O Governo pondera recorrer a 2,7 mil milhões de euros em empréstimos europeus dos fundos pós-crise da Covid-19 para investimentos em habitação acessível, capitalização de empresas e transportes, segundo o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) divulgado esta terça-feira. Numa publicação no Twitter, o primeiro-ministro diz que este plano é “a vitamina” que vai “ajudar” o país “a sair da crise (…) mais resiliente, verde e digital”.

Depois de um rascunho apresentado à Comissão Europeia em outubro passado e de um processo de conversações com Bruxelas, o Governo português colocou agora a versão preliminar e resumida do PRR em consulta pública, no qual assume o objetivo de aceder a 2,7 mil milhões de euros em empréstimos europeus, apesar de o primeiro-ministro, António Costa, ter vindo a afastar tal recurso por pretender recorrer “integralmente” às subvenções. 

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Plano de resiliência português com 36 reformas e 77 investimentos para 14 mil milhões de euros

Em setembro, o primeiro-ministro disse que Portugal “recorrerá integralmente” aos cerca de 15,3 mil milhões de euros em subvenções receberá do fundo de recuperação europeu, mas que não utilizará a fatia de empréstimos deste programa uma vez que a dívida pública já é alta. “Portugal tem uma dívida pública muito elevada e assume sair desta crise mais forte do ponto de vista social, mas também mais sólido do ponto de vista financeiro. Por isso, a opção que temos é recorreremos integralmente às subvenções e não utilizaremos a parte relativa aos empréstimos enquanto a situação financeira do país não o permitir”, afirmou então António Costa.

Agora, segundo fonte do executivo português, ainda não está garantido este recurso aos empréstimos europeus, dado que isso vai depender das condições de financiamento de Bruxelas sobre esta vertente do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o principal instrumento do novo Fundo de Recuperação da União Europeia.

Certo é que o Governo já o está a equacionar nesta versão preliminar, ao estipular desde logo empréstimos de 2,4 mil milhões de euros para as áreas da habitação e do investimento e ainda de 300 milhões de euros para a mobilidade sustentável, de acordo com o PRR.

A maior fatia refere-se ao Banco Português de Fomento, para o qual estão previstos 1,25 mil milhões de euros em empréstimos para a capitalização de empresas e resiliência financeira, indica o documento colocado em consulta pública.

“Os objetivos passam pelo financiamento direto a empresas com vista a restabelecer níveis de autonomia financeira, após os efeitos económicos da pandemia, fortemente adversos, terem agravado o problema estrutural de baixa capitalização do tecido empresarial português e ainda pelo financiamento por dívida ou instrumentos de quase-capital, em áreas de relevância estratégica”, explica o Governo no documento.

No que toca à área habitacional, estão a ser considerados 1,14 mil milhões de euros para o parque público de habitação a custos acessíveis (774 milhões de euros) e para o alojamento estudantil a custos acessíveis (375 milhões de euros).

A estas verbas acrescem 300 milhões de euros para o setor dos transportes, que, segundo fonte do executivo, se destinam à aquisição de material circulante ferroviário.

No primeiro esboço do PRR, entregue à Comissão Europeia em outubro passado, não era clara a intenção de aceder a empréstimos europeus, embora se referisse que poderia ser equacionado o recurso a esta vertente do Fundo de Recuperação europeu para realizar investimentos de 4,3 mil milhões de euros em habitação pública acessível, apoio às empresas e material circulante ferroviário.

5G não está no Plano por ser investimento dos privados

O arranque da cobertura das redes móveis de quinta geração (5G) não está contemplado no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) de Portugal para aceder a verbas comunitárias pós-crise da covid-19, por este ser um investimento das operadoras.

“A iniciativa relativa à cobertura 5G não é abrangida pelo PRR, uma vez que o investimento será realizado por atores privados”, indica o Governo na versão preliminar do documento, colocada em consulta pública.

Observando que “está a decorrer o procedimento de leilão e é expectável que termine no mês de março de 2021”, o executivo explica que, após a atribuição das frequências 5G, “inicia-se a fase de cumprimento das condições das mesmas, ou seja, a cobertura, de forma faseada, para todo o território nacional”.

E isso sim é mencionado no PRR, destacando o Governo o “especial enfoque na cobertura das zonas que os operadores de rede móveis tendencialmente não cobririam por menor interesse económico, como zonas de menor densidade populacional”.

Para isso, é estipulado o objetivo de Portugal “garantir que, até 2025, haja a cobertura 5G ininterrupta mais ampla possível para todas as áreas, incluindo áreas rurais e remotas”, sem contudo estarem especificadas verbas ou investimentos nesse sentido.

De acordo com o mais recente relatório do Observatório Europeu para o 5G, estrutura criada pela Comissão Europeia, em dezembro passado esta tecnologia estava já presente em 23 Estados-membros da UE, mais o Reino Unido. Da lista não constava, porém, Portugal nem Chipre, Lituânia e Malta.

A quinta geração de sistemas de telecomunicações móveis e sem fios permite ligações ultrarrápidas e a conexão de um elevado número de dispositivos.

Plano acima dos requisitos de Bruxelas para metas verde e digital

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português para aceder às verbas comunitárias pós-crise da covid-19 prevê que 47% das verbas tenham como fim a sustentabilidade ambiental, enquanto 38% visam a transformação digital, acima dos requisitos de Bruxelas.

Na versão preliminar e resumida do PRR que está agora em consulta pública, o Governo garante ter um documento “alinhado com os pilares relevantes da política” da União Europeia (UE).

Um desses pilares é o da transição ‘verde’, área sobre a qual “o PRR português cumpre o limiar de 37% do seu investimento global com afetação a objetivos de transição climática, atingindo os 47%”, destaca o executivo no documento, numa alusão à meta estabelecida pela Comissão Europeia.

Isto significa então que, do ‘bolo’ total de 13,9 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o principal instrumento do novo Fundo de Recuperação da União Europeia, Portugal prevê destinar 6,5 mil milhões de euros à transição climática.

A meta dos 37% para as questões ‘verdes’ foi um dos requisitos estabelecidos por Bruxelas para os planos nacionais de resiliência e recuperação dos Estados-membros, ao qual se junta a obrigação de dedicar pelo menos 20% das verbas à transformação digital.

Também relativamente à meta digital, “o PRR integra investimentos que ultrapassam o limiar de 20%, com o contributo direto de sete das 19 componentes”, assinala o Governo.

Assim, do total das subvenções alocadas a Portugal, cerca de 5,3 mil milhões de euros — ou seja, 38% do total — serão usados para a transição digital.

O executivo comunitário exige, ainda, que os países relacionem os seus planos nacionais com as recomendações que têm sido feitas no âmbito dos Semestre Europeu, incluindo em 2019.

Sobre esta questão, o Governo aponta que o PRR “promove intervenções de mudança estrutural, alinhadas com as conclusões sobre os obstáculos e desafios que Portugal enfrenta, referenciados nos documentos publicados no âmbito do Semestre Europeu”.

Isto porque, de acordo com o Governo, o plano nacional dá resposta a “quatro grandes áreas de preocupação” inscritas nas recomendações feitas por Bruxelas no âmbito do Semestre Europeu, como as necessidades de garantir resiliência financeira e institucional, de dinamizar o mercado de trabalho e melhorar competências, de fomentar o investimento público e privado e ainda de melhorar as condições de contexto para as empresas e os cidadãos.

A Comissão Europeia exige, ainda, que os países disponham de sistemas de controlo adequados destas verbas comunitárias.

E, relativamente a esta questão, Portugal criou um modelo de governação com três níveis de coordenação: nível coordenação política (Comissão Interministerial do PRR), nível de acompanhamento (Comissão Nacional de Acompanhamento) e ainda nível técnico e de gestão (estrutura de missão “Recuperar Portugal”).

Ao todo, o PRR agora apresentado, prevê 36 reformas e 77 investimentos nas áreas sociais, clima e digitalização, num total de 13,9 mil milhões de euros em subvenções.

Acresce a hipótese de recorrer a 2,7 mil milhões de euros em empréstimos europeus para investimentos em habitação acessível, capitalização de empresas e transportes.

Dotado com 672,5 mil milhões de euros em subvenções e empréstimos, o Mecanismo de Recuperação e Resiliência é o principal elemento do pacote de recuperação acordado em 2020 pela UE para fazer face à crise social e económica provocada pela pandemia de covid-19, o ‘NextGenerationEU’, com uma dotação total de 750 mil milhões de euros, entre subvenções e empréstimos.

Combinando o Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027, de 1,074 biliões de euros, e o Fundo de Recuperação de 750 mil milhões, a UE dispõe assim de uma ‘bazuca’ de 1,8 mil milhões de euros para fazer face à crise gerada pela covid-19, cabendo a Portugal cerca de 45 mil milhões – 30 mil milhões de euros do orçamento comunitário para os próximos sete anos, a que acrescem 15,3 mil milhões de euros em subvenções do Fundo de Recuperação -, havendo ainda a possibilidade de o país pedir empréstimos, se o desejar.