Se a TAP já incomodava muita gente, uma TAP que vai custar mais de 3,4 mil milhões de euros aos portugueses incomoda muito mais. E é suficiente para fazer com que até um ministro como Pedro Nuno Santos, que muitos diziam estar à esquerda do Bloco de Esquerda, receba críticas – em pleno parlamento – por estar a pensar “esmagar os salários e os direitos dos trabalhadores” como se fosse um neoliberal.
O ministro com a tutela da transportadora aérea portuguesa – que vai receber ajuda estatal em troca de um duro programa de ajustamento – foi ao parlamento defender o plano de reestruturação que entregou em Bruxelas na semana passada, e as críticas dos deputados começaram logo aí. Afinal de contas, nenhum dos grupos parlamentares viu ainda o plano completo, que terá quase 200 páginas e que ainda vai ser negociado com a Comissão Europeia.
Pedro Nuno Santos desafia deputado do PSD a dizer. “Quer ou não quer a TAP? Quer ou não quer a TAP?”
“Plano faz um striptease da empresa”. “É da máxima sensibilidade”
Nem vai ver, pelo menos nas palavras do ministro. Pedro Nuno Santos assegurou aos deputados que enviará ao parlamento uma versão escrita do plano de reestruturação depois de passar nas negociações com a Comissão Europeia, mas sempre numa versão editada pelo Governo. Ou seja. sem partes que considere sensíveis (em matéria comercial ou outras).
“Quando tivermos um documento que possa ser executado, e não um projeto de plano de reestruturação, podemos fazer esse esforço de preparar a informação relevante, essencial e crítica [para apresentar por escrito ao Parlamento]. Mas não nos levarão a mal que a matéria comercial, que não é relevante do ponto de vista do escrutínio, [seja retirada]”.
E explicou porquê, numa das imagens mais coloridas da audição. O plano entregue em Bruxelas, disse o ministro, “faz todo o striptease da empresa, incluindo uma explanação de toda a sua estratégia comercial. É matéria da máxima sensibilidade para o negócio da TAP e para os seus concorrentes”.
Ao longo das pouco mais de três horas de audição, o PCP foi particularmente duro neste ponto. “Os senhores dizem aos trabalhadores ‘Isto vai ser duro, mas tem que ser assim’. ‘Confiem em nós, mas é assim, porque estamos a dizer”. Uma falta de transparência que se estende aos gestores da companhia aérea. O acordo de confidencialidade que a administração da TAP pediu aos trabalhadores para que estes pudessem conhecer o plano de reestruturação “é uma aberração constitucional e democrática”, acusou Bruno Dias. “Isto é suspender a democracia e tem a maior gravidade”.
“Governo aproveita a pandemia para fazer dumping social”, acusa o PCP
As piores críticas, no entanto, foram mesmo para o impacto que o plano de reestruturação da TAP vai ter no quadro da empresa. E o ministro foi forçado a um equilíbrio entre o seu lado político – com críticas à gestão privada da TAP desde 2015 (ainda que o governo PS tenha reposto o Estado como principal acionista) – e um lado de gestor de negócios – quando voltou a salientar que os pilotos da TAP pesam demasiado na estrutura de custos. Argumentos a que o próprio ministro tirou força, ao voltar a admitir a expressão “despedimento coletivo”.
“Inicialmente, os despedimentos não tinham de ser inevitáveis”, começou por explicar Pedro Nuno Santos. “Infelizmente, a conjuntura internacional e a situação na aviação mundial foi-se degradando, e a IATA foi revendo as suas previsões em baixa. Isso tornou difícil de fugir a uma situação que pode, efetivamente, passar por um despedimento coletivo” na TAP, adianta.
“Ninguém faz isto com gosto, muito menos eu. Mas ou nós conseguimos fazer esta reestruturação ou não vai sobrar um único posto de trabalho“, concluiu.
O PCP, que deixou claro não ter gostado de ouvir isto, acusou o ministro de se preparar para fazer “dumping social”. “O senhor está a explicar desde o início que, na perspetiva do Governo, a TAP gasta demasiado dinheiro com os trabalhadores, e que tem de cortar salários, cortar direitos e despedir trabalhadores”, reforçou Bruno Dias.
“O problema aqui é que o ministro que diz que não há aviões a voar e que a TAP está sobredimensionada para a sua atividade é o mesmo ministro que diz que o mercado em 2025 será o mesmo que em 2019, no tempo das vacas gordas. Ou dos aviões wide bodies. Então mas o problema é enfrentar a crise pandémica – e a situação conjuntural que temos nestes anos – e é para essa situação que temos de mobilizar recursos? Ou os senhores querem que a TAP no futuro foque adaptada como se o cenário base fosse este de 2021″, perguntou o deputado do PCP.
Aliás, todo o plano de corte de custos – diz o PCP – está centrado nas questões laborais. “Parece que o problema não era a crise pandémica, é aproveitar a crise pandémica para fazer dumping social”.
“Problema da TAP não se resolve sem olhar de frente para a estrutura de custos”, diz o ministro
Pedro Nuno Santos defendeu-se o melhor que pôde. “É óbvio que os trabalhadores não são o problema da TAP, nunca ninguém o disse”. Mas depois insistiu: “Nós temos um problema na TAP – aliás, temos vários – a que não conseguiremos dar resposta sem olhar de frente para a estrutura de custos”, salientou.
Um depois um direto ao queixo do PCP. “Não é por falarmos mais zangados com o ministro e falarmos muitas vezes na palavra ou nos trabalhadores que conseguimos convencê-los, até a eles, que estamos mais preocupados com eles”. “A obrigação de quem está à esquerda – não só do PS, mas também do PCP e do Bloco de Esquerda – é deixar a TAP em condições e segurar o emprego”, completou, enquanto Bruno Dias abanava a cabeça.
Quanto a responsáveis pela atual situação, Pedro Nuno Santos apontou as sucessivas gestões da companhia – públicas e privadas – mas reservando as críticas mais fortes para o período que se seguiu à privatização de 2015. O “erro tremendo”, como disse o ministro, foi a TAP ter crescido demasiado depressa nesses anos.
“Há problemas na TAP que são anteriores à gestão privada, que não foram resolvidos pela gestão privada e que, em alguns casos, até foram agravados pela gestão privada. Na minha opinião, a empresa cresceu demasiado depressa e em numero de aviões e trabalhadores acima do que estava no plano estratégico, em relação ao que foi acordado com o Estado”, considerou o ministro. “Foi um erro tremendo e grave provocado pela gestão privada a quem foi vendida a companhia, no final de 2015, e que ficou responsável pela gestão corrente até junho deste ano”, completa.
PSD não sabe o que quer, diz Pedro Nuno Santos. “Quer ou não quer a TAP , quer ou não quer a TAP, quer ou não quer a TAP?”
A troca de argumentos com o PSD correu melhor ao ministro e ao PS. Os socialistas concentraram-se em apontar que os sociais-democratas não propõem uma alternativa a este plano de reestruturação, que passa por cortar salários em 25%, frota e rotas, e que também implica uma injeção mínima de 3,4 mil milhões de euros públicos na companhia.
O deputado socialista Carlos Pereira foi o primeiro a atacar o PSD. “Julgo que quem nos ouve é capaz de, numa folha A4, de colocar dezenas de críticas sobre a TAP e talvez até dezenas de críticas a este plano de reestruturação. Mas o mais relevante e mais consistente para projetos políticos é mostrar, demonstrar e apresentar uma solução alternativa. Há mais de 9 meses que temos uma situação pandémica que afetou a economia nacional, a economia mundial e ainda mais a aviação”.
Ou seja, diz Carlos Pereira, o PSD “teve todo este tempo para construir uma alternativa a esta solução do Governo. O Governo e o PS não tem nenhuma dúvida em relação ao que pensa da TAP, ao seu valor e importância para a economia portuguesa”.
“Mas o PSD tem perdido sistematicamente oportunidades para dizer ao que vem: ‘ai, ai, ai não devemos ir por aí’. Senhor deputado, retire o ‘ai, ai, ai’ e diga exatamente o que querem fazer”, apontou.
O PSD respondeu com a polémica da semana passada, quando Pedro Nuno Santos assumiu que queria que o plano fosse votado do parlamento. O primeiro-ministro, António Costa, opôs-se, o que deu azo a interpretações sobre um choque de ideias entre ambos.
O social-democrata Paulo Neves questionou se o ministro ainda tinha o respaldo político do primeiro-ministro. “O ministro foi completamente desautorizado pelo primeiro-ministro. Queria o colinho do primeiro-ministro e perdeu-o. Queria o colinho do parlamento e perdeu-o. E agora está a falar pelo Governo? Ou fala só por si?”, perguntou o deputado. E sobre os argumentos de Pedro Nuno Santos para a TAP, Paulo Neves Paulo disse que o ministro trocou a fama de “estar à esquerda do Bloco de Esquerda” pelos “tiques neoliberais”.
“O ministro que estava mais à esquerda do que o Bloco de Esquerda agora tem grandes tiques neoliberais, despedindo mais de 3.000 pessoas”, acusa o deputado do PSD, acusando também Pedro Nuno Santos de ser “um cordeirinho a negociar em Bruxelas” quando antes dizia querer fazer frente “aos banqueiros alemães”.
Pedro Nuno Santos guardou os seus últimos minutos para repetir o desafio ao PSD. “Quer ou não quer a TAP , quer ou não quer a TAP, quer ou não quer a TAP?”, repetiu o ministro, de dedo apontado ao deputado social-democrata.