O Estado cabo-verdiano atribuiu pensões a pelo menos 54 vítimas de tortura e maus-tratos nas ilhas de São Vicente e Santo Antão em 1977 e 1981, durante o período do partido único, segundo nova lista oficial.

Em 31 de janeiro de 2020 tinha já sido publicada a “primeira leva” de beneficiários desta pensão, aprovada no parlamento de Cabo Verde em 2019, seguida de uma “segunda leva” em 09 de julho, e já hoje uma terceira atualização, com mais três beneficiários, todos da ilha de São Vicente, conforme resolução do Conselho de Ministros. A resolução anterior, de julho último, referia que a lista de atribuição desta pensão, então num total de 51 vítimas identificadas, 20 das quais a título póstumo, era “definitiva”. Contudo, passa agora a 54 vítimas identificadas, sendo que em 20 casos a pensão é atribuída aos herdeiros.

A pensão mensal está fixada em 75.000 escudos (675 euros), mas funciona como complemento aos que já recebem uma pensão de reforma ou de aposentação, nos casos em que é de valor inferior.

Após um trabalho minucioso de levantamento, recolha e filtragem de dados e documentações de interesse para este processo, conseguiu-se apurar quase que por completo o valor da pensão financeira mensal a que cabe a cada uma das vítimas de tortura e maus-tratos corridos em São Vicente e em Santo Antão”, lê-se no despacho de 31 de janeiro, quando foi publicada a primeira versão desta lista.

O parlamento cabo-verdiano aprovou em julho de 2019 a atribuição de uma pensão mensal de 75.000 escudos às vítimas das torturas e maus-tratos nas ilhas de São Vicente e de Santo Antão em 1977 e 1981, respetivamente. O diploma foi aprovado com votos favoráveis dos deputados do Movimento para a Democracia (MpD, no poder) e três da União Caboverdiana Independente e Democrática (UCID), enquanto os deputados do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, partido único em Cabo Verde até 1991) votaram contra.

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A proposta aprovada contém críticas ao regime que governou o país entre 1975 e 1991, em que “era natural que os abusos contra cidadãos cabo-verdianos indefesos, incluindo prisões arbitrárias, espancamentos, violação do domicílio e torturas, sucedessem aqui e ali, sem qualquer possibilidade efetiva, aliás, de apelo ou reparação jurídica”.

O texto da proposta de lei refere que “foi o que sucedeu, com especial gravidade, em São Vicente e Santo Antão, em 1977 e 1981, respetivamente”. Em 1977, foram detidos em São Vicente cidadãos acusados de estarem a preparar ataques terroristas, os quais foram torturados e espancados. E, quatro anos depois, na ilha de Santo Antão, um grupo de homens foi detido quando protestava contra o PAICV.

O Presidente da República, eleito com o apoio do MpD, anunciou que promulgou o diploma “em nome do essencial”, dizendo estar de acordo com a necessidade de atribuir uma compensação financeira às vítimas de São Vicente e de Santo Antão, por considerar ser “justa e razoável”. Porém, Jorge Carlos Fonseca afirmou entender que “não faz sentido restringir tais abusos num tempo e num espaço determinados”.

Não me parece que exista qualquer razão forte e válida para se excluir do âmbito da proteção da norma outros cidadãos que, no regime de partido único, possam ter sido vítimas de tortura e maus tratos por parte das autoridades”, apontou.

Deste modo, Jorge Carlos Fonseca salientou que uma das coisas que se está a dizer é que os maus tratos ocorridos em outros lugares e ou numa outra data não merecem esta proteção legal, o que considera ser “manifestamente desrazoável”.

Também entende que se está a dizer que a tortura e maus tratos físicos e psíquicos significativos só ocorreram em São Vicente em 1977 e em Santo Antão em 1981, “o que não corresponderia à verdade”.

Uma tal versão contraria factos outros facilmente testemunháveis, verificados noutros pontos do país, e que, aliás, foram objeto de denúncia, ao tempo de sua prática, junto de organismos internacionais ligados à defesa dos Direitos Humanos por parte de conhecidos cidadãos e organizações de cabo-verdianos”, sustentou.

E apelou ao Governo e às forças políticas no parlamento para “reavaliarem, logo que possível, a possibilidade de adotar medidas legislativas que possam conferir um sentido mais genérico ao presente diploma, estendendo a sua abrangência a todo o território nacional e a um espaço temporal mais alargado”.