A série “The Crown” e os filmes “Nomadland – Sobreviver na América”, “Borat, o Filme Seguinte…” e “Soul – Uma Aventura com Alma” foram os grandes vencedores da edição deste ano dos Globos de Ouro — um dos mais importantes prémios da indústria de cinema de Hollywood (que é ainda celebrada nos Óscares) e da indústria televisiva dos Estados Unidos da América (que é também premiada nos Emmys).

No campeonato televisivo, a mais recente temporada da série “The Crown”, sobre a Família Real britânica, era a mais nomeada — com seis nomeações, mais duas do que “Ozark”, “Schitt’s Creek” e “The Undoing” — e confirmou o favoritismo: levou para casa quatro Globos de Ouro e venceu a importante categoria “Melhor Série de Drama”, para a qual estavam também nomeadas “Lovecraft Country”, The Mandalorian”, “Ozark” e “Ratched”.

As séries “Schitt’s Creek” e “Gambito de Dama” conquistaram por sua vez dois Globos de Ouro cada uma — ao contrário de “Ozark” e “The Undoing”, que apesar de quatro nomeações cada terminaram a noite sem qualquer prémio.

Já no cinema, os Globos de Ouro dividiram-se numericamente entre “Nomadland – Sobreviver na América”, “Borat, o Filme Seguinte…” e “Soul – Uma Aventura com Alma”. Cada um dos três filmes conquistou dois Globos de Ouro, mas “Nomadland – Sobreviver na América” pode ser considerado o grande vencedor já que foi distinguido em duas das categorias mais importantes e desejadas: “Melhor Filme Dramático” e “Melhor Realizador”. Foi a segunda vez na história dos prémios que uma mulher, neste caso Chloé Zhao, venceu na categoria de Melhor Realizador. A primeira tinha sido há 37 anos e a vencedora tinha sido Barbra Streisand. E foi a primeira vez que uma mulher de origem asiática ganhou um Globo.

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O filme mais nomeado para esta edição dos Globos de Ouro, “Mank” (seis nomeações), terminou a noite sem qualquer distinção. E “Os 7 de Chicago”, longa-metragem de Aaron Sorkin que estava nomeada a cinco categorias, venceu apenas o prémio de “Melhor Argumento”.

A cerimónia de entrega dos Globos de Ouro teve duas apresentadoras, as atrizes, comediantes e escritoras Tina Fey e Amy Poehler. A dupla apresentou a cerimónia separadamente, com Tina Fey a conduzir parte da cerimónia na costa Este, a partir da sala de eventos Rainbow Room, em Nova Iorque, e Poehler a complementar a apresentação na costa Oeste, a partir do hotel Beverley Hilton, em Los Angeles. Os nomeados assistiam por videoconferência, aparecendo no ecrã aquando do anúncio do vencedor da sua categoria — que depois reagia ao prémio.

Esta edição dos Globos de Ouro foi assombrada por uma investigação jornalística que colocou em xeque a falta de representatividade da entidade que gere os prémios, a Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood, que tem 87 membros votantes mas nenhum dos quais negro. As motivações e transparência nos critérios de voto também foram questionadas, devido a suspeições sobre a forma como os seus membros se relacionam com diferentes produtoras e estúdios.

A polémica não passou despercebida a Jane Fonda, que foi homenageada nesta edição dos prémios com o The Cecil B. DeMille Award — uma distinção por contributos duradouros e inestimáveis à história das indústrias de entretenimento dos EUA.

Num dos discursos que marcou a noite (o outro foi a intervenção da viúva do ator Chadwick Boseman, que agradeceu o seu prémio póstumo depois da morte do ator no ano passado, vítima de cancro), Fonda apontou: “Histórias: elas podem realmente mudar as pessoas, podem mesmo. Mas há uma história que temos tido todos medo de ver e ouvir sobre nós nesta indústria. Uma história sobre que vozes respeitamos e elevamos e quais silenciamos. Uma história sobre a quem é oferecido um lugar à mesa e quem é deixado fora das salas onde as decisões são tomadas. (…) A arte tem estado sempre não a par e passo da história, mas a liderar o caminho. Portanto sejamos líderes, ok? Obrigado, muito obrigado”.

“Há uma história que temos tido todos medo de ver e ouvir”. Como Jane Fonda foi aos Globos e marcou a cerimónia

Kaluuya e Boyega: os primeiros vencedores e a “nobreza” de Fred Hampton

Os primeiros prémios a serem entregues foram nas categorias de melhor ator secundário em cinema e em televisão. Na primeira, o Globo de Ouro foi entregue a Daniel Kaluuya pela interpretação de Fred Hampton em “Judas and the Black Messiah”, um filme inspirado na história real de Hampton — um ativista que liderou a divisão do grupo Black Panthers em Illinois e que foi assassinado pelas autoridades em 1969. Tinha 21 anos. Na categoria de melhor ator secundário numa série televisiva, o prémio foi entregue a John Boyega pelo seu desempenho na série de telefilmes “Small Axe”, de Steve McQueen.

A partir de casa, Daniel Kaluuya tentava agradecer mas numa fase inicial os ecrãs mostravam-no a falar e o som não chegava, por problemas técnicos. Resolvido o problema, Kaluuya lá fez os agradecimentos da praxe — tal como o fez John Boyega, que acabou a emocionar-se numa transmissão em direto para os seus seguidores nas redes sociais. Kaluuya lembrou Fred Hampton, descrevendo o homem que interpretou no cinema como uma inspiração que o mundo deve conhecer:

Dei tudo. E não poderia tê-lo dado por um homem mais nobre. Espero que as gerações de ativistas consigam ver a forma brilhante como ele pensava, como falava e como amava. Ensinou-me sobre mim mesmo e fez-me crescer como homem. Agradeço-lhe com todo o meu coração. Há muita informação sobre como ele morreu mas espero que as pessoas consigam perceber e aprender mais sobre a forma incrível como viveu”.

“Soul” vence “Melhor Filme de Animação”

Seguiu-se a entrega do prémio do Globo de Ouro para Melhor Atriz TV: Comédia ou Musical, vencido por Catherine O’Hara pela sua interpretação na série de humor “Schitt’s Creek”. Na categoria de Melhor Filme de Animação, o Globo de Ouro foi para “Soul – Uma Aventura com Alma”, que foi assim distinguido numa lista de nomeados que incluía ainda “Os Croods: Uma Nova Era”, “Bora Lá”, “Para Além da Lua” e “Wolfwalkers”.

No discurso de agradecimento, Pete Docter, um dos realizadores de “Soul – Uma Aventura com Alma”, afirmou que não imaginava ao fazer “um filme sobre jazz” que este género musical “nos ensinaria tanto sobre a vida”. Explicou o que queria dizer assim: “Não podemos controlar sempre o que acontece no mundo, mas como um bom músico de jazz podemos tentar transformar isso em algo muito bonito”. Já o outro realizador do filme, Kemp Powers, afirmou: “Poder contar uma história universal que explora o sentido da vida através da experiência de uma pessoa negra foi uma honra especial”.

Mark Ruffalo, ator que é um dos segredos do sucesso da série “I Know This Much Is True”, superou uma concorrência de peso (Bryan Cranston, Jeff Daniels, Hugh Grant e Ethan Hawke) para levar para casa o Globo de Ouro de “Melhor Ator: Minissérie ou telefilme“. E fez um discurso de agradecimento ambientalista, apontando: “Temos uma mãe a morrer, tal como a mãe da nossa história [da série]. É a Mãe Terra. Sejamos corajosos juntos. Viremos a página do cruel passado desta nação”.

Sorkin vence Melhor Argumento, fala de democracia e lembra invasão ao Capitólio

Na categoria de “Melhor Argumento” de um filme, a vitória foi de um favorito: Aaron Sorkin, que gizou a narrativa de “Os 7 de Chicago”, foi distinguido num leque de nomeados que incluía Emerald Fennell (autor do guião de “Uma Miúda com Potencial”), Jack Fincher (“Mank”), Cristopher Hampton e Florian Zeller (“O Pai”) e Chloé Zhao (“Nomadland – Sobreviver na América”). Foi a única vitória do filme, que tivera cinco nomeações, durante a noite.

Na sua primeira e única intervenção ao longo da noite, Sorkin agradeceu o prémio dizendo que é “muito simpático” mas que “não pode superar a honra de estar de estar nomeado ao lado de quatro guiões fenomenais”. Dirigiu-se depois com humor a Emerald Fennell, Chloé Zhao e Regina King, três realizadoras: “Vocês são a razão pela qual a minha filha adolescente quer ser realizadora. E nunca vos perdoarei por isso”.

Aaron Sarkin deixou ainda elogios à Netflix, que exibe o seu “Os 7 de Chicago” e que “juntou-nos a uma equipa de pessoas muito talentosas que adoram filmes”. E falou sobre o filme que tem Sacha Baron Cohen a interpretar o papel do ativista hippie Abbie Hoffman, exultando a democracia e recordando a invasão ao Capitólio por apoiantes de Donald Trump:

Quando filmávamos, sempre que regressava ao meu quarto de hotel tinha  um e-mail do Sacha com uma frase do Abbie Hoffman. Nenhuma delas entrou no filme, mas guardei os e-mails. Não concordo sempre com tudo o que as personagens que escrevo fazem ou dizem, mas aqui está algo que o Abbie disse: a democracia não é algo em que acreditas ou um sítio para colocares o chapéu, mas sim algo que fazes, de que participas. Se parares de o fazer, a democracia desmorona-se. Não precisa de mais provas do que o que aconteceu no dia 6 de janeiro [invasão ao Capitólio] para concordar com isto”.

Seria o começo de uma noite vitoriosa, recheada de Globos de Ouro, para o filme de Aaron Sorkin sobre o polémico e histórico julgamento de ativistas e hippies que se opunham à Guerra do Vietname, acusados de conspiração e de tentativa de organização de motins violentos na Convenção Nacional do Partido Democrata em Chicago, em 1968? Era possível, porque “Os 7 de Chicago” — com cinco nomeações — era o segundo filme mais nomeado nesta edição dos Globos de Ouro, só superado por “Mank”, de David Fincher (que tinha seis). Mas nenhum dos dois teve uma noite recheada de prémios.

Um Globo para Emma Corrin, a Princesa Diana de “The Crown”

Na categoria “Melhor Atriz Drama”, Emma Corrin foi a vencedora do Globo de Ouro pela forma como interpretou a personagem da Princesa Diana na série “The Crown”, a mais nomeada desta edição dos prémios. Corrin superou a concorrência, que incluía outra atriz do elenco da série (Olivia Colman), Jodie Comer (“Killing Eve”), Laura Linney (“Ozark”) e Sarah Paulson (“Ratched”).

No seu breve discurso de vitória, além de um “whaaaaat” exclamado com entusiasmo, Emma Corrin fez os agradecimentos habituais e dedicou algumas palavras à mulher que retrata em “The Crown”, a Princesa Diana:

Muito obrigado, ensinaste-me sobre compaixão e empatia muito para lá do que poderia imaginar. Em nome de todos os que se lembram de ti tão apaixonadamente, obrigado”.

Música e comédia, Laura Pausini, “Soul” e Schitt’s Creek

A cerimónia entrou então no campeonato musical e na categoria “Melhor Canção Original” de um filme a vencedora foi “Lo Si (Seen)”, composta e interpretada por Laura Pausini para o filme “Uma Vida à Sua Frente”. Foram preteridas “Fight For You”, de H.E.R. (“Judas and the Black Messiah”) — uma forte candidata —, “Hear My Voice” de Celeste (“Os 7 de Chicago”), “Speak Now” de Leslie Odom Jr. (“One Night In Miami”) e “Tigress & Tweed” de Andra Day (“United States vs Billie Holiday”). Já “Soul – Uma Aventura com Alma” conseguiu um bis vencendo o Globo de Ouro para Melhor Banda Sonora, feita por Jon Batiste, Atticus Ross e Trent Reznor.

O ator Jason Sudeikis venceu o Globo de Ouro para “Melhor Ator numa Série de Comédia”, pela sua interpretação em “Ted Lasso” — já depois do ator que apresentou o prémio, Sterling K Brown, ter feito uma piada dizendo: “It’s great to be black, sorry back, at the Golden Globes”. Mas na categoria “Melhor Série de Comédia” o prémio foi para “Schitt’s Creek”, que arrebatara a última edição dos Grammys nas categorias de humor e que aqui superou “Emily in Paris”, “The Flight Attendant”, “The Great” e “Ted Lasso”.

O discurso de agradecimento do ator Jason Sudeikis (“Ted Lasso”) foi um dos momentos mais caricatos da noite, não só pela indumentária desportiva e casual com que assistiu à cerimónia — utilizando um casaco hoodie — como pelo tom desolador que motivou piadas de espectadores:

Rosamund Pike arrecadou o Globo, o Príncipe Carlos de “The Crown” também

Numa das categorias que tinha duas favoritas à vitória, a de Melhor Atriz de um filme de comédia ou um musical, o Globo pendeu para Rosamund Pike: a atriz que protagoniza “Tudo Pelo Vosso Bem”, filme de J Blakeson que tem como título original “I Care a Lot”, foi a escolhida numa lista que tinha ainda a candidata Maria Bakalova — revelação em “Borat, o Filme Seguinte…” — e as atrizes Kate Hudson (“Music”), Michelle Pfeiffer (“French Exit”) e Anya Taylor-Joy (“Emma”).

Reagindo ao prémio, a atriz começou por dirigir-se às restantes nomeadas — “Ladies, I salute you” —, agradeceu aos votantes por reconhecerem “suponho que o lado negro da comédia” e prosseguiu: “Às restantes colegas nomeadas, estou tão honrada por estar aqui convosco”. A Bakalova deixou uma palavra especial:

No meu filme tive de nadar de um carro a afundar-se para poder vir à superfície mas acho que ainda assim prefiro fazer isso a estar numa sala com o Rudy Giuliani [o que aconteceu a Bakalova, no novo filme da saga Borat]. Maria, saúdo o teu brilhantismo e a tua coragem”.

A felicidade de Rosamund Pike não foi muito maior do que a de Josh O’Connor, que pelo seu Príncipe Carlos de “The Crown” foi distinguido com o Globo de Ouro de “Melhor Ator TV: Drama” — superando pesos pesados como Bob Odenkirk, o carismático Saul Goodman de “Better Call Saul”, Al Pacino (“Hunters”), Jason Bateman (muito elogiado pelo desempenho em “Ozark”) e Matthew Rhys (“Perry Mason”).

Vincando estar “surpreendido”, o ator fez a sua lista de agradecimentos incluindo “todos os que fazem de The Crown aquilo que é”. Josh O’Connor dirigiu-se ainda a Emma Corrin, que já havia sido distinguida com um Globo de Ouro, dizendo-lhe: “És extraordinária, talentosa, divertida e uma brilhante jogadora de pedra-papel-tesoura”. Aos restantes nomeados, disse: “Vocês são os meus heróis”. E rematou:

Finalmente, só queria dizer uma pequena coisa: tenho muita sorte por poder trabalhar neste período. Há tantas pessoas que não têm possibilidade de trabalhar, que estão sozinhas e isoladas. Espero que todos nós coletivamente possamos colocar a saúde mental como assunto predominante nas nossas cabeças. Muito obrigado.”

Os imigrantes de Minari: “É uma família que está a aprender uma linguagem sua”

Na categoria “Melhor Filme em Língua Estrangeira”, o vencedor foi “Minari” — que é um filme americano mas falado maioritariamente em coreano, por narrar a história de uma família de emigrantes coreanos que decidem construir uma quinta no estado norte-americano do Arkansas.

Os Globos de Ouro distinguem filmes falados em língua estrangeira (mais de metade dos diálogos têm de ser num idioma que não a língua inglesa) e não filmes estrangeiros, pelo que esta longa-metragem foi considerada elegível e acabou por vencer — superando o dinamarquês “Druk”, o filme “A Maldição da Mulher Que Chora” (uma co-produção francesa e guatemala), o italiano “Uma Vida à Sua Frente” e o franco-americano “Deux”.

Reagindo à vitória com a filha abraçada a si e sem o largar, o realizador Lee Isac Chung — um norte-americano de ascendência asiática — agradeceu àqueles que colaboraram consigo no filme, nomeando-os, e falou sobre a filha: “Esta aqui… é a razão pela qual fiz este filme”.

Só queria dizer que Minari é sobre uma família, uma família que está a tentar aprender uma linguagem sua. É algo mais profundo do que qualquer idioma americano ou qualquer outro idioma; trata-se do idioma do coração. Estou a tentar aprendê-lo eu mesmo e transmiti-lo. Espero que consigamos aprender todos a falar esta linguagem, especialmente este ano. Obrigado a todos”.

Gillian Anderson vence Globo pela sua Margaret Thatcher

Se Daniel Kaluuya vencera o Globo de Ouro para Melhor Ator Secundário de um filme pela sua interpretação em “Judas and the Black Messiah”, na categoria feminina de Melhor Atriz Secundária havia cinco candidatas: Olivia Colman (“O Pai”), Glenn Close (“Lamento de uma América em ruínas”), Jodie Foster (“O Mauritano”), Amanda Seyfried (“Mank”) e Helena Zengel (“Notícias do Mundo”).

O favoritismo estava dividido — havia quem o apontasse a Olivia Colman, quem o apontasse a Glenn Close, até quem achasse que Amanda Seyfried tinha algumas hipóteses — mas a escolha da vencedora acabou por ser inesperada: Jodie Foster, atriz premiada e com longo currículo mas que não parecia favorita nesta edição dos Globos de Ouro. A própria não escondeu a surpresa:

Oh meu Deus, estão a brincar comigo? Acho que cometeram um erro. Estou um pouco sem palavras, nunca esperei estar aqui [a reagir a um prémio destes] novamente”, confessou Jodie Foster.

Menos surpreendente foi a escolha para vencedora da categoria de Melhor Atriz Secundária de uma série, que tinha duas atrizes de The Crown entre as nomeadas. Helena Bonham Carter, porém, já estaria à espera do desfecho: foi a favorita Gillian Anderson a vencer.

Mesmo que a forma como Margaret Thatcher é retratada na série tenha merecido muitos reparos de analistas políticos e historiadores, a interpretação de Gillian Anderson assenta como uma luva no papel que lhe foi dado e a atriz levou o Globo para casa.

Nas categorias dedicadas a interpretações femininas, foi ainda premiada Anya Taylor-Joy pela sua interpretação na popular minisérie “Gambito de Dama”, que lhe valeu a distinção de “Melhor Atriz numa Minissérie, Série Antológica ou Telefilme“.

Além da lista de agradecimentos habituais aos colaboradores, a atriz que interpreta Beth Harmon em “Gambito de Dama” disse: “Faria este projeto outra vez e outra e outra ainda… Estou tão grata. E obrigado aos espectadores que o viram e que apoiaram as personagens”.

“Gambito de Dama” bisa e supera “Small Axe”

“Small Axe”, de Steve McQueen — uma espécie de série composta por vários telefilmes que se interligavam — teve o respaldo e elogio da crítica, mas na hora de escolher o vencedor da categoria “Melhor Minissérie, Série Antológica ou Telefilme”, os membros da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood optaram pela popularidade de “Gambito de Dama”, um fenómeno de audiências da Netflix.

A emoção da viúva de Chadwick Boseman, depois do Globo póstumo

Era um dos desfechos mais previsíveis da noite: o prémio de Melhor Ator de um Filme Dramático foi para Chadwick Boseman. O ator e dramaturgo norte-americano venceu o Globo de Ouro pelo seu papel em “Ma Rainey: A Mãe do Blues”, mas o prémio foi dado postumamente dado que Boseman morreu em agosto do ano passado com apenas 43 anos, vítima de um cancro do cólon.

Emocionada, a viúva do ator, Taylor Simone Ledward, lamentou não poder fazer mais do que imaginar o que o marido teria dito no discurso de agradecimento e a quem teria agradecido. De uma coisa estava certa: “Ele teria dito algo lindo, algo inspirador”.

Chloé Zhao vence “Melhor Realizador”. É a segunda mulher a conseguir

Até esta edição, nunca os Globos de Ouro tinham na lista de nomeados a “Melhor Realizador” mais do que uma mulher. Este ano, estavam nomeadas três cineastas — Emerald Fennell (“Uma Miúda com Potencial”), Regina King (“One Night In Miami”) e Chloé Zhao (“Nomadland – Sobreviver na América”) — que tinham a concorrência de dois homens, David Fincher (“Mank”) e Aaron Sorkin (“Os 7 de Chicago”).

A realizadora e argumentista Chloé Zhao, que perdera a categoria de Melhor Argumento para Sorkin, foi a vencedora e tornou-se a segunda mulher a vencer este Globos de Ouro. A primeira tinha sido Barbra Streisand, há 37 anos.

Obrigado aos meus colegas nomeados, obrigado por fazerem filmes muito bonitos. Este prémio é de toda a equipa ‘Nomad’. (…) Quero agradecer ao meu parceiro Josh e à minha família por me manterem lúcida todos estes anos. E quero agradecer especialmente aos nómadas que partilharam as suas histórias connosco. Pedi a um deles para me ajudar e isto foi o que ele disse sobre a compaixão: a compaixão é a erosão de todas as barreiras entre nós, uma ligação coração a coração em que a tua dor é a minha dor. (…) É por isto que me apaixonei por fazer filmes e contar histórias: dá-nos a chance de chorarmos juntos, aprendermos uns com os outros e termos mais compaixão pelos outros”.

Borat vezes dois, com um Globo para Sacha Baron Cohen

Na categoria “Melhor Filme: Musical ou Comédia”, o novo capítulo da saga Borat foi o vencedor. O humorista, apresentador e escritor que interpreta a personagem, Sacha Baron Cohen venceu também individualmente a categoria “Melhor Ator: Musical ou Comédia”.

Baron Cohen começou assim o seu discurso, com a sua mulher, Isla Fisher, mesmo ao lado: “Obrigado à inteiramente branca Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood”. Prosseguindo, parecia elogiar a atriz Maria Bakalova mas afinal não era bem isso (fá-lo-ia mais tarde): “Tenho de dizer: este filme não teria sido possível sem o meu/a minha co-protagonista, um talento fresco e novo que veio de nenhures e afinal era um génio da comédia. Estou a falar, claro, de Rudy Giuliani”.

Afinal o alvo era o antigo advogado de Donald Trump. Mas Baron Cohen ainda tinha mais umas palavras sobre ele: “O nosso filme foi só o início para ele. O Rudy continuou o seu percurso, vindo a protagonizar uma série de filmes de comédia que incluem o ‘O Paisagismo do Four Seasons’ [uma referência ao local inóspito onde Giuliani discursou à imprensa alegando sem provas que existiu fraude nas eleições, prejudicial a Donald Trump], Tintura de Cabelo Noutro Dia e o drama judicial Um Peido Muito Público”.

A surpresa não chegou nos Globos para Borat, mas na vencedora do prémio de Melhor Atriz de Filme Dramático. Carey Mulligan (“Uma Miúda com Potencial”) e Frances McDormand (“Nomadland – Sobreviver na América”) eram as favoritas, Viola Davis (“Ma Rainey: A Mãe do Blues”) também era uma nomeada a considerar fortemente pelo trajeto mas o Globo acabou para ir para Andra Day, pela interpretação no filme “The United States vs. Billie Holiday”).

Andray Day tornou-se a segunda atriz negra a vencer um Globo de Ouro na categoria de melhor atriz principal de um filme. A primeira tinha sido Whoopi Goldberg, que vencera em 1986 — há 35 anos.

Pode consultar a lista integral de vencedores e nomeados no final deste artigo.

Uma noite assombrada por um jornal

Era suposto ser uma noite festiva, mais uma noite em que as indústrias do cinema e televisão dos Estados Unidos da América se celebram a si mesmas, distribuindo prémios por séries e filmes, atores e realizadores, autores de bandas sonoras e de canções feitas para filmes dos últimos meses, alguns dos quais ainda por estrear em Portugal.

Era para ser mais uma noite normal dos Globos de Ouro, um dos prémios mais importantes (a par dos Óscares e dos Emmys) da indústria de entretenimento de Hollywood — mesmo que o “normal” signifique hoje premiados em casa e a assistir à distância a uma cerimónia devido à Covid-19. Era para ter sido tudo isto e de alguma forma foi-o, mas não o foi sem mácula.

Qual “party crasher”, o jornal Los Angeles Times veio há uma semana estragar antecipadamente a festa. Uma investigação aprofundada do jornal veio colocar em causa a transparência (sempre discutível, sempre discutida) dos prémios, explicando como os vencedores dos Globos de Ouro ainda são decididos por um clube só de brancos — não há nenhum elemento negro entre os 87 membros votantes da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood — e como há práticas duvidosas adotadas, como viagens e estadias de luxo para os membros verem a rodagem de determinadas séries ou determinados filmes mas não de todos, criando problemas concorrenciais.

Sob condição de anonimato, alguns membros da HFPA, a associação que decide os destinos dos Globos de Ouro, não pouparam nas críticas, levantando suspeitas de fraudes internas e, se não de condicionamento, de práticas que podem inclinar os votantes para determinadas escolhas, favorecidas em detrimento de outras. Mas mais curioso foram talvez as reações de alguns profissionais da indústria como a cineasta Ava DuVernay, que na sua conta oficial de Twitter partilhou uma notícia sobre a investigação, que titulava que esta “revelava” que a associação não tinha membros negros, comentando: “Revela? Portanto as pessoas estão a agir como se isto não fosse amplamente sabido? Há ANOS?”.

Poderia haver curiosidade em perceber como é que a cerimónia decorreria, para atestar se seriam olimpicamente ignoradas as dúvidas em torno da legitimidade, da transparência e da predominância de uma análise crítica imparcial e desinteressada como principal critério de escolha de quem decide nomeados e vencedores dos Globos de Ouro.

O assunto foi abordado logo no início da noite, pelas duas apresentadoras que conduziam a cerimónia a partir de diferentes. Sem palavras meigas, notaram que a Associação não tem membros negros e defendiam que a inclusão é importante na representatividade dos votantes. E mais tarde, porta-vozes da HFPA reconheciam durante a cerimónia haver “trabalho a fazer”, prometiam que o objetivo era chegar a um ponto em que “a diversidade dos membros é a norma” e afirmavam ter em vista um futuro “mais inclusivo”.

A própria associação já reagira antes oficialmente dias antes, divulgando uma declaração na qual se lia uma garantia (“Estamos inteiramente comprometidos com a missão de garantir que os nossos membros refletem as comunidades por todo o mundo que adoram filmes, televisão e os artistas que os inspiram e educam”) e uma assunção de falhas internas acompanhada de promessas: “Compreendemos que temos de trazer [para a associação] membros negros, bem como membros com origens pouco representadas, e vamos trabalhar imediatamente para implementar um plano de ação para atingir estes objetivos tão cedo quanto possível”.

A posição oficial da Associação tentava amenizar o problema, mas a credibilidade dos prémios e desta edição em particular já fora severamente afetada. Fora-o pela perceção de que a Associação que gere os Globos de Ouro é pouco representativa das várias comunidades de espectadores de filmes e séries mas talvez ainda mais pelas suspeições lançadas sobre algumas escolhas. Veja-se a de “Emily In Paris”, uma das séries cuja nomeação foi recebida com alguma surpresa por analistas apesar da sua popularidade.

Na sua investigação, o LA Times relatava que em 2019 mais de 30 dos 87 membros votantes da HFPA viajaram para França para assistir à rodagem e aos bastidores de “Emily In Paris”, tendo passado duas noites no hotel de cinco estrelas Peninsula Paris — que cobra habitualmente pelas suas pernoitas cerca de 1.400 dólares por noite. A estadia dos jornalistas votantes neste luxuoso hotel terá sido custeada pelo canal de televisão Paramount Network, de acordo com o LA Times.

Consulte a lista de vencedores:

Melhor Filme Drama

– “O Pai”
– “Mank”
– “Nomadland – Sobreviver na América”
– “Uma Miúda com Potencial”
– “Os 7 de Chicago”

Melhor Realizador

– Emerald Fennell, “Uma Miúda com Potencial”
– David Fincher, “Mank”
– Regina King, “One Night in Miami”
– Aaron Sorkin, “Os 7 de Chicago”
– Chloé Zhao, “Nomadland – Sobreviver na América”

Melhor Ator: Drama

– Riz Ahmed, “Sound of Metal”
– Chadwick Boseman, “Ma Rainey: A Mãe do Blues”
– Anthony Hopkins, “O Pai”
– Gary Oldman, “Mank”
– Tahar Rahim, “O Mauritano”

Melhor Atriz: Drama

– Viola Davis, “Ma Rainey: A Mãe do Blues”
– Andra Day, “The United States vs. Billie Holiday”
– Vanessa Kirby, “Pieces of a Woman”
– Frances McDormand, “Nomadland – Sobreviver na América”
– Carey Mulligan, “Uma Miúda com Potencial”

Melhor Ator Secundário

– Sacha Baron Cohen, “Os 7 de Chicago”
– Daniel Kaluuya, “Judas and the Black Messiah”
– Jared Leto, “As Pequenas Coisas”
– Bill Murray, “On The Rocks”
– Leslie Odom Jr., “One Night in Miami”

Melhor Atriz Secundária

– Glenn Close, “Lamento de uma América em ruínas”
– Olivia Colman, “O Pai”
– Jodie Foster, “O Mauritano”
– Amanda Seyfried, “Mank”
– Helena Zengel, “Notícias do Mundo”

Melhor Argumento

– Emerald Fennell, “Uma Miúda com Potencial”
– Jack Fincher, “Mank”
– Aaron Sorkin, “Os 7 de Chicago”
– Cristopher Hampton e Florian Zeller, “O Pai”
– Chloé Zhao, “Nomadland – Sobreviver na América”

Melhor Filme: Musical ou Comédia

– “Borat, o Filme Seguinte…”
– “Hamilton”
– “Music”
– “Palm Springs”
– “The Prom”

Melhor Ator: Musical ou Comédia

– Sacha Baron Cohen, “Borat, o Filme Seguinte…”
– James Corden, “The Prom”
– Lin-Manuel Miranda, “Hamilton”
– Dev Patel, “A Vida Extraordinária de David Copperfield”
– Andy Samberg, “Palm Spring”

Melhor Atriz: Musical ou Comédia

– Maria Bakalova, “Borat, o Filme Seguinte…”
– Kate Hudson, “Music”
– Michelle Pfeiffer, “French Exit”
– Rosamund Pike, “Tudo Pelo Vosso Bem”
– Anya Taylor-Joy, “Emma.”

Melhor Banda Sonora

– Alexandre Desplat, “O Céu da Meia-Noite”
– Ludwig Göransson, “Tenet”
– James Newton Howard, “Notícias do Mundo”
– Atticus Ross e Trent Reznor, “Mank”
– Jon Batiste, Atticus Ross e Trent Reznor, “Soul – Uma Aventura com Alma”

Melhor canção

– “Fight For You”, de H.E.R., para o filme “Judas and the Black Messiah”
– “Hear My Voice”, de Celeste, para o filme “Os 7 de Chicago”
– “Lo Si (Seen)”, de Laura Pausini, para o filme “Uma Vida à Sua Frente”
– “Speak Now”, de Leslie Odom Jr., para o filme “One Night in Miami”
– “Tigress & Tweed”, de Andra Day, para o filme “United States vs Billie Holiday”

Melhor Filme De Animação

– “Os Croods: Uma Nova Era”
– “Bora Lá”
– “Para Além da Lua”
– “Soul – Uma Aventura com Alma”
– “Wolfwalkers”

Melhor Filme em Língua Estrangeira

– “Druk” (Dinamarca)
– “A Maldição da Mulher Que Chora” (França/Guatemala)
– “Uma Vida à Sua Frente” (Itália)
– “Minari” (EUA)
– “Deux” (EUA/França)

Melhor Série: Drama

– “The Crown”
– “Lovecraft Country”
– “The Mandalorian”
– “Ozark”
– “Ratched”

Melhor Série: Comédia

– “Emily in Paris”
– “The Flight Attendant”
– “The Great”
– “Schitt’s Creek”
– “Ted Lasso”

Minissérie ou Telefilme

– “Normal People”
– “Gambito de Dama”
– “Small Axe”
– “The Undoing”
– “Unorthodox”

Melhor Ator TV: Drama

– Jason Bateman, “Ozark”
– Josh O’Connor, “The Crown”
– Bob Odenkirk, “Better Call Saul”
– Al Pacino, “Hunters”
– Matthew Rhys, “Perry Mason”

Melhor Atriz TV: Drama

– Olivia Colman, “The Crown”
– Jodie Comer, “Killing Eve”
– Emma Corrin, “The Crown”
– Laura Linney, “Ozark”
– Sarah Paulson, “Ratched”

Melhor Atriz TV: Comédia/Musical

– Lilly Collins, “Emily in Paris”
– Kaley Cuoco, “The Flight Attendant”
– Elle Fanning, “The Great”
– Jane Levy, “Zoey’s Extraordinary Playlist”
– Catherine O’Hara, “Schitt’s Creek”

Melhor ator secundário (TV)

– John Boyega, “Small Axe”
– Brendan Gleeson, “The Comey Rule”
– Daniel Levy, “Schitt’s Creek”
– Jim Parsons, “Hollywood”
– Donald Sutherland, “The Undoing”

Melhor atriz secundária (TV)

– Gillian Anderson, “The Crown”
– Helena Bonham Carter, “The Crown”
– Julia Garner, “Ozark”
– Annie Murphy, “Schitt’s Creek”
– Cynthia Nixo, “Ratched”

Melhor Ator: Minissérie ou telefilme

– Bryan Cranston, “Your Honor”
– Jeff Daniels, “The Comey Rule”
– Hugh Grant, “The Undoing”
– Ethan Hawke, “The Good Lord Bird”
– Mark Ruffalo, “I Know This Much is True”

Melhor Atriz: Minissérie ou telefilme

– Cate Blanchett, “Mrs. America”
– Daisy Edgar-Jones, “Normal People”
– Shira Haas, “Unorthodox”
– Nicole Kidman, “The Undoing”
– Anya Taylor Joy, “Gambito de Dama”

Prémio Cecil B. deMille

– Jane Fonda