Depois das críticas e pedidos de demissão devido ao caso do procurador europeu — e da carta com dados curriculares falsos enviada pelos serviços do Ministério da Justiça através do embaixador português junto da UE ao Conselho da União Europeia — a ministra da Justiça admite três lapsos dos serviços mas nega processo de intenções. “Aquilo que se trata é de um empolamento profundamente injusto de uma situação que é rigorosamente transparente”, disse em entrevista ao telejornal da RTP.
Francisca Van Dunem falava visivelmente irritada de uma “nota de trabalho” (“não é carta nenhuma”), entre “dezenas de notas”, enviada em novembro de 2019 à Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia, que não tinha “nenhuma intenção específica” em adulterar ou sobrevalorizar o currículo do procurador José Guerra. “Todo esse discurso está envenenado, essa carta é do ano passado (novembro de 2019), e eu não a conhecia até agora”, disse.
Sobre se tem ou não condições para continuar no cargo, Van Dunem pôs a decisão nas mãos de António Costa. “Quem escolhe o governo é o senhor primeiro-ministro. E o senhor primeiro-ministro sabe que o meu lugar esta sempre a disposição.”
Governo deu informações falsas à UE sobre nome escolhido para procurador europeu
José Guerra foi o nome escolhido pelo Conselho Superior do Ministério Público para o cargo de procurador europeu, mas a escolha não coincidiu com o nome escolhido pelo Comité de Seleção Internacional que, usando critérios comuns, escolheu um representante de cada país para o lugar. Em primeiro lugar, nesse concurso de peritos, ficou Ana Carla Almeida, e não José Guerra. Contudo, na escolha nacional do CSMP, Ana Carla Almeida ficou em terceiro, e José Guerra em primeiro. Portugal foi um de apenas três países que não aceitou o resultado do concurso europeu e apresentou um nome alternativo, alegando maior competência.
O processo, segundo Francisca Van Dunem, foi “transparente”, uma vez que o Conselho Superior do Ministério Público é um “órgão independente”, que tomou uma decisão — “e o Governo respeitou essa decisão”. “O CSMP é independente e diz que ele é o melhor”, atirou.
“O Conselho da UE não é um grupo de alienados mentais”
A ministra da Justiça rejeitou, na mesma entrevista à RTP, que a nota de trabalho enviada com “lapsos” curriculares tenha sido determinante para a escolha do Conselho da União Europeia. Primeiro, porque o currículo do candidato (de todos os candidatos) seguia em anexo, factualmente rigoroso; depois, porque “nenhum desses lapsos é determinante da escolha que é feita”. E, mais: “O Conselho da UE não é nenhum grupo de alienados mentais”, disse ainda, reforçando que um órgão como o Conselho da UE não toma decisões com base nessas notas.
Sobre os lapsos em causa, Van Dunem não os negou mas procurou justificá-los. Primeiro, os serviços escreveram que José Guerra era “procurador-geral-adjunto” (quando não era) porque “partiram do pressuposto de que era”; depois, escreveram que tinha sido o responsável pela investigação e julgamento do processo UGT (quando apenas esteve no julgamento) porque “o julgamento é a fase mais importante do processo penal português e ele esteve um ano inteiro nesse julgamento”; e, sobre o facto de a nota dizer que José Guerra dirigiu a 9ª secção do DIAP, identificando-a como o maior departamento nacional de combate ao crime económico-financeiro, quando, na realidade, é o DCIAP que investiga os casos mais complexos desse tipo de criminalidade, Van Dunem saiu em defesa dos serviços que tutela dizendo que à data em que ele a dirigiu, essa era de facto a estrutura do MP que mais investigações fazia em crime económico e financeiro.