A comissária europeia dos Assuntos Internos disse esta sexta-feira, em Lisboa, que confia que Portugal esteja “a tratar apropriadamente” a “horrível violação de direitos humanos” que causou a morte de um cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa.

Em entrevista coletiva a jornalistas portugueses, Ylva Johansson confirmou ter “discutido” o caso com o ministro da Administração Interna português, Eduardo Cabrita, com quem se reuniu na quinta-feira e disse ainda, pensar que “haverá algumas mudanças na liderança e nos regulamentos”, sem precisar.

A comissária está em Lisboa para ajudar a preparar a Presidência Portuguesa da União Europeia (PPUE), que decorrerá no primeiro semestre de 2021.

Depois de ter tentado entrar ilegalmente em Portugal, por via aérea, a 10 de março, o ucraniano Ihor Homenyuk morreu no aeroporto de Lisboa, em circunstâncias que, após investigação, já conduziram à acusação de três inspetores, por “tortura evidente”, e à demissão do diretor e do subdiretor de Fronteiras do aeroporto de Lisboa.

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Portugal “está a tratar apropriadamente” do caso, quer judicialmente, quer politicamente, analisou a comissária europeia, considerando que houve uma “resposta rápida do ministro [da Administração Interna] e do sistema judicial”.

Recusando comentar “os detalhes” do caso, nomeadamente a manutenção da cúpula dirigente do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a comissária repetiu que “Portugal está a lidar com isso” e que se esperam “algumas mudanças na liderança e nos regulamentos”.

Reconhecendo estar preocupada com este caso, Ylva Johansson assinalou que “os incidentes, e as violações de direitos fundamentais, acontecem”, realçando: “O que revela o que somos é a forma como lidamos com isso e como respondemos e as lições que tiramos.” Ou seja, “a resposta é muito importante“, resumiu.

Nem toda a gente pode ficar na União Europeia, aqueles que não são elegíveis terão de voltar, mas continuam a ser seres humanos, têm dignidade e direitos e têm de ser tratados como tal”.

A 30 de setembro, o Ministério Público acusou três inspetores do SEF do homicídio qualificado de Ihor Homenyuk.

A 16 de novembro, a diretora nacional do SEF admitiu que a morte do cidadão ucraniano resultou de “uma situação de tortura evidente”.

Quando questionada pela RTP sobre se tinha posto o lugar à disposição do ministro da Administração Interna, que tutela o SEF, ou se tinha pensado demitir-se, Cristina Gatões disse que “não”.

Após a morte de Ihor Homenyuk, o ministro da Administração Interna determinou a instauração de processos disciplinares ao diretor e subdiretor de Fronteiras de Lisboa, ao Coordenador do EECIT do aeroporto e aos três inspetores do SEF, entretanto acusados pelo Ministério Público, bem como a abertura de um inquérito à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).

Na sequência deste inquérito, a IGAI instaurou oito processos disciplinares a elementos do SEF e implicou 12 inspetores deste serviço de segurança na morte do ucraniano.

Na quarta-feira, a na Assembleia da República aprovou quatro propostas de audições sobre o caso, entre as quais as do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e da procuradora-geral da República, Lucília Gago.

“Temos de garantir que não haverá mais nenhum Moria”

A comissária europeia vincou ainda que os Estados-membros têm de “garantir que não haverá mais nenhum Moria”, referindo-se ao campo de migrantes na ilha grega de Lesbos que em setembro foi devastado por incêndios.

Em entrevista coletiva a jornalistas portugueses, Ylva Johansson – que veio a Lisboa para ajudar a preparar a presidência portuguesa da União Europeia, que decorrerá no primeiro semestre de 2021 – recorreu ao exemplo do campo de Moria, devastado por vários incêndios que deixaram cerca de 12.700 refugiados sem abrigo, para demonstrar o que ainda há a fazer.

A comissária reconheceu também que o desempenho dos Estados-membros no que respeita aos centros de detenção de migrantes “não é suficientemente bom”.

Dando como exemplo o crescimento das migrações através das ilhas Canárias – com um aumento de “mais de 100%”, com “quase 20 mil pessoas” a arriscarem a vida na “rota mais mortífera de todas” -, Johansson justifica a necessidade de “fazer mais no que respeita ao combate ao tráfico e a prevenir que as pessoas façam estas perigosas viagens”.

Situações como essa – “não sabemos quantas vidas se perderam ali” – são “as falhas” que a União Europeia (UE) tem de “enfrentar”, classifica. Outra coisa são “os retrocessos”, distingue, colocando neste lote as acusações de que a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex) “pode ter tido parte” em incidentes que impediram a entrada de migrantes na Europa.

Uma reportagem publicada em 23 de outubro por vários órgãos de informação europeus noticiou que, entre março e agosto, agentes da Frontex foram cúmplices de incidentes que impediram a entrada de migrantes na Europa, um crime punido pela lei internacional.

“Fiquei muito preocupada. Liguei imediatamente ao diretor executivo [da Frontex]. Temos de investigar isso minuciosamente. É totalmente inaceitável, se for verdade. Não sabemos se é verdade”, frisou a comissária, esperando “clareza” sobre o resultado da investigação.

Na terça-feira, ouvido em Bruxelas, o diretor da Frontex, Fabrice Leggeri, rejeitou as alegações. “A agência europeia tem de ser um modelo exemplar no que respeita à forma como protegemos as nossas fronteiras e os direitos fundamentais”, vincou a responsável pela pasta dos Assuntos Internos, acrescentando que também está “preocupada com os relatórios” que dão conta de tentativas semelhantes “em alguns Estados-membros”.

A proposta de Pacto sobre a Migração e o Asilo – que a Comissão Europeia apresentou em setembro – terá como um dos pilares o retorno aos países de origem dos migrantes que não encaixem nos critérios de permanência na UE. “Esses terão de regressar, mas são seres humanos, têm dignidade e direitos”, notou Ylva Johansson.

A comissária considera que “a UE está hoje muito mais bem preparada do que em 2015 para gerir as migrações”, mas reconhece que “não está apetrechada o suficiente” e que existem “falhas, especialmente na solidariedade entre os Estados-membros”, mas também nas parcerias com os países de origem e no combate aos traficantes.