 40% vai para exportação, a receita é que nunca saiu de portas e nunca foi alterada. “É muito simples: é juntar glicose com açúcar, goma, essência e um ou outro segredo”, brinca.
O primeiro passo é amassar e aquecer tudo numa misturadora com capacidade para 250 quilos. O resultado é uma espécie de plasticina branca que é depois colocada sobre umas mesas compridas, refrigeradas, para arrefecer – à primeira vista parece pão. Dois homens vestidos de branco pegam então na massa arrefecida e atiram-na para uma nova máquina. “É a extrusora, tem um sem-fim [uma espécie de parafuso gigante] que empurra a massa para ela sair na forma de cordão comprido”, vai explicando Gonçalo. Nesta fase, já é mais fácil visualizar o produto final. No entanto, antes de chegar aos pequenos retângulos que os portugueses conhecem bem, o tal cordão tem de atravessar um enorme túnel de arrefecimento que lhe dá mais solidez. Só então é que segue para um novo mecanismo que mais parece uma câmara de filmar antiga – culpa de duas enormes bobines, uma com o invólucro e outra com o famoso cromo que envolve cada uma das pastilhas.
“Daqui as pastilhas vão para as famosas caixas vermelhas que vemos nos cafés”, remata Gonçalo. Cada caixa tem sempre pelo menos cem unidades, vendidas individualmente. E os fãs das Super-Gorila podem ficar descansados: continuam a ser fabricadas e o processo é todo igual. Só as pastilhas – e os balões – é que são maiores.
Artigo publicado originalmente na revista Observador Lifestyle nº 7 (março de 2020).