A Polícia Federal brasileira admite travar a saída de João Loureiro daquele país, assim como colocá-lo sob escuta se forem apurados elementos suficientes no âmbito do caso da meia tonelada de cocaína apreendida num jato privado em Salvador da Bahia — aparelho que iria transportar para Portugal o antigo presidente do Boavista. No âmbito da investigação, que visa outros elementos, está já a ser feito um trabalho conjunto com a Polícia Judiciária.
Ao Observador fonte oficial da Polícia Federal em Brasília explicou o porquê de não ter sido aplicada uma medida restritiva a João Loureiro na sexta-feira, como a impossibilidade de viajar para a Europa: “Medidas judiciais demandam requisitos legais que precisam ser demonstrados ao Poder Judiciário, não podendo haver restrição de direitos sem elementos que demonstrem tal necessidade ou prejuízo às apurações“.
Mas as autoridades não excluem que tais elementos possam ser conseguidos nas próximas horas ou dias. Recorde-se que como o Observador já havia noticiado na sexta-feira a investigação não descarta a ligação de Loureiro ao esquema da droga encontrada na fuselagem do Dassault Falcon 900, de matrícula CS-DTP, pertencente à empresa Omni. A operação policial aconteceu no passado dia 9 em Salvador da Bahia, após o piloto ter dado conta de problemas de estabilidade na viagem que começou em São Paulo — os técnicos aperceberam-se da droga e chamaram a polícia.
Após o piloto acusar a ocorrência de alerta de pane durante o voo para a capital baiana, mecânicos inspecionaram a aeronave e acabaram encontrando parte da droga, sendo acionada, imediatamente, a Polícia Federal. pic.twitter.com/HdUgDaBAf1
— Polícia Federal (@policiafederal) February 10, 2021
João Loureiro foi ouvido pela Polícia Federal da Bahia durante 4 horas, tendo saído em liberdade. Ainda assim, como o Observador noticiou no próprio dia, a Polícia Federal advertiu o antigo presidente do Boavista “a informar qualquer mudança de endereço”. Fonte oficial indicou na sexta-feira que as suspeitas não tinham desaparecido: “Apresentou a [sua] versão dos factos que será comparada com as demais provas do inquérito, se for confirmado o envolvimento dele fica descartado”.
Recorde-se que a investigação brasileira não descarta para já o envolvimento de nenhum dos cinco elementos que seguiam dentro do aparelho, João Loureiro, o espanhol Masur Heredia, e os três tripulantes — dois de nacionalidade portuguesa e um holandês.
Cooperação com a PJ está a ser feita pela “inteligência policial”
Questionada fonte da Coordenação-Geral de Polícia de Repressão a Drogas, Armas e Facções Criminosas, em Brasília, sobre se a solicitação dos dados bancários de João Loureiro à Polícia Judiciária noticiada pelo jornal i e confirmada pelo Observador não teria de acontecer no âmbito da cooperação internacional, nomeadamente por carta rogatória — um procedimento mais formal e demorado — foi explicado: “Informações entre instituições podem ser compartilhadas por meios de cooperação jurídica internacional ou por vias de inteligência policial. Em alguns casos, é necessária a expedição de carta rogatória. No caso, é utilizada a modalidade de compartilhamento adequada, legalmente, às necessidades da investigação“. Neste caso a informação terá então sido tratada por outros canais, como a da inteligência policial, dada a rapidez com que transitou da Bahia para Lisboa.
João Loureiro não está retido, mas Polícia Federal pediu que não saísse do Brasil
A Polícia Federal de Brasília preferiu não comentar a versão de João Loureiro de que foi ouvido a seu pedido — na sexta-feira, ao Observador, fonte daquela polícia em Salvador da Bahia já havia explicado que a versão de João Loureiro não correspondia: “Ele não está retido no Brasil, mas foi solicitado que aguardasse no Brasil”. A declaração fora feita horas antes de o ex-presidente do Boavista ter sido ouvido, tendo depois disso saído com a advertência de informar qualquer mudança de morada.
Mas esse não foi o único dado a apontar para o interesse da Polícia Federal em seguir todas as pistas que pudessem apontar no seu sentido. Durante a audição, o delegado responsável pela investigação pediu a João Loureiro para que fosse feita uma cópia dos dados do seu telemóvel, neste caso de fotografias e de mensagens. Pedido a que o filho de Valentim Loureiro acedeu.
Já quanto à apreensão do carro do outro passageiro, de nacionalidade espanhola, em Lisboa, junto ao aeródromo de Tires, diz a Polícia Federal, a mesma ainda não foi comunicada formalmente pelas congéneres portuguesas, até porque diz respeito a investigações que já estavam em curso em Portugal, o que não significa que o assunto não esteja a ser tratado por canais informais: “Não houve comunicação oficial de autoridades estrangeiras a respeito de apreensões relacionadas aos fatos apurados”.
Depois de ser ouvido durante várias horas, João Loureiro sai em liberdade e pode voltar a Portugal
Escutas e proibição de sair do país não estão excluídas para a polícia brasileira
Questionada esta segunda-feira sobre se a Polícia Federal, caso se provem incongruências, poderão vir a ser aplicadas medidas restritivas ao antigo presidente do Boavista até ele abandonar o país, por exemplo não permitindo tal saída, a Coordenação-Geral de Polícia de Repressão a Drogas, Armas e Facções Criminosas deixou clara a sua posição, ou seja, a de que não fecha a porta a tal cenário: “Caso os elementos apurados sejam suficientes para medidas cautelares com vistas a assegurar a aplicação da lei penal brasileira, medidas podem ser adotadas“.
O mesmo para a possibilidade de João Loureiro ser alvo de escutas telefónicas enquanto estiver em território brasileiro: “Caso os elementos apurados seja suficientes para medidas cautelares com vistas a assegurar a aplicação da lei penal brasileira, medidas podem ser adotadas caso sejam de interesse dos investigadores e atendidos os requisitos legais”.
Autoridades não abrem o jogo sobre as respostas de Loureiro na sexta-feira
Sobre o teor da audição de João Loureiro, a Polícia Federal de Brasília limitou-se esta segunda feira a dizer que as “investigações policiais, pela lei brasileira, são protegidas por sigilo, razão pela qual as perguntas sobre linhas investigativas e conteúdo do procedimentos (como oitivas, elementos colhidos etc.) não poderão ser respondidas sob pena de prejuízo às apurações”.
Ainda assim, o Observador sabe que, no auto de inquirição da Polícia Federal da Bahia, consta que João Loureiro reiterou na sexta-feira que tinha viajado para o Brasil para eventualmente auxiliar um grupo empresarial, garantindo nada saber sobre a droga escondida no avião. Além disso, o antigo presidente do Boavista frisou que só no dia 10 de fevereiro tomou conhecimento da apreensão de droga na aeronave — um dia após a operação. Nessa altura, disse, já teria regressado a São Paulo.
Informou que regressou para São Paulo, no turno da manhã do dia 09/02/2021″, revela fonte da Polícia Federal ao Observador.
Além de responder às questões, João Loureiro permitiu que as autoridades procedessem à cópia de dados do seu telemóvel, como fotografias e mensagens, com vista a apurar no decurso da investigação a veracidade da versão apresentada.
Segundo a lei brasileira, os responsáveis por transporte de carga ilícita desta natureza poderão responder pelos crimes de tráfico internacional de drogas e associação para o tráfico. A pena, em cúmulo jurídico, pode chegar a 25 anos de prisão.
Embaixada e consulado não receberam pedido de auxilio para repatriamento
Apesar de as ligações diretas entre Portugal e o Brasil estarem fechadas e de ser difícil atravessar o Atlântico, João Loureiro não fez qualquer pedido de auxílio ao consulado português em Salvador da Bahia nem à embaixada de Portugal no Brasil.
O consulado explicou inclusivamente ao Observador que o caso não está a ser acompanhado de perto pela diplomacia portuguesa: “Trata-se de um assunto acompanhado pela Polícia Federal. A investigação seguirá os seus trâmites internos”.
O que o antigo presidente do Boavista tem dito
O antigo presidente do Boavista garantiu na última quinta-feira à SIC ser completamente alheio à situação. E na sexta-feira, à Lusa, acrescentou que já tinha desistido de regressar a Portugal naquele avião antes sequer da apreensão, insistindo ser “alheio” à situação. “Ia regressar a Portugal nesse voo [onde foi apreendida a droga] junto com vários outros passageiros, mas já tinha desistido de o fazer” antes de o assunto ser espoletado, afirmou o jurista, numa mensagem escrita àquela agência. Defendeu ainda que, na altura da operação policia em Salvador, estava em São Paulo.
João Loureiro não referiu que terá sido por vontade das autoridades que permaneceu no Brasil, explicando, por seu turno, que fez questão de por “mote próprio” e antes de voltar para Lisboa falar com as autoridades brasileiras enquanto testemunha. E rematou ainda: “Acredito que talvez o tenha sido devido ao meu pedido para que houvesse uma inspeção rigorosa ao avião”. Este alegado pedido para que fosse feita uma inspeção será um dos detalhes que a investigação brasileira está a passar a pente fino.