São oito os projetos que vão ser discutidos na Assembleia da República para a criação de uma lei de bases do clima. Apesar da dispersão de textos, os dois maiores partidos — PS e PSD — assumem que o Parlamento tem “quase a obrigação” de encontrar um consenso generalizado. De um ‘bloco central’ climático, os deputados querem criar um consenso para uma lei de bases que seja transversal aos próximos governos.

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O vice-presidente do grupo parlamentar do Partido Socialista, Hugo Pires, confessa ao Observador que “os partidos e os políticos não podiam ficar de braços cruzados à espera que a estratégia para o clima aparecesse por milagre” e que por isso “é preciso agir e transmitir também um sinal claro de que a classe política se sabe entender para lá das ideologias, encontrando no combate às alterações climáticas um desígnio comum“.

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As propostas dos dois maiores partidos têm as suas divergências, objetivos e caminhos diferentes, mas são vários os pontos em que há abertura para uma convergência, apesar do período de maior antagonismo que Rui Rio e António Costa têm protagonizado. Um dos exemplos é o modelo de fiscalização e aconselhamento da política climática. O Partido Social Democrata chama-lhe Conselho para a Ação Climática e diz ser “uma espécie de Conselho das Finanças Públicas do clima”. À esquerda, o PS propõe uma Unidade Técnica para a Estratégia Climática. Os nomes divergem mas o objetivo é praticamente o mesmo: criar uma estrutura que faça a monitorização das políticas, mas que possa também aconselhar o Governo e o Parlamento.

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Do lado do PSD esta abertura impõe-se “pela urgência climática, que exige uma ação unida”, diz Bruno Coimbra, deputado e coordenador dos social-democratas na Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território. O deputado garante que “o PSD está empenhado em congregar os melhores contributos de todos os partidos — porque os há –, criando um texto comum” que possa merecer esse amplo consenso por parte do Parlamento.

Com oito textos em discussão, as propostas devem descer à especialidade sem votação — pelo menos é esse o acordo informal que existe entre alguns dos partidos –, para depois ser encontrado então esse texto conjunto que possa voltar ao plenário para ser votado.

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Socialistas e social-democratas concordam até nas dificuldades que existem para implementar uma lei de bases para o clima. O PSD reconhece que “para existir uma verdadeira transição climática é preciso deixar apenas o fator preço. O impacto ambiental vai ter que adquirir peso em todos os setores da sociedade”, adianta o deputado Hugo Carvalho, um dos co-autores da proposta, que acrescenta ainda que “sem a ajuda dos privados não é possível fazer a transição energética“.

O PSD considera ainda que encontrar consenso é importante para “criar um quadro legal que possibilite mudar comportamentos na sociedade”, dando assim peso à futura lei de bases do clima. Do lado do PS, Hugo Pires reconhece que “este tipo de mudanças merecem sempre resistência, seja na administração pública, na indústria e nos transportes” e que “é preciso ter coragem para definir metas e assumir algumas políticas”, mas acrescenta que “todos têm que fazer parte”.

[Ouça aqui as declarações dos autores das propostas da lei de bases do clima]

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À parte do PS e do PSD, também o PAN considera “obrigatório” encontrar este consenso e garante ter abertura para negociar o documento final. André Silva assegura ao Observador que “existem pontos de convergência, sobretudo na necessidade de concretizar medidas e de vincular o país a uma lei que concretize as metas que são obrigatórias para os governos cumprirem“.

Do “contrato intergeracional” à “crise existencial da juventude”

O combate às alterações climáticas é um dos assuntos que mais mobilizou os jovens ao longo dos últimos anos. Figuras como Greta Thunberg transformaram-se em pontas de lança destes movimentos informais que pedem à classe política iniciativas pelo clima.

Para o presidente da Juventude Socialista — e também deputado do PS –, Miguel Costa Matos, “o clima representa uma crise existencial para os mais jovens porque põem em causa as condições de vida para o futuro”, acrescentando ainda que “depois da lei de bases é preciso ir mais longe na criação de legislação“.

Miguel Costa Matos considera também que “é fundamental que saia da Assembleia da República um amplo consenso para criar uma lei duradoura e que defina os passos que o país deve dar no que toca à transição energética”, aproveitando também o pacote financeiro oriundo da Europa que “deve refletir as prioridades traçadas através de ferramentas como esta lei de bases”.

O líder da JS mostra até “orgulho por ser co-autor de uma lei sobre o clima, exatamente 20 anos depois dos deputados da Juventude Socialista terem introduzido no ordenamento jurídico as únicas leis sobre alterações climáticas que existem em Portugal”. Estas propostas foram apresentadas entre a liderança de Sérgio Sousa Pinto e Jamila Madeira, dois dos nomes que o presidente da JS não referiu no discurso de abertura e que mereceu críticas de Sousa Pinto, mas que Miguel Costa Matos garante ter sido um mal-entendido.

Já Hugo Carvalho, que antes de ser deputado foi presidente do Conselho Nacional da Juventude, puxou dos galões do PSD na área do ambiente para dizer que “no Parlamento não existia esta consciência. Se agora existe, isso deve-se aos jovens e é a maior prova de que a próxima geração não está nada afastada da vida política“.

O plenário vai debater oito propostas, seis de partidos — só o CDS, o Chega e o Iniciativa Liberal não apresentaram iniciativas — e das duas deputadas não-inscritas, Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. Ainda assim, o processo vai prolongar-se durante várias semanas para essa discussão na especialidade que possa encontrar o consenso que é pedido pelos partidos.