Artigo em atualização com as reações de variadas personalidades à morte de Eduardo Lourenço

O ensaísta Eduardo Lourenço, de 97 anos, morreu esta terça-feira em Lisboa, confirmou à agência Lusa fonte da Presidência da República.

Professor, filósofo, escritor, crítico literário, ensaísta, interventor cívico, várias vezes galardoado e distinguido, Eduardo Lourenço foi um dos pensadores mais proeminentes da cultura portuguesa e era, desde 2016, um dos 19 conselheiros de Estado do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que esta terça-feira de manhã, em nota enviada à imprensa, o considerou “o nosso mais destacado intelectual público”, como nenhum outro “alheio à altivez, à auto-satisfação, ao desdém intelectual, ao desinteresse pelas gerações seguintes”.

“Tendo vivido durante décadas em França, e sendo estruturalmente francófilo, poucos foram os ‘estrangeirados’ tão obsessivos na sua relação com os temas portugueses, com a cultura, identidade e mitologias portuguesas, com todos os seus bloqueios, mudanças e impasses”, continuou Marcelo Rebelo de Sousa.

“Nunca esteve, por isso, alheado dos debates do nosso tempo, nem das vicissitudes da política. Devemos-lhe algumas das leituras mais decisivas de Pessoa, que marcam um antes e um depois, e um envolvimento, muitas vezes heterodoxo, nas questões religiosas, filosóficas e ideológicas contemporâneas, do existencialismo ao cristianismo conciliar e à Revolução”, escreveu ainda o Presidente da República.

Eduardo Lourenço, o pensador que abraçou o Portugal das “ilusões”, da “verdade” e da “liberdade”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Entretanto, à margem das comemorações do 1º de Dezembro, o Presidente da República realçou a “coincidência simbólica” de “o maior pensador sobre Portugal vivo” ter morrido no dia da Restauração da Independência. “Portugal está-lhe muito, muito grato. Foi praticamente um século de serviço à nossa pátria”, disse Marcelo Rebelo de Sousa. “Escreveu sempre sobre Portugal, sobre o que é Portugal, sobre a história de Portugal, o que é ser português, qual é a nossa identidade, o que significamos hoje e no futuro e toda a vida foi verdadeiramente dedicada a pensar sobre Portugal”, realçou ainda.

Na mesma ocasião, António Costa manifestou também o seu pesar pela morte daquele que considera “um amigo e um camarada” e anunciou que esta quarta-feira, 2 de dezembro, será dia de luto nacional em homenagem a Eduardo Lourenço.

“Acho que é um grande convite também para conhecermos a sua obra e prosseguirmos a reflexão e as lições que ele nos deixou, acho que essa seria seguramente a sua vontade”, acrescentou ainda o primeiro-ministro, apelando à leitura do autor de “O Labirinto da Saudade”, “Fernando, Rei da Nossa Baviera” e “Os Militares e o Poder”.

Através de uma nota enviada à agência Lusa, o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, manifestou “grande consternação” com a morte do ensaísta , considerando que foi “quem melhor refletiu a identidade nacional” e “sobre o que é ser português”. “Portugal perde hoje o Professor e filósofo, o crítico e ensaísta; a Lusofonia uma das suas maiores referências intelectuais”, escreveu Eduardo Ferro Rodrigues.

“Pensador de espírito livre e olhar profundo”

Eduardo Lourenço de Faria nasceu a 23 de maio de 1923, em São Pedro do Rio Seco, no concelho de Almeida, distrito da Guarda. Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas, em 1946 na Universidade de Coimbra, foi aí que iniciou o seu percurso, como assistente e como autor, com a publicação de “Heterodoxia”, três anos mais tarde. Seguir-se-iam as funções de Leitor de Cultura Portuguesa, nas universidades de Hamburgo e Heidelberg, na Alemanha; em Montpellier, em França; e no Brasil, até se fixar na cidade francesa de Vence, em 1965, para dar aulas nas principais universidades francesas.

Autor de mais de 40 títulos, foi distinguido com o Prémio Camões em 1996, com o Prémio Virgílio Ferreira em 2001 e com o Prémio Pessoa em 2011. E foi condecorado várias vezes pelos Estados português e francês. Era Grande Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, de que também possuía a Grã-Cruz, assim como da Ordem do Infante D. Henrique e da Ordem da Liberdade; e Oficial da Ordem Nacional do Mérito, Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras e da Legião de Honra de França.

Desde 1989, data da fundação, Eduardo Lourenço foi diretor da revista de “reflexão e crítica” Finisterra, editada pela Fundação Respublica, do PS, cujas listas ao Parlamento Europeu integrou em 2014, na 21ª posição.  Em nota de pesar, a Direção Nacional do Partido Socialista lamentou o desaparecimento daquela que considerou “uma voz maior da cultura e do pensamento português”. “O seu permanente compromisso cívico e político, inseparável da sua vivência cultural distinguiu sempre Eduardo Lourenço, um cidadão ativo e comprometido com a vida, que atualmente era conselheiro de Estado”, pode ler-se ainda no comunicado.

Entre 2002 e 2012, Eduardo Lourenço foi também administrador não-executivo da Fundação Calouste Gulbenkian, onde ainda mantinha um gabinete de trabalho. Em comunicado assinado pela sua presidente, Isabel Mota, a fundação também já apresentou as condolências à família do ensaísta e filósofo: “Pensador de espírito livre e olhar profundo, aberto e sempre diferente sobre as questões, o professor Eduardo Lourenço deu, ao longo dos anos, um importante contributo na forma de se pensar o destino português”.

Recordando “um amigo”, Isabel Mota destacou ainda “a sua imensa cultura, alavancada por uma enorme sede de conhecimento e interesse pelo sentido das coisas, o seu amor pela História, o seu discreto sentido de humor, tão característico dos homens de grande sabedoria.”

“Ele é o grande intelectual do século XX em Portugal”

À Rádio Observador, Clara Ferreira Alves lamentou a morte do “amigo e mestre” Eduardo Lourenço e recordou as ocasiões em que esteve com o professor e filósofo na sua casa de Vence, na Provença, onde ele viveu com a mulher, a tradutora francesa Annie Salomon de Faria, falecida em 2013.

“Esta morte é a morte do último representante daquilo que eu acho que foi a idade de ouro da literatura e do pensamento português, que hoje está extinta. Foram grandes pessoas, todos eles, Sophia, Cardoso Pires, Sena, Alexandre O’Neill, toda essa gente, é um grupo vasto, e o Eduardo foi o último, morreu numa idade mesmo avançada, e morreu bem”, começou por considerar a jornalista.

“Deixa-nos um grande legado, acho que ele pensou Portugal como ninguém, mesmo irritando muita gente — muita gente que não o soube ler, na minha opinião —, e pensou-o a partir do pequeno lugar onde nasceu, São Pedro do Rio Seco, e depois a partir do exílio, que eu acho que é importante para pensar Portugal”, continuou Clara Ferreira Alves.

Também à Rádio Observador, o filósofo José Gil recordou o “grande amigo” Eduardo Lourenço e não escondeu o “choque”, apesar de, tendo em conta a idade, a morte do professor e ensaísta ser mais ou menos esperada. “Era um homem muito complexo sob a sua expressão simples com as pessoas, o seu riso, ele era um homem complexo”, disse. “Ele é o grande intelectual do século XX em Portugal e não há, para mim, depois da II Guerra Mundial, senão duas grandes figuras: uma é o Eduardo Prado Coelho e outra a figura monumental, extraordinária, do Eduardo Lourenço. Ele foi o pensador de Portugal, do espírito português e do destino da nação portuguesa e da nossa portugalidade.”

Pouco mais de uma hora depois de ter lamentado no Twitter a morte daquela que considera “uma das mentes mais brilhantes deste país”, a ministra da Cultura entrou em direto na Rádio Observador e recordou as conversas que manteve com Eduardo Lourenço. “Era alguém que refletia muito sobre o passado mas numa perspetiva de nos apontar sempre pistas para o futuro”, disse Graça Fonseca.

“Deixou-nos neste dia particular, o dia da Restauração da Independência, é também uma curiosidade, uma coincidência, ao estilo de Eduardo Lourenço. Hoje é um dia de lamentar, é um dia de dizer que, ele que nos desafiou tanto a nos valorizarmos enquanto povo, enquanto país, com a História que temos; hoje, neste dia, devemos-lhe isso e devemos-lhe a nós próprios, para sempre, recordar Eduardo Lourenço, que deixa atrás de si um enorme labirinto de saudade”, concluiu a ministra, aludindo a uma das mais aclamadas obras do ensaísta.

Na mesma rede social têm-se multiplicado entretanto as reações institucionais (e não só) de pesar à morte do filósofo e ensaísta, desde a Fundação José Saramago ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O antigo primeiro-ministro português e ex-presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, também recorreu ao Twitter para assinalar a morte de Eduardo Lourenço: “Poucos terão feito tanto quanto ele para ‘identificar’ e definir Portugal e a sua cultura e o nosso particular modo de ser. Um grande intelectual, um notável Português!”.

Também António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas e ex-primeiro-ministro de Portugal, afirmou, em nota enviada à Lusa, que o ensaísta e conselheiro de Estado Eduardo Lourenço “é uma grande referência cultural e moral” da atualidade, definindo-o como um “humanista e europeísta empenhado e crítico”.

“É uma grande referência cultural e moral do nosso tempo. Toda a vida pensou Portugal, como realidade em que as raízes antigas se projetam num futuro de exigência, de abertura e de diálogo. Foi um humanista e um europeísta empenhado e crítico, preocupado com os egoísmos e a indiferença quanto à liberdade”, salientou o secretário-geral das Nações Unidas. Na mesma mensagem, António Guterres observou ainda que Eduardo Lourenço “ensinou a importância da cidadania ativa com forte consciência da justiça social”.

“O seu patriotismo orientado para o futuro valorizou sempre as prioridades para a Educação, a Ciência e a Cultura. Muito continuaremos a dever ao seu exemplo e à sua memória”, acrescentou o antigo líder do PS entre 1992 e 2002.

À agência Lusa, a coordenadora do BE, Catarina Martins, enalteceu o pensamento e a intervenção do filósofo e ensaísta, que considera um “pensador imprescindível”. “Foi filósofo, ensaísta, professor e, sobretudo, um pensador imprescindível. E teve, ao longo da vida, uma inquietude que o levou a marcar presença em momentos determinantes”, disse Catarina Martins, fazendo questão de frisar que, “mesmo nestes últimos anos de vida”, Eduardo Lourenço “encontrou forças para marcar presença quando era imprescindível afirmar a solidariedade que une contra o ódio que divide”.

Eduardo Lourenço: quase cem anos como filósofo do nosso labirinto

Pelo PS, foi emitida uma nota de pesar onde o partido diz que recebeu com “profunda consternação” a notícia da morte hoje do ensaísta e filósofo Eduardo Lourenço, aos 97 anos, a quem chamou “uma voz maior da cultura e do pensamento português”. “É com profunda consternação e pesar que o Partido Socialista recebeu hoje a notícia da morte de Eduardo Lourenço, filósofo, ensaísta e uma voz maior da cultura e do pensamento português”, lê-se na nota de pesar do Partido Socialista.

“O seu permanente compromisso cívico e político, inseparável da sua vivência cultural distinguiu sempre Eduardo Lourenço, um cidadão ativo e comprometido com a vida, que atualmente era conselheiro de Estado”, lê-se ainda na comunicação.

O antigo Presidente da República Jorge Sampaio, também em nota enviada à Lusa, assinalou o desaparecimento de Eduardo Lourenço, que considera “um grande humanista da contemporaneidade”, e escolheu dar especial ênfase a uma característica pouco conhecida do ensaísta: o seu sentido de humor. “Para quem teve o privilégio de o conhecer mais de perto, ele era também um extraordinário contador de histórias, subtil observador da realidade e dotado de um sentido de humor único”, recordou.

“Eduardo Lourenço tinha o talento raro de elevar qualquer conversa, por trivial que fosse, trazendo pontos de vista inesperados, informações e conhecimentos novos ou fazendo comentários que parecendo anódinos traziam sempre à tona o avesso das coisas. (…) Tive a fortuna de privar diversas vezes com Eduardo Lourenço nas mais diversas circunstâncias. Quero ressaltar a sua enorme inteligência, o seu comovente desprendimento, a sua modéstia ou até mesmo humildade, bem como o seu agudo sentido de humor”, escreveu ainda Jorge Sampaio.

A candidata presidencial Ana Gomes lamentou também a morte do pensador português Eduardo Lourenço, com uma mensagem no Twitter em que afirma curvar-se “em tributo” à sua obra. “RIP! querido Eduardo. Curvo-me em tributo”, escreve a militante socialista e pré-candidata à Presidência da República.

“Que ironia, sabermos do seu desaparecimento no dia 1.º de Dezembro”, escreveu Ana Gomes, numa alusão ao dia da Restauração da Independência, em 1640, e ao cosmopolitismo de Eduardo Lourenço e à universalidade da sua obra. “Eduardo Lourenço, um português cosmopolita que, com infatigável lucidez, pensando em voz alta o país, ajudou a fazer e, portanto, a defender Portugal. Até de si próprio”.

A missa de corpo presente de Eduardo Lourenço está marcada para esta quarta-feira, às 12h, no Mosteiro dos Jerónimos. Vai ser celebrada por Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, e por José Tolentino de Mendonça, cardeal e bibliotecário da Santa Sé, anunciou entretanto fonte da Presidência da República. Antes, vai estar em câmara ardente no Mosteiro dos Jerónimos (Nave Central), a partir das 11 horas desta quarta-feira.

O autarca da Guarda, Carlos Chaves Monteiro, também já anunciou que na terra de Eduardo Lourenço esta quarta-feira será dia de luto municipal, com bandeira a meia haste. “Enquanto presidente da Câmara Municipal da Guarda, na convicção de que interpreto, fielmente, o sentimento de todos os guardenses, determino o cumprimento de um dia de Luto Municipal, gesto que simbolicamente visa enaltecer um dos ilustres nomes da nossa cidade.”