A Assembleia da República aprovou esta quinta-feira uma resolução do PS para conceder honras de Panteão Nacional ao escritor e diplomata português Eça de Queiroz, recordando a sua dimensão de escritor, mas também de humanista e crítico social.

O projeto de resolução visa “conceder honras de Panteão Nacional aos restos mortais de José Maria Eça de Queiroz, em reconhecimento e homenagem pela obra literária ímpar e determinante na história da literatura portuguesa”.

O documento prevê ainda a constituição de um grupo de trabalho, “com a incumbência de determinar a data a definir e orientar o programa de transladação, em articulação com as demais entidades públicas envolvidas, bem como um representante da Fundação Eça de Queiroz”.

A iniciativa partiu de um repto lançado pela Fundação Eça de Queiroz e insere-se no espírito da lei que define e regula as honras de Panteão Nacional, destinadas a “homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao país, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade”.

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O deputado do Partido Socialista José Luís Carneiro começou a sua intervenção, no debate parlamentar desta quinta-feira, que discutiu a resolução, precisamente por recordar a definição dos critérios para propor honras de Panteão Nacional, assinalando que Eça de Queiroz “é superiormente singular e um dos maiores vultos da literatura e cultua nacional”, que na função diplomática “defendeu com superior inteligência e com coragem a dignificação do ser humano”.

Saudando a “abertura mostrada por todos os grupos parlamentares” para esta iniciativa, considerou que este é o momento de mostrar o “apreço por Eça de Queiroz”.

O deputado da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, não hesitou em considerar que o autor de “Os Maias” merece honras de Panteão Nacional, e destacou que “merece voltar a ser lido por quem manda neste país”. De seguida, Cotrim de Figueiredo recordou algumas passagens do autor que mostram a sua visão “intemporal” do país e da política.

Pelo CDS, interveio a deputada Ana Rita Bessa, assinalando que, no Panteão Nacional, Eça “terá a sua memória eternizada” e um “lugar digno, projetado no país e no mundo, e a sua memória eternizada em toda a nossa memória coletiva”.

O deputado José Luís Ferreira, do PEV, evocou também o enquadramento legal para a concessão de honras de Panteão Nacional, sublinhando que Eça de Queiroz “se enquadra nos pressupostos definidos”, e não apenas “pela enorme dimensão de romancista e escritor, que olhava para a arte como um poderoso instrumento transformador das sociedades”.

“Era senhor de consciência humanista invulgar, uma consciência social que o levou a insurgir-se contra a escravatura a que estavam sujeitos os trabalhadores do engenho do açúcar em Cuba”, recordou.

Para o deputado do PSD Paulo Rios, “esta singularidade de concessão está reservada a muito poucos”, e Eça de Queiroz é um desses merecedores.

“Dos nossos, foi um dos maiores. A sua obra, a sua memória e frescura e atualidade do seu legado continuam bem vivos na nossa memória coletiva”, afirmou, classificando-o como “único, reconhecido e muito atual”.

Recordando-o como “um dos maiores romancistas da história da literatura portuguesa”, sublinhou: “não foi só — e não era pouco — um romancista único, foi um humanista consequente, quando em Cuba, e um mordaz e irónico observador dos portugueses, em especial, dos poderosos, dos dirigentes e dos políticos”.

“Por vezes sinto que me cruzo com algumas das suas personagens, se bem que com diferentes nomes e outras roupagens, nesta mesma assembleia”, ironizou.

O PCP, pela voz de Ana Mesquita, destacou o papel de Eça de Queiroz como ativista, nomeadamente na geração de 70, que gerou polémica com a questão coimbrã, “que teve tantas ramificações que ainda hoje têm impacto”.

A deputada citou o presidente da Fundação Eça de Queiroz, o bisneto do escritor, Afonso Eça de Queiroz Cabral, que disse: “numa época em que os índices de leitura, em particular, entre os estudantes baixam assustadoramente, tenho a esperança, talvez ingénua, de que um acontecimento como este alerte para a maravilhosa descoberta da leitura”. “Também o PCP assim o espera”, acrescentou.

André Silva, deputado do PAN, considerou que “com Eça aprendemos a sentir e a pensar” e destacou a sua “visão irónica dos políticos e dirigentes”, para sublinhar que “o legado de Eça não acabou com a sua morte”.

Na mesma senda, Alexandra Vieira, do Bloco de Esquerda, afirmou que o romancista era um “exemplo do que hoje podemos considerar ativista”, enaltecendo a sua “capacidade de levar os seus leitores a pensar”.

“Seria hoje Eça um homem de esquerda? Ele visava a transformação de um Portugal pobre, analfabeto, rural, piedoso, conservador, dominado por uma pequena elite burguesa impreparada politicamente, intriguista e ciente dos seus interesses”, sublinhou.

No final das intervenções, José Luís Carneiro afirmou que a Assembleia da República deu “um grande exemplo de maturidade democrática e serviço ao país”.

“Estamos a homenagear um dos maiores vultos da cultura e literatura do país, como também um povo e uma região onde ela se inspirou para escrever os seus romances”, acrescentou.

Eça de Queiroz, nascido na Póvoa de Varzim, em 1845, encontra-se entre os mais importantes escritores portugueses de sempre.

Foi autor de contos e vários romances, entre os quais “Os Maias”, que gerações de críticos e investigadores na área da literatura consideram o melhor romance realista português do século XIX.

Da sua vasta obra contam-se ainda títulos como “O primo Basílio”, “A cidade e as serras”, “O crime do padre Amaro”, “A relíquia”, “A ilustre casa de Ramires” e “A tragédia da Rua das Flores”.

Eça de Queiroz morreu a 16 de Agosto de 1900 e foi sepultado em Lisboa. Em setembro de 1989, os seus restos mortais foram transportados do Cemitério do Alto de São João, na capital, para um jazigo de família, no cemitério de Santa Cruz do Douro, em Baião.