Nestes tempos em que tudo o que tenha a ver, mesmo que tangencial ou remotamente, com o Sul derrotado na Guerra Civil americana, é objeto da mais primária e histérica execração nos EUA, é insólito termos um filme cujo herói combateu pelos confederados. Em “Notícias do Mundo”, de Paul Greengrass (“Voo 93”, “Capitão Phillips”), para ver na Netflix, Tom Hanks interpreta o capitão Kidd, um antigo oficial texano do exército do general Lee, que logo a seguir ao conflito ganha a vida andando de cidade em cidade a ler as notícias dos jornais às pessoas, a 10 cêntimos por cabeça. (Claro que depois se verá que ele é o “bom” sulista da história, sendo os restantes essencialmente racistas, intolerantes, assassinos e boçais. Não prevejo grande popularidade para a fita no Texas).
[Veja o “trailer” de “Notícias do Mundo”:]
Numa das suas viagens, Kidd recolhe Johanna (Helena Zengel), uma menina de 10 anos cujos pais, colonos imigrantes alemães, foram massacrados pelos índios Kiowa. Estes pouparam-na, levaram-na para a tribo e criaram-na. Seis anos depois, Johanna só fala Kiowa e uns resquícios de alemão e perdeu todo o contacto com o mundo de origem, até a sua tribo ser por sua vez arrasada por soldados brancos. Kidd tenta entregá-la ao agente índio mais próximo, para que a remeta aos tios, instalados perto de San Antonio. Mas o agente está fora por três meses, o exército não se responsabiliza por Johanna e o capitão decide levá-la ele mesmo.
[Veja uma entrevista com Tom Hanks:]
O tema da criança raptada pelos índios e que, depois de resgatada anos mais tarde, fica a pairar, deslocada, entre dois mundos, aquele em que nasceu e de que foi arrancada, e aquele em que cresceu, não é novo no “western” e teve a sua maior, mais profunda e arrebatadora expressão em termos dramáticos em “A Desaparecida”, de John Ford. Paul Greengrass, que aqui se apoia num romance da autoria de Paulette Jiles, não consegue fazer nada por aí além com ele, em termos de textura narrativa, envolvência emocional, rasgo cinematográfico ou mesmo simples entusiasmo pelo género. Pelo contrário. Para um “western”, este “Notícias do Mundo” é muito arrastado, tépido e sorumbático.
[Veja uma entrevista com o realizador Paul Greengrass:]
Tirando uma sequência em que Kidd e Johanna são perseguidos por três malfeitores, que depois de não terem conseguido comprar a criança ao capitão, vou procurar matá-lo e raptá-la, a ação tem falta de comparência no filme. E as restantes situações com que o argumento pretende, a pouco e pouco, criar laços entre o solitário e macambúzio Kidd e a desamparada e vulnerável Johanna, e fazê-los perceber que precisam um do outro, não possuem a intensidade nem a urgência daquela, em que o facto de terem de lutar e de matar pelas suas vidas aproxima a menina e o seu protetor. Cabe à fotografia de Dariusz Wolski e à banda sonora de James Newton Howard, transportarem alguma da vibração, das atmosferas e das sensações visuais e sonoras do “western” tradicional.
[Veja uma entrevista com Helena Zengel:]
O capitão Kidd de Tom Hanks é mais uma variante da figura do americano modelar e intrinsecamente decente que o ator estabeleceu como sua, e usa de filme para filme, independentemente do tempo ou do espaço em que se passem. Enquanto que a jovem atriz germânica Helena Zengel, parca com o verbo mas dizendo muito com os olhos, faz uma Johanna que, com o seu ar de bonequinha de porcelana de cara suja e roupa esfiapada, pode ser seráfica e comovente, mas também corajosa e bravia. É vê-la entoar com orgulho uma melodia guerreira, enquanto pinta com as mãos, no dorso do cavalo de Kidd, os símbolos índios para os três homens mortos pelo capitão. A única boa novidade de “Notícias do Mundo”, é ela.
“Notícias do Mundo” estreia esta quarta-feira, 10 de fevereiro, na Netflix