Epicentro da polémica que estalou com a ministra da Justiça, Ana Carla Almeida, a procuradora que foi preterida para o cargo na Procuradoria Europeia, apesar de ter ficado em primeiro lugar nas provas de seleção, não afasta a possibilidade de o concurso vir a ser impugnado. No entanto, em declarações ao Observador, a magistrada não adianta se vai ter alguma ação concreta nesse sentido, referindo apenas que continuará a lutar de acordo com os princípios que a norteiam:
É para mim absolutamente fundamental o respeito pela independência da Procuradoria Europeia, o regular funcionamento do Estado de Direito, o direito que os cidadãos têm à boa administração e ao respeito pelo princípio da transparência no funcionamento das instituições que os governam, pelo que todos os procedimentos que adotei e que estou disponível para continuar a adotar sempre estarão enquadrados por estes valores que, em meu entendimento, se sobrepõem a concretos interesses pessoais”.
A procuradora considera que “como magistrada e como cidadã” tem consciência “de que as informações que têm vindo a público sobre a forma como decorreu o processo de seleção, em nada contribuem para aqueles valores”. Porém, invocando o “dever de reserva” e “a prioridade que atribui à proteção do regular funcionamento das instituições e, em particular, do desempenho da Procuradoria Europeia”, entende que não deve “fazer qualquer comentário adicional neste momento”.
Ana Carla Mendes prefere também não se pronunciar diretamente sobre as declarações da ministra Francisca Van Dunem, que se respaldou no parecer do Conselho Superior do Ministério Público para escolher um outro candidato, José Guerra, para o lugar — sendo que o órgão só definiu os critérios depois de conhecidos os concorrentes, diz esta terça-feira o Público.
Em vez disso, responde que “o processo de seleção do Procurador Europeu foi devidamente esclarecido na opinião pública nos últimos dias, o que permitirá aferir situações de enviesamento de informação a esse propósito”. Não deixa, contudo, de esclarecer que “as intervenções dos Conselhos Superior do Ministério Público e da Magistratura destinam-se a apurar, em cada caso, 3 candidatos que são remetidos para a fase seguinte, como resulta claramente da lei e tem sido assinalado objetivamente por vários juristas, entre os quais o senhor Bastonário da Ordem dos Advogados num artigo de opinião publicado no dia de hoje [terça-feira, no jornal i]”. Ou seja, não são vinculativos.
Questionada pelo Observador sobre a possibilidade de a escolha de José Guerra poder ser revertida depois de se saber que as informações dadas à instituição europeia não são verdadeiras, a magistrada do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que foi responsável pela investigação do caso das “golas de fumo” e da AiMinho (processo que envolve 122 arguidos num alegado esquema de corrupção que envolve fundos europeus) responde apenas:
Como operador judiciário, acredito no funcionamento do Estado de Direito. A Ordem Jurídica encontrará recursos que habilitem ao restabelecimento da ordem pública, sempre que esta seja colocada em causa de forma séria e suscetível de colocar em causa os processos decisórios institucionais.”
Francisca Van Dunem tem estado debaixo de fogo depois de se saber que o documento enviado para Bruxelas sobre José Guerra tinha informações falsas, e depois de um comunicado (entretanto apagado da página oficial do MJ) do diretor-geral da Política de Justiça, Miguel Romão, que ontem se demitiu, ter afirmado que a ministra estava ao corrente do integral conteúdo dessa nota. No final da manhã desta terça-feira Rui Rio veio acusá-la de ter mentido e a Ordem dos Advogados do Norte considerou que a ministra, que irá ao Parlamento dar explicações sobre o caso, “está a mais”.
Rui Rio: “É absolutamente inequívoco que a ministra da Justiça mentiu claramente”
António Costa já reafirmou a sua confiança política na ministra da Justiça, apesar do coro de críticas.