O aumento da mobilidade nos últimos dias, num país em confinamento geral por causa da Covid-19, preocupa o Governo que vai usar este argumento para não dar já a conhecer o plano de desconfinamento. O Presidente da República fez pressão nesse sentido, nas reuniões com os partidos esta terça-feira, mas o primeiro-ministro resiste e guarda o jogo por mais quinze dias, para evitar precipitações apoiadas na evolução positiva dos indicadores da pandemia em Portugal. Por agora, o Governo ainda “está a trabalhar com os peritos sobre os critérios que permitirão o desconfinamento”, que será gradual, explica fonte do Executivo ao Observador. Quanto às medidas, vão ficar essencialmente como estão nesta renovação do estado de emergência que será definida esta quinta-feira.
A gestão de calendário por parte do Governo — e também do Presidente da República — tem apontado para um desconfinamento só depois da Páscoa, mas a incidência de novos casos recuou (no Infarmed falou-se no país como aquele que tem o menor índice de contágio da Europa neste momento) e com isso aumentou a pressão para que se comece a definir já o pós confinamento-geral, para dar previsibilidade às pessoas e também uma luz ao fundo do túnel. Marcelo Rebelo de Sousa deu sinal da sua impaciência nos encontros que manteve com os partidos para que haja planeamento, como noticiou o Observador, mas o entendimento no Governo é outro. “É prematuro discutir publicamente o tema. Primeiro porque não devemos criar falsas expectativas. Mas sobretudo porque pode dar um sinal errado de que o pior passou e o risco diminuiu”, argumenta ao Observador um elemento do Executivo.
No Governo teme-se que “o aumento da circulação deite tudo a perder” quando o país ainda está a recuperar de uma violenta terceira vaga da pandemia. E a ideia é definir as tais linhas vermelhas para o desconfinamento (e o confinamento) com os especialistas e torná-las públicas, bem como o plano para reabrir o país, só depois da próxima reunião no Infarmed, ou seja, dentro de quinze dias.
O que vem aí é um “desconfinamento que será gradual, tal como aconteceu em maio passado“, garante a mesma fonte. Em 2020, o primeiro confinamento terminou no início de maio, com o Governo a avançar no fim de abril com um plano de desconfinamento para ser aplicado em três fases: 4 de maio, 18 de maio e 1 de junho desse ano. Nas várias etapas foi abrindo a economia, aos poucos, com uma avaliação do impacto das novas medidas a cada 15 dias. É este o modelo que será seguido agora, depois de um confinamento geral que começou no final de janeiro, com o estado de emergência a ser renovado de forma consecutiva desde o início de novembro.
Escolas vão ser primeiras a desconfinar
No ano passado, a única coisa que não chegou a abrir com o fim do confinamento geral foi o ensino presencial dos primeiros ciclos (apenas o secundário voltou à escola e em condições específicas). Mas desta vez o ano letivo ainda está longe de acabar e o terceiro período começa precisamente depois da Páscoa (que acontece a 4 de abril), pelo que o Governo quer que as escolas marquem agora o início do processo de desconfinamento. Só não se sabe quando.
O Governo não quer que esta ideia de regresso à normalidade comece a levar a um baixar da guarda e a um relaxamento dos cuidados com a pandemia. E teme que um anúncio da data do regresso do ensino presencial prejudique a recuperação do país do impacto da terceira vaga, sobretudo quando o número de internamentos ainda se mantém a níveis elevados. Aliás, na última reunião no Infarmed, na segunda-feira, João Gouveia, da coordenação da resposta em medicina intensiva, foi o especialista citado pela ministra da Saúde à saída, que quis sublinhar que “o número de internamentos em UCI é 627 e esse é o número de camas que deveríamos ter para o acesso da atividade não-Covid”. O nível de alerta ainda está elevado.
Ainda assim, um grupo de “pais, professores, epidemiologistas, psiquiatras, pediatras e outros médicos, psicólogos, cientistas e profissionais de diferentes áreas” veio pedir ao Governo que “reabra rapidamente em moldes presenciais” as escolas. Numa carta aberta conhecida esta terça-feira — e assinada também por um dos peritos ouvidos pelo Governo neste último anos, Henrique de Barros — este grupo pede que no início de março seja retomado o ensino presencial no pré-escolar e no ensino básico, “gradualmente, a começar pelos 1º e 2º ciclos”.
Mas não é este o timing que está nos planos do Governo, embora o formato de uma reabertura gradual a começar pelos mais novos não seja excluída nesta altura. No entanto, o Executivo recusa tocar neste tema, preferindo olhar para os dados positivos com cautela. E ainda aguarda um entendimento — que não chegou na última reunião com os peritos — sobre os critérios para o desconfinamento.
O Governo ainda está a estudar as linhas vermelhas que o epidemiologista Manuel Carmo Gomes defendeu que deviam existir (para orientar desconfinamentos e confinamentos) na sua última participação nas reuniões no Infarmed. Mas esta segunda-feira à noite, depois de uma reunião em que os peritos mais não fizeram do que levantar vários dados e hipóteses para definir critérios, o secretário de Estado Adjunto da Saúde disse que já há um fio condutor. Em entrevista à RTP, António Lacerda Sales falou na importância do número de camas de enfermaria ocupadas com doentes Covid, que deve ser inferior a 1500, o número de camas em Unidades de Cuidados Intensivos, que deve ser inferior a 200, e, por fim, uma incidência cumulativa a 14 dias que deve ser de 60 casos, o que significa 400 a 428 casos por dia.
O governante acabou por fazer uma súmula de duas intervenções concretas de peritos que participaram na reunião do Infarmed, nomeadamente de João Gouveia e de Baltazar Nunes. Foi o primeiro, que interveio sobre o estado da medicina intensiva, que falou na necessidade de uma incidência reduzida (inferior a 480-240 novos casos por 100 mil habitantes em 14 dias) do vírus, um R (índice de transmissibilidade) inferior a 0,7, uma taxa de positividade inferior a 7-8%, testar o número suficiente de casos e não apenas os de alto risco, inquéritos epidemiológicos feitos atempadamente (com atrasos inferior a 30%), internamentos abaixo dos 1.500, vacinação a “excelente ritmo” e vigilância epidemiológica das novas variantes.
Já o segundo, Baltazar Nunes, deixou projeções para o próximo mês, num cenário de manutenção das medidas atualmente em vigor, apontando o final de março como o momento de maior alívio ao nível dos internamentos. O especialista antevê que na primeira quinzena de março o país esteja abaixo dos 120 casos por 100 mil habitantes e na última quinzena dos 60 casos por 100 mil habitantes. Já quanto a internamentos em UCI, só a meio de março se prevê que o país atinja cerca de 320 camas ocupadas em UCI e apenas no final de março chegará ao valor de 200 camas.
O que o secretário de Estado acabou por semi-oficializar é que o desconfinamento só acontecerá mesmo depois do final de março. Agora, o tempo ainda continua a ser de confinar.