Abel, então apenas Abel sem apelido (aquela velha história de quando um jogador passa a treinador ganhar por norma mais um nome), começou por destacar-se no Penafiel, jogou quatro anos no V. Guimarães, passou depois para o rival Sp. Braga e assinou, a meio da época de 2005/06, pelo Sporting. Há muito que era falado para dar o salto para um “grande” mas foi apenas nessa fase, pouco tempo depois de Paulo Bento ter agarrado na equipa após a saída de José Peseiro e (nova) crise institucional, que lá chegou. E durante várias épocas assumiu a lateral direita do conjunto verde e branco, onde terminaria uma carreira a que todos sabiam o que se ia seguir.

Abel sai da sombra da Palmeira(s): português vence River Plate na Argentina e tem pé e meio na final da Libertadores

Em Alvalade, onde fez parte da defesa menos batida da história do clube em 2006/07 a par de Ricardo, Tonel, Polga e Caneira (apenas 15 golos sofridos em 30 jogos do Campeonato, numa média de 0.5 por encontro), Abel foi sempre revelando um gosto especial em saber mais e perceber o que fazia e como fazia em campo. Nos estágios ou em casa, costumava ler livros de futebol (como o de Mourinho); nas conferências, tinha consciência do papel que tinha para cumprir em campo, sobretudo quando dizia que ao longo de 90 minutos de um jogo de futebol um jogador podia ter apenas dois minutos em contacto com a bola e, como tal, tinha de saber exatamente o que fazer com ela. Acabou em 2011, com duas Taças de Portugal (2007 e 2008), duas Supertaças (2008 e 2009) e três participações consecutivas na Champions (de 2006 a 2009), e começou de imediato a carreira de treinador.

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Abel Ferreira diz que Palmeiras é a melhor equipa que já treinou

Foi campeão nacional nos juniores do Sporting, dois anos depois deu o salto para a equipa B mas acabou por sair, então com alguns problemas com responsáveis que tinham entretanto chegado para o clube. Foi nesse mesmo verão de 2014 que se mudou para Braga, num regresso que começou pela equipa secundária mas que mereceu chamada ao conjunto principal, o resto da época de 2016/17 e duas temporadas completas de seguida. Em 2019, e depois de uma primeira recusa, os argumentos financeiros apresentados pelo PAOK acabaram por convencer António Salvador e Abel Ferreira teve a primeira experiência no estrangeiro, onde ficou até hoje, tendo trocado a Grécia pelo Brasil em outubro de 2020. E a opção, que após o fenómeno Jesus no Flamengo correu mal a Jesualdo Ferreira (Santos) e Ricardo Sá Pinto (Vasco da Gama), não podia ter sido mais acertada. Estava na hora do encontro mais importante na formação de São Paulo onde nem três golos de avanço resolviam a eliminatória.

De forma discreta, Abel foi conseguindo deixar trabalho feito no Palmeiras, da qualificação para as meias da Taça dos Libertadores à final da Taça do Brasil enquanto mantinha a equipa em zona de qualificação para a principal prova sul-americana no Campeonato. E o triunfo por 3-0 na Argentina frente ao River Plate foi o “gatilho” para o português assumir em definitivo o protagonismo de uma caminhada que poderia colocar o clube na quinta decisão da principal competição continental tentando a segunda conquista depois de 1999 com Luiz Felipe Scolari, sendo que até a palestra do jogo pedindo “cabeça fria e coração quente” não passou ao lado da imprensa. Agora, num Allianz Parque onde Abel só tinha vitórias e um empate, o River Plate foi um rolo compressor, esteve perto de uma reviravolta época num jogo de loucos e com vários casos à mistura mas a vitória por 2-0 foi curta e Portugal volta a ter um treinador na final da Libertadores depois de Jesus com o Flamengo no ano passado, esperando agora o vencedor da outra meia-final entre Santos e Boca Juniors (0-0 na primeira mão).

Se é verdade que Marcelo Gallardo montou uma equipa demasiado ofensiva para resolver a eliminatória em casa num jogo onde correu tudo mal, desta vez El Muñeco teve uma estratégia bem montada e assente em três defesas (Díaz, Rojas e Pinola) que conseguiu surpreender o Palmeiras. Rony, numa das poucas saídas em transição bem conseguidas, ainda teve uma boa oportunidade travada pela saída rápida de Armani (10′) mas os argentinos não tardaram em agarrar em definitivo do encontro e dominarem a todos os níveis, numa atitude “à River” que valeu por exemplo duas Taças do Libertadores em 2015 e 2018. Por onde quer que os brasileiros tentassem jogar, furar ou sair, havia sempre um argentino. Com velocidade, intensidade, querer. E a surpresa tornou-se algo real.

Já depois de uma ameaça de Santos Borré para defesa de Wéverton e mais uma grande intervenção do guarda-redes brasileiro para canto a remate de Díaz, Rojas inaugurou mesmo o marcador na sequência de um marcado na direita por De la Cruz com o arco contrário que surpreendeu a defesa à zona do Palmeiras e possibilitou ao central um grande desvio de cabeça sem hipóteses (29′). Zé Rafael, numa jogada construída pelo inevitável Rony, ainda teve uma tentativa com perigo por cima mas era o River Plate que continuava com pé no acelerador e a reduzir mais a desvantagem da primeira mão em cima do intervalo por Santos Borré, que apareceu ao segundo poste para desviar sozinho (44′) já depois de mais uma defesa apertada de Wéverton a um remate forte de Suárez quando a diferença de intensidade e capacidade física se tornava mais notória perante a sobrecarga do Palmeiras.

O intervalo pecava por tardio e Abel tinha 15 minutos para inverter um jogo que recomeçou com a entrada de Breno para o lugar de Scarppa (na primeira parte já tinha saído lesionado Gómez, o “patrão” da defesa) mas que se manteve com as mesmas características. Tanto que, logo aos 52′, o River Plate marcou mesmo o terceiro golo por Montiel num lance que acabou por ser invalidado pelo VAR por uma intervenção de Santos Borré a passe de Enzo Pérez no início da jogada que deixou muitas dúvidas (e promete dar muita polémica). E ainda houve um corte atabalhoado de Luan que Wéverton evitou que se transformasse em autogolo (58′). Os argentinos davam tudo, o Palmeiras ia conseguindo melhorar de forma ligeira com a correção de alguns posicionamentos, Rojas deixou o River Plate reduzido a dez após falta sobre Rony (73′), Suárez foi carregado por Alan num penálti marcado pelo árbitro mas revertido pelo mesmo intérprete após indicações do VAR e visualização das imagens, Santos Borré ainda acertou no poste (80′) mas os brasileiros iriam segurar a vantagem até ao final do encontro apesar de mais um lance de possível penálti para os visitantes (também duvidoso) analisado pelo VAR aos… 90+10′.