A compra de uma participação na Lusa suscita preocupações por parte dos partidos, tendo sido aprovada por “unanimidade” a audição da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e Autoridade da Concorrência (AdC) sobre a operação.
Tanto o PS como o PSD pediram a audição dos dois reguladores sobre o assunto, tendo sido aprovada na passada terça-feira “por unanimidade” na comissão parlamentar de Cultura e Comunicação, de acordo com a deputada socialista Rosário Gambôa.
Tanto o PS como o PSD tinham requerimentos iguais, mas o dos socialistas foi o primeiro a entrar, logo foi o único a ser votado.
O Bloco de Esquerda (BE) e o PCP questionaram o Governo sobre o negócio, enquanto o CDS-PP ainda não se pronunciou sobre o tema.
Entretanto, está agendada para 02 de fevereiro a audição regimental da ministra da Cultura, Graça Fonseca, na comissão de Cultura e Comunicação, de acordo com a agenda parlamentar.
Em causa está o anúncio, em 04 de janeiro, de que a Impresa celebrou um contrato-promessa com a Páginas Civilizadas (Grupo Bel), do empresário Marco Galinha, que é acionista da Global Media, para a venda de 22,35% na agência de notícias Lusa por 1,250 milhões de euros. A Global Media Group (GMG) é acionista da Lusa, com 23,36%.
Em declarações à Lusa, aquando da apresentação do requerimento, Rosário Gambôa tinha salientando que “a operação em causa suscita preocupações ao PS”.
Na altura, o grupo parlamentar do PS sublinhou que, “a realizar-se esta transação, o grupo Bel ficará detentor de 45,71% das ações da Lusa”, uma vez que já tem 23,36% através da GMG, “do qual tem o controlo exclusivo”.
O grupo parlamentar do PS entende que “a eventual reconfiguração do capital social pode ter impacto na governação da agência de notícias nacional, onde o Estado português tem uma participação de 50,14%, sendo certo que à Lusa corresponde e deve continuar a corresponder uma importante missão pública – um jornalismo independente, pluralista, isento e rigoroso”.
Além das entidades reguladoras, o PSD não exclui a possibilidade de “ouvir os próprios empresários”.
“Em função do resultado das audições não colocamos de parte ouvir os próprios empresários ou grupos empresariais sobre os seus planos para a comunicação social”, afirmou à Lusa o deputado social-democrata Paulo Rios de Oliveira, na passada segunda-feira.
Entretanto, o PCP já questionou o Governo, tal como o BE.
“Toda esta situação suscita preocupações profundas ao PCP pelo que pode significar para o caráter público da agência Lusa, nomeadamente pelo facto da participação da Impresa (22,35%) ser comprada por uma empresa que pertence ao Grupo Bel, detido pela mesma pessoa que é/será acionista relevante da Global Media, que já detém 23,36% da Lusa”, considerou a deputada comunista, quando questionada sobre o tema, na semana passada.
“Do que estamos a falar, na prática, é de ‘juntar poderes económicos’, considerando o elemento de ligação entre a empresa Páginas Civilizadas, Lda/Grupo Bel e a Global Media”, pelo que “podemos estar perante uma operação de concentração, mesmo que feita de forma ‘encapotada'”, prosseguiu.
O Partido Comunista “já confrontou o Governo com uma pergunta escrita”, com um conjunto de questões.
“No nosso entender, o Governo não se pode demitir de responsabilidades que tem na Lusa, enquanto acionista. Se o Governo tinha conhecimento desta operação, o seu silêncio, inação e cumplicidades são inaceitáveis; se o Governo não tinha conhecimento e foi apanhado de surpresa, então importa saber que medidas irão ser tomadas, desde logo de defesa do caráter público da agência Lusa, da garantia de condições para o cumprimento das suas funções, bem como a manutenção de todos os postos de trabalho e cumprimento dos direitos laborais”, referiu.
Em suma, “importa conhecer e esclarecer que papel teve o Governo em todo este processo e saber que ações pretende tomar de seguida, é neste sentido que questionámos o Governo”, rematou, recordando que o PCP tem defendido que o Estado deve reforçar a sua participação na Lusa, “num caminho em que esta passe a ser inteiramente detida pelo Estado”.
A preocupação relativamente à compra da participação por Marco Galinha também é acompanhada pelo BE, que também já enviou questões ao Governo.
“É com preocupação que vemos estas movimentações e perguntámos ao Governo se foi informado previamente das intenções do acionista privado Impresa, se considerou a possibilidade de recuperação pelo Estado” da participação que é detida pela dona da SIC e como vê “estas movimentações que podem afetar a agência de notícias no seu conjunto, na sua estratégia”, disse esta semana o deputado do Bloco Jorge Costa, destacando dois aspetos da operação.
Uma questão “é o facto de haver uma concentração inédita da parte privada da propriedade da agência Lusa nas mãos de um único grupo económico, o que só por si é motivo de preocupação na medida em que na pluralidade dos detentores privados de capital da Lusa – que sendo sempre minoritários – a opção política no passado foi a de os diversificar”, salientou.
“O segundo elemento é que parece haver sinais de que associada a esta intenção de compra pelo grupo Bel poderá estar um projeto de entrada da agência espanhola Efe no capital da portuguesa Lusa”, prosseguiu.
Tal “seria no mínimo estranho, sendo a Lusa um instrumento de soberania no sentido em que cumpre funções de agência de informação nacional, que é determinante no panorama informativo nacional”, como também fora do país, “nos países lusófonos, em particular”, destacou.
A Lusa contactou também o CDS-PP sobre o tema, mas até ao momento não obteve qualquer comentário.
A celebração do contrato definitivo para venda das ações da Lusa está sujeita “à finalização de uma auditoria contabilística e financeira e à não oposição à transação por parte da AdC (ou confirmação de que a notificação à AdC não é necessária)”, de acordo com o comunicado da dona da SIC.
Contactada pela Lusa sobre a venda da participação na agência de notícias, fonte oficial da tutela disse no início do mês que “o Ministério [da Cultura] está a acompanhar a operação”, escusando-se a fazer mais comentários sobre o assunto.
Além da Impresa e da GMG, a Lusa é detida em 50,14% pelo Estado português.
A NP – Notícias de Portugal detém 2,72% da Lusa, o Público 1,38%, a RTP 0,03%, O Primeiro de Janeiro 0,01% e a Empresa do Diário do Minho 0,01%.
Entretanto, em 07 de janeiro, a ERC esclareceu que a compra da Lusa pelo empresário Marco Galinha não configurava, “em princípio”, uma operação de concentração passível “de intervenção prévia” do regulador, mas garantiu que não deixará de avaliar o impacto da aquisição.
“Independentemente do atrás referido, a ERC não deixará de avaliar o impacto que essa aquisição possa ter na atividade da agência Lusa, designadamente ao nível do cumprimento das suas obrigações legais e do Contrato de Prestação de Serviços de Interesse Público celebrado com o Estado”, acrescentou, na altura, o regulador.
Em novembro, a AdC deu ‘luz verde’ ao Grupo Bel para ficar com o controlo exclusivo da Global Media Group (GMG), que detém o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, a TSF e outros meios de comunicação social.
O grupo Bel foi fundado em 2001 por Marco Galinha e tem atividades em vários setores, entre os quais máquinas de ‘vending’ (máquinas de venda automática) e aeronáutica. Entrou nos media em 2018, através do Jornal Económico.
O grupo detém também a empresa de sondagens Aximage.
ALU // EA
Lusa/Fim