Quase 10% das crianças que participaram num estudo sobre famílias em isolamento social revelaram índices de ansiedade acima do considerado funcional, sendo que pais ou cuidadores com mais ansiedade, stress ou depressão têm filhos mais ansiosos. A investigação foi desenvolvida por uma equipa do Instituto de Apoio à Criança (IAC) e procurou perceber “O que pensam e o que sentem as famílias em isolamento social” por causa da pandemia de Covid-19, tendo participado 807 famílias com filhos com idades entre os quatro e os 18 anos.

O estudo, cujo questionário foi elaborado entre abril e maio de 2020, partiu de uma preocupação do IAC e do “número crescente de apelos” feitos através da Linha SOS-Criança — o número de telefonemas passou de 131 em abril de 2019 para 218 em abril de 2020, o que representou um aumento de mais de 66% – para “perceber o impacto desta situação atípica nas famílias e, especialmente, nas crianças”.

Quando foram analisados os níveis de ansiedade, stress e depressão dos pais ou cuidadores e os níveis de ansiedade das crianças, a conclusão foi que, em média, os resultados estavam dentro dos valores normativos para a população portuguesa.

No entanto, constatou-se que num grupo de 112 pais havia níveis de ansiedade, stress ou depressão severos ou muito severos, enquanto “em relação às crianças foi possível constatar para 43 (9,8%) um nível de ansiedade acima do considerado funcional”.

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As investigadoras Fernanda Salvaterra e Mara Chora encontraram uma correlação positiva entre a ansiedade dos pais e dos filhos, tendo os resultados demonstrado que “pais mais ansiosos, deprimidos e stressados têm, também, filhos mais ansiosos”. Constataram igualmente que o stress dos pais demonstrou ser “tanto maior quanto mais pequenos forem os filhos e quanto maior for o número de crianças em casa”.

No que diz respeito à ansiedade sentida pelas crianças, estas manifestaram níveis mais elevados nas situações em que as rotinas familiares sofreram alterações e níveis mais baixos de ansiedade quando praticaram exercício físico, podendo esta ser considerada uma estratégia adaptativa”, lê-se no estudo.

Por outro lado, as investigadoras verificaram que o modo como os pais percecionaram a forma como os filhos se sentiram durante a pandemia não coincide com os sentimentos que as crianças disseram sentir, tendo ficado demonstrado que a saúde dos avós, dos pais, dos familiares, dos amigos, a sua própria saúde os preocupou mais do que os pais perceberam. Também se sentiram mais amedrontadas, mais tristes, mais inseguras e com mais dificuldades em dormir do que os pais constataram.

Por exemplo, quase 54% das crianças afirmou estar preocupada com a saúde dos avós, mas só 30% dos pais se aperceberam dessa preocupação. Noutro caso, 16,2% das crianças disse sentir-se amedrontada, mas só 6,3% dos pais constataram isso.

“Isto poderá significar que as crianças não manifestam as suas preocupações, transmitindo uma aparente serenidade face à situação que estão presentemente a viver ou que os pais as desvalorizam”, escrevem.

No que diz respeito a estratégias utilizadas pelos pais para ajudar a criança a lidar com a situação, destacam-se o esclarecimento das notícias consoante a idade (64,3%) e ouvir as suas preocupações e medos (62,3%), tendo havido 166 famílias que sentiram necessidade de demonstrar mais afeto do que o habitual e outras 179 que optaram por limitar o acesso das crianças às notícias.

Para a maior parte dos pais (83,1%), o isolamento teve como lado bom o facto de terem passado mais tempo com os filhos, algo também valorizado por 79,6% das crianças que, como aspeto negativo apontaram, em 89,5% dos casos, o facto de não poderem estar com os amigos.