O acordo entre a UE e o Reino Unido para o pós-Brexit, a poucos dias do fim do período de transição, deixou a indústria pesqueira surpreendida e preocupada, porque, no documento que estabelece as regras de cooperação e do comércio entre os dois blocos depois do adeus britânico, a UE cede a Boris Johnson parte das possibilidades de pesca em Svalbard (a meio caminho entre a Noruega e o Polo Norte), ficando o Reino Unido com 25% do bacalhau dessa zona, em vez dos anteriores 12%. A ser verdade, os armadores portugueses ficariam a perder, com grande probabilidade. Só que, confrontado com esta parte do acordo, o Governo responde que é, afinal, “um lapso” da União Europeia.

“A quota de bacalhau do Svalbard não é um stock partilhado com o Reino Unido, pelo que a redução indicada é um lapso que carece de ser corrigido pela União Europeia”, garante o ministério do Mar em resposta às perguntas do Observador.

“Havendo uma situação incorreta no que se refere à repartição da quota de bacalhau do Svalbard, Portugal, através dos canais adequados do Ministério dos Negócios Estrangeiros, já oficiou a Comissão no sentido de se corrigir o texto do Acordo”, uma vez que “qualquer documento de negociação tem um período para ser revisto, antes da publicação oficial”.

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O Governo diz querer que o acordo seja compatível “com o regulamento de TAC e Quotas aprovadas para 2021”. Todos os anos, a UE fixa limites anuais de capturas para várias espécies, chamados de TAC (totais admissíveis de capturas) ou possibilidades de pesca, para evitar que algumas populações de peixes desapareçam ou que a sua captura deixe de ser economicamente viável. É com base nestas diferentes possibilidades de pesca que a UE reparte pelos estados‑membros as quotas nacionais, que não devem ser excedidas.

Confrontado com a resposta do Governo, Luís Vicente, secretário-geral da Associação dos Armadores das Pescas Industriais (ADAPI), diz esperar “que seja verdade, que seja só um erro”, embora ache estranho.

Antes desta posição do executivo, Luís Vicente dizia ao Observador que o Governo teria “de esclarecer, tanto como estado-membro interessado e como presidência da UE, junto do senhor Barnier [negociador-chefe da União Europeia no processo de saída do Reino Unido], a que propósito foram oferecidas essas quotas”.

Logo de seguida, fazia uma ressalva que seria premonitória: “Se é que foram [oferecidas], pode ser um erro, mas geralmente a Comissão não faz erros desses”. Afinal terá mesmo feito, segundo o ministério do Mar. O Observador aguarda resposta da Comissão Europeia.

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A frota portuguesa da pesca de largo (embarcações de maior porte, com mais capacidade e autonomia, que podem ficar meses no alto mar) trabalha essencialmente em três zonas — ao largo do Canadá (Atlântico Noroeste), na Zona Económica Exclusiva da Noruega (ao longo de 200 milhas) e ao largo de Svalbard, que pertence à Noruega, mas que tem um estatuto especial. Nenhuma delas em águas britânicas. Não passava, por isso, pela cabeça dos armadores portugueses que, por arrasto do acordo do pós-Brexit, pudessem perder bacalhau na Noruega, num contexto que já é difícil em várias frentes.

“Para nossa grande surpresa, encontrámos lá [no acordo] que a UE cede ao Reino Unido 25% do que eram as possibilidades de pesca da UE no Svalbard, quando o Reino Unido tem atualmente 12%. E nós não percebemos porquê. A confirmar-se, teria impacto na pesca portuguesa”, diz Luís Vicente.

“A que propósito é que a UE cede ao Reino Unido possibilidades de pesca de bacalhau em águas que não têm nada a ver com a relação entre Reino Unido e a UE?”, questiona o secretário-geral da ADAPI. “Portugal perderia possibilidades de pesca de forma permanente, porque nem sequer é alvo de negociação anual”, afirma Luís Vicente.