A Assembleia da República não permitiu (para já) a suspensão do mandato de deputado de André Ventura e a substituição por Diogo Pacheco Amorim. O pedido foi analisado esta terça-feira na Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados mas acabou por ser chumbado pela maioria de deputados ali presentes, apesar de ter motivado divisões entre partidos e dentro do grupo parlamentar do PS. O pedido de Ventura acabou chumbado com os votos contra de PS, PSD, BE e PCP e os votos a favor de CDS, PAN, Isabel Oneto, Jorge Lacão e José Mendes, os três do PS.

A decisão, no entanto, não ficou definitivamente arrumada. No Parlamento, André Coelho Lima, deputado e vice-presidente do PSD, anunciou que o partido vai apresentar um diploma para, entre outros aspetos, dar resposta a situações como a de André Ventura e ultrapassar uma “visão funcional” do mandato de deputado na qual o PSD não se revê.

O projeto-lei, garantiu o social-democrata, deverá dar entrada no Parlamento ainda esta terça-feira e, a ser aprovado, permitirá a Ventura suspender o mandato para se candidatar à Presidência da República e a ser substituído. Até lá, salvaguardou Coelho Lima, vale a lei que está em vigor. “A partir do momento em que vivemos num Estado de Direito não nos podemos fazer interpretação criativa”, reconheceu.

Uma posição de princípio — a de que Ventura tem razão no seu requerimento — partilhada por João Almeida, deputado do CDS e relator do parecer, André Silva, deputado do PAN, Jorge Lacão, deputado do PS e presidente da Comissão, que pediu a palavra para fazer uma longa exposição sobre o direito de Ventura a “ver considerada a sua pretensão”, e de outros dois deputados do PS.

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Tal como noticiava na segunda-feira o Observador era esse o espírito do parecer assinado por João Almeida. Ventura não só teria direito à suspensão do mandato como teria direito a ser substituído durante a campanha presidencial. A não substituição de Ventura traria, de acordo com o mesmo parecer, um de dois problemas: o Chega, que tem apenas um deputado, deixaria de estar representado na Assembleia da República; ou Ventura, se fosse chamado a interromper a campanha para participar em trabalhos parlamentares, seria prejudicado num direito fundamental, que é o de participar num ato eleitoral.

Parlamento inclinado para aceitar suspensão de mandato de André Ventura

Ao longo de mais de duas horas estiveram em confronto duas visões: uma mais restritiva e outra mais expansiva da lei. Isto porque há dúvidas sobre a legalidade do requerimento de André Ventura. De acordo com o Estatuto dos Deputados, a figura da suspensão temporária do mandato de deputado só está prevista em três casos: “Doença grave que envolva impedimento do exercício das funções por período não inferior a 30 dias nem superior a 180”; “exercício da licença por maternidade ou paternidade”; “necessidade de garantir seguimento de processo [judicial ou similar] nos termos do n.º 3 do artigo 11.º”.

Mas existe uma omissão em relação a candidaturas presidenciais, que é regulada pela lei eleitoral do Presidente da República — uma lei, aliás, de valor reforçado, logo hierarquicamente superior ao Estatuto dos Deputados. E essa lei é clara: os candidatos “têm direito à dispensa do exercício das respetivas funções, sejam públicas ou privadas” durante o período de campanha, mantendo o direito à remuneração.

Acabou por prevalecer a primeira visão, mesmo que tenha motivado divisões dentro do próprio PS. Pedro Delgado Alves, deputado e vice-presidente da bancada socialista, defendeu que a lei só permite a suspensão de mandato em situações muito claras e que a as regras são para cumprir. “Não é à la carte que se dispensa os deputados das funções. Não se exerce o mandato como se quer. Deixaríamos de ter regras e uma base sólida”, argumentou.

Isabel Moreira, também do PS, pediria a palavra para se pôr ao lado de Pedro Delgado Alves, motivando mais uma intervenção de fundo de Jorge Lacão, que acusou Moreira de ignorar grande parte dos argumentos por ele invocados.

“Não se trata de uma interpretação extensiva de direitos”, sublinhou o presidente da comissão. O que está em causa, disse Lacão, é o “direito nobre” de participar num ato eleitoral como este e a salvaguarda do “direito à representação efetiva” no Parlamento. Isabel Oneto, coordenadora do grupo parlamentar do PS, apesar de não ter participado na discussão acabou por votar a favor do parecer, tal como José Mendes, também do PS.

Argumentos que não convenceram os partidos mais à esquerda. João Oliveira, líder parlamentar do PCP, alertou para o “precedente grave” que se abriria se o Parlamento desse luz verde ao requerimento de André Ventura, uma vez que qualquer deputado-candidato poderia, daqui em diante, suspender o mandato e ser substituído. “Seria inadmissível que se criasse uma situação de exceção”, argumentou.

Pedro Filipe Soares, deputado e líder parlamentar do Bloco de Esquerda, não escondeu a discordância e as “divergências de fundo” em relação à lei que regula o Estatuto dos Deputados, mas não se comoveu com os argumentos de André Ventura, que acusou de querer “criar um facto político”. “Um candidato sem conteúdo que tenta criar uma campanha presidencial que de outra forma não existiria”, apontou.

Se a proposta do PSD não for aprovada e se o Parlamento mantiver a decisão de travar o pedido de suspensão de André Ventura, o líder do Chega já ameaçou recorrer para o Tribunal Constitucional e começar um batalha judicial que vai marcar o arranque da campanha presidencial.