O Governo propôs aos sindicatos da função pública um aumento de 20 euros brutos na remuneração mais baixa, para os 665 euros, igualando assim o salário mínimo no público e no privado. Já os restantes salários até 693 euros (a posição remuneratória seguinte) vão ser aumentados em 10 euros. A intenção foi comunicada pelo Governo numa ronda negocial esta segunda-feira.
No final do encontro com os secretários de Estado da Administração Pública e dos Assuntos Fiscais, o líder da Frente Comum, Sebastião Santana, considerou a medida “manifestamente insuficiente“. “O Governo pretende valorizar os dois níveis mais baixos da administração pública e ainda assim de forma muito insuficiente: 20 euros para o nível de remuneração mais baixa e depois dez euros até ao nível a seguir [de 693,13 euros]”, explicou, em declarações aos jornalistas.
Segundo a proposta a que o Observador teve acesso, há um outro grupo que é aumentado: o dos trabalhadores que ganham mais de 693,13 euros mas menos de 703,13 euros. Com o aumento de 10 euros no escalão anterior, estes trabalhadores seriam ultrapassados pelos colegas com salários inferiores, pelo que o Governo define que quem ganha entre 693,14 euros e 703,12 euros passa também a receber os 703,13 euros. Para os restantes, não vai mexer “uma vírgula”, como disse Sebastião Santana. A medida, se avançar, vai produzir efeitos a 1 de janeiro, ainda que possa ser aprovada mais tarde. Além disso, ao contrário do que aconteceu em 2019, a proposta prevê que estes aumentos não levem à perda de pontos na avaliação de desempenho, necessárias para as progressões.
“Entendemos que fica muito aquém daquilo que era a possibilidade de aumentos salariais neste momento e não mexe uma vírgula em relação aos aumentos de salários de todos os outros trabalhadores da administração pública”, acrescentou. Segundo Sebastião Santana, se a proposta for adiante, significa que “vamos manter o rumo de compressão da tabela remuneratória única, de não valorização da antiguidade”.
O Ministério da Administração Pública, porém, não deu a proposta como fechada e admite que possa vir a “sofrer alterações” até à reunião de quarta-feira, que vai voltar a juntar o Governo e os sindicatos à mesa de negociações.
O Governo já aprovou em Conselho de Ministros o aumento do salário mínimo nacional em 30 euros para os 665 euros, mas tinha ficado por definir qual o valor destinado especificamente à função pública. Isto porque os trabalhadores da administração do Estado têm uma tabela remuneratória própria. Por exemplo, no ano passado, o salário mais baixo no público estava dez euros acima do nacional, nos 645 euros.
Sindicatos dizem que Governo não deu “informação clara” sobre número de trabalhadores abrangidos
Além da Frente Comum, reuniram-se ainda com o Executivo a Frente Sindical, liderada pelo STE, e a FESAP. Maria Helena Rodrigues, do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), considera que o valor de aumentos salariais é “insuficiente”.”Não podemos dizer que aqueles trabalhadores que estão integrados naqueles grupos profissionais possam dizer que têm salários dignos”, afirmou, após a reunião.
A sindicalista critica que para os trabalhadores com maiores qualificações “não há qualquer atualização remuneratória”. “Continuamos numa situação delicada: as remunerações são baixas“. Para a segunda reunião, diz que não tem grandes expetativas. “Nós nem conseguimos ter da parte do Governo uma informação clara de quantos são os trabalhadores abrangidos pela atualização, isto é, serão 100 mil trabalhadores, 120 mil trabalhadores”. “Parece que o esforço não é significativo”, concluiu.
Sobre o argumento do Governo de que os restantes salários podem subir por via das progressões e da contagem do tempo de serviço, Maria Helena Rodrigues afirma que os trabalhadores terão de esperar “dez anos” para mudarem de escalão. “Em 2018 e 2019 houve possibilidade de mudança de escalão, mas o que a prática diz é que são precisos 10 anos para que essa mudança se faça. Portanto, agora, os trabalhadores da administração pública que mudaram de escalão esperam mais dez anos.”
Além dos aumentos salariais, o Governo apresentou ainda uma proposta para agilizar os concursos de admissão de trabalhadores no Estado. A ideia é encurtar alguns prazos e condensar diferentes fases do concurso num único dia, segundo o Negócios. Para Maria Helena Rodrigues, a medida “não tem consequência nenhuma para a administração”. “Se não forem cumpridos [os prazos] continuamos na mesma.”
Já José Abraão, líder da FESAP, adianta que a medida de atualizações salariais anunciada se trata de “alguns ajustamentos” e não de aumentos salariais. Considera a proposta “miserável e inaceitável” e “ofende os assistentes técnicos e operacionais”, criticando que o salário mais baixo no Estado seja igual ao nacional.
O sindicalista disse que a estrutura sindical apelou ao Governo para que ponderasse subir o ordenado mínimo no Estado acima do nacional. Segundo o responsável, os secretários de Estado comprometeram-se a refletir sobre esse apelo até à próxima reunião de dia 6. “Os secretários de estado mostraram-se disponíveis para avaliar o apelo de que não se aplique o salário mínimo aos trabalhadores da função pública e que tenha em consideração que, cada vez mais, vão ficando posições remuneratórias sobrepostas”. José Abraão questiona: “Como é que alguém que entra hoje [na administração pública] vai ganhar o mesmo de quem já cá está há 30 anos?”
À semelhança de Maria Helena Rodrigues, José Abraão disse que não foram apresentadas pelo Governo estimativas de quantos trabalhadores seriam abrangidos.
Artigo atualizado às 7h30 de terça-feira, dia 5, com a abertura revelada pelo Governo para rever a proposta