O investigador do Centro de Estudos Africanos da Universidade de Oxford, Rui Santos Verde, ex-vice-reitor da antiga Universidade Independente (1993-2007), em Lisboa, considerou esta segunda-feira que há uma “revolução latente” em Angola, que poderá ser controlada até às eleições, mas que no período pós-eleitoral é “um perigo”.
Para o professor, que é também investigador não residente na Universidade de Joanesburgo e professor convidado do Institute of Indian Management-Research, a posição do Presidente da República de Angola, João Lourenço, neste momento, é comparável à de um Marcelo Caetano, no final do período de ditadura em Portugal, ou mesmo de Mikhail Gorbatchov, quando levou a cabo as reformas que levaram ao fim o regime da União Soviética, conduzindo ao seu desmembramento.
Porque João Lourenço “está a tentar reformar o sistema por dentro, e essa é a pior reforma”, considerou.
Muitas vezes é mais fácil fazer uma revolução, mandam-se os que lá estão, vêm os novos e não há cumplicidades com o passado”, afirmou o professor, que é também jurista do MakaAngola, organização ligada à defesa da democracia, contra a corrupção, à qual está também ligado o antigo jornalista e conhecido ativista angolano Rafael Marques.
Para o investigador Rui Verde, João Lourenço “está a tentar reformar por dentro, e é sempre difícil, sobretudo quando se inicia a abertura, porque a abertura vira-se contra quem abre, como aconteceu com o Marcelo Caetano, como aconteceu com o Gorbachov”, sublinhou.
Segundo o académico, o processo de abertura já se virou contra João Lourenço. “Como vai gerir isso nos próximos tempos é que é curioso”, referiu.
Para já, o doutorado em Direito e em Ciências Humanas, considerou que o atual chefe de Estado de Angola “está a tentar evitar a revolução, que está latente. Basta andar nas ruas de Luanda, basta sentir o que o povo diz e está latente”. Uma população insatisfeita, que tem limite que pode ir até ao pós-eleições.
Rui Verde acredita que o problema maior para João Lourenço “não vai residir tanto na eleição – o MPLA está habituado a ganhar eleições – o problema residirá possivelmente no pós-eleição, isto é, se as pessoas vão aceitar ou não o resultado” eleitoral. “Aí será o momento mais chave ou perigoso”, frisou.
Apesar disto, para o investigador não faz qualquer sentido que João Lourenço não se recandidate. “Até porque só agora começou o trabalho”. “Isto de desmantelar e reestruturar os últimos anos, pelo menos desde 2002, é um trabalho que demora pelo menos dez anos”, frisou.
A questão é se a sua vitória é aceite a nível interno e externo. Porque, para o académico e também autor de livros, os resultados das próximas eleições em Angola “vão ter de ser legitimadas internamente e externamente”.
O antecessor de João Lourenço na Presidência de Angola, José Eduardo dos Santos seguiu uma política de “não se interessar muito com o que dizia o exterior. Se os americanos não se interessavam por o que ele fazia, ia ter com os chineses, se estes não gostavam ia ter com os russos”, considerou.
Agora, João Lourenço, pelo contrário, “procurou criar novas redes, pediu adesão do país à Commonwelth [Comunidade das Nações], faz parte da Francophonie [Organização Internacional da Francophonie], como observador, portanto está a querer dar mais atenção ao que o mundo exterior diz”.
Mas, a grande expectativa em relação ao Presidente, “sobretudo em 2018, quando João Lourenço começou com as grandes demissões, e que levou a que a população se tivesse entusiasmado”, veio-se perdendo. “Tenho impressão que mesmo sem comida a galvanização era grande. Depois o balão furou e foi perdendo ar”, afirmou aquele responsável que é ainda diretor de investigação do CEDESA, grupo de académicos que estuda assuntos económicos e políticos da África Austral, nomeadamente de Angola.
Parte do descontentamento deve-se à política económica que foi seguida em Angola nos últimos anos, a do FMI (Fundo Monetário Internacional), baseada no consenso de Washington.
“Essas políticas, são, como sabemos contracionistas, isto é, acentuam as recessões, porque tem de se subir os impostos, diminuir a despesa (..). Portanto ele [João Lourenço] apertou o cinto e apertou bastante”, afirmou Rui Verde.
Agora, é habitual que nas épocas pré-eleitorais “o cinto comece a desapertar. Portanto o que espero (…) que ele comece a desapertar o cinto e a dar alguma folga à população”, referiu.
Na opinião do investigador, apesar das limitações e dos problemas económicos que Angola atravessa, o Presidente ainda tem folga orçamental para dar alguma confiança à população no ano e meio que lhe resta até às eleições.
“Há folga orçamental para isso”, afirmou, porque a dívida foi “razoavelmente bem negociada” com a China, “a base tributária angolana foi efetivamente alargada e ainda há o dinheiro do fundo soberano, que está a ser utilizado no PIM, uma espécie de plano de investimento municipal, que tem sido gerido um bocado atabalhoadamente, mas acredito que vai ser gerido com mais atenção”.
Portanto, defendeu, “há folga orçamental para neste ano e meio João Lourenço poder dar um empurrão para a população ficar minimamente confiante”.
Por outro lado, “é muito provável” que o famoso plano de combate à corrupção possa ser acelerado, para que se apresentem resultados.
“Há processos a chegar ao fim e outros que terão de começar, como os mais importantes, ligados ao Manuel Vicente, ao Copelipa [General e antigo responsável pelos Serviços Secretos de Angola], Dino [outro General] que têm de ter um desenlace. Não podem estar em banho Maria o tempo inteiro. Portanto, é possível que a parte do combate à corrupção tenha uma forte aceleração”, afirmou.
Até porque dos processos de corrupção que avançaram nos últimos tempos em Angola, e foram muitos, só há até hoje uma pessoa presa, concluiu Rui Santos Verde.