Pedro Soares dos Santos, presidente da Jerónimo Martins, afirmou, em entrevista à Lusa, estar “mais cético” relativamente à economia portuguesa, considerando que vai “atravessar uma gravíssima crise”, e que “não é claro” como o Plano de Recuperação e Resiliência “vai funcionar”. Questionado sobre se mantém o mesmo sentimento em relação à economia portuguesa por não crescer o suficiente, como afirmou em fevereiro de 2020, Pedro Soares dos Santos foi perentório: “Infelizmente estou mais cético, acho que vamos atravessar uma gravíssima crise”. E isso “vai ter impacto na nossa vida muito grande nos próximos anos”, estimou o presidente da Jerónimo Martins.
“Esta crise pandémica não vem ajudar e acho que essa bazuca também não vai ajudar, porque quando estes investimentos não são pensados ou estas ajudas não são vistas para criar riqueza para que realmente a gente consiga sair da situação que está, deixa-me bastante cético”, considerou o gestor, que lidera o grupo que detém a cadeia Pingo Doce.
Relativamente ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) “que está proposto, para mim ainda não está totalmente claro como é que vai funcionar, nem em que áreas”, prosseguiu, salientando que aquilo que tem sido transmitido pela comunicação social portuguesa sobre o tema não o deixa “minimamente confortável”.
E reforçou: “Estou muito preocupado porque acho que nós vamos entrar numa crise novamente profunda”.
Questionado sobre há alguma medida concreta no PRR que devesse ser debatida neste momento, Pedro Soares dos Santos destacou dois pontos. “Acho que o primeiro debate que devia ter sido feito no país é o que nós queremos como país ser realmente e onde é que nos queremos diferenciar em relação aos nossos concorrentes, que são os outros países”, apontou o gestor. Pedro Soares dos Santos chamou ainda a atenção para a diferença entre o plano da Alemanha e o de Portugal.
“Você olha para o plano estratégico da Alemanha: são 20 páginas. Olhe para o plano estratégico que foi publicado pelo Governo português, ultrapassa para aí as 150 páginas, o que significa que se fala muito e sai pouco, pelo menos do meu ponto de vista”, destacou o presidente da Jerónimo Martins. A seguir “acho que era uma bela oportunidade de olhar para o turismo, a agricultura e, acima de tudo, criar uma nova indústria, mas muito assente na iniciativa privada, e isto eu não vejo”, lamentou.
“Não vejo como é que este Governo, com suas coligações, vai conseguir levar o país nesta direção”, acrescentou, salientando que isso o deixa “preocupado”.
2020 foi “o ano mais desafiante”
O presidente da Jerónimo Martins, Pedro Soares dos Santos, disse que 2020 foi o “ano mais desafiante” da sua vida e que o mercado “mais complexo” durante a pandemia foi a Colômbia. O grupo “começou o ano muito bem, depois entrámos no nevoeiro, numa incerteza, numa incapacidade de prever o que fazer e como fazer, mas com um único objetivo: garantir que a comida, que os alimentos não faltavam, foi realmente um desafio único”, afirmou o gestor.
Entre março e final de junho “foram realmente meses diabólicos e de uma adrenalina enorme” porque não se sabia como era o dia seguinte, como iria ser a reação da cadeia de abastecimento, “foi realmente muito difícil”, contou Pedro Soares dos Santos, que apontou que o “verão trouxe um certo relaxar em Portugal e na Polónia, mas não trouxe na Colômbia”.
E depois a fase seguinte, que “sabíamos que ia ser muito desafiante e bastava ver o que se estava a passar no hemisfério sul, na Austrália, África do Sul, na Argentina. Percebemos que tínhamos de nos organizar, planear e ser muito rigorosos em tudo o que tínhamos que fazer para enfrentar a parte do inverno de 2020”, relatou Pedro Soares dos Santos.
“Confesso que foi um ano em que todos nós tivemos que nos superar, arranjar forças (…), às vezes acreditamos que não temos, mas no final temos”, sublinhou.
Dos três mercados onde a Jerónimo Martins está presente, a Colômbia foi “o mais complexo”, por duas razões. Primeiro porque “esteve fechado quase seis meses em confinamento” e, em segundo, “porque as regras eram todas locais e isso não permite um planeamento e uma organização como gostamos de ter”, explicou. “Tivemos que ser muito flexíveis, muito rápidos e adaptarmos localmente a cada município porque cada município tinha o poder de decisão”, acrescentou, enquanto o mercado “mais previsível, o mais organizado” e o “mais planeado” foi a Polónia.
Questionado sobre os custos da pandemia, Pedro Soares dos Santos apontou que “aqueles que são identificáveis verdadeiramente” da pandemia foram “na ordem quase dos 50 milhões de euros“.
A polémica sobre a abertura mais cedo no confinamento
Em novembro, a Jerónimo Martins tinha anunciado a antecipação da abertura das lojas Pingo no fim-de-semana para as 06h30, mas dada a controvérsia acabou por não avançar.
“Tínhamos a intenção de alterar os horários, que foi mal compreendida, talvez mal explicada por nós”, considerou Pedro Soares dos Santos, que explicou que a medida surgiu do facto de haver seniores em Portugal, como noutros países, que às 06h30 “já estavam à porta das lojas à espera que abrissem, a fazer fila”. Face a este contexto e, “já que as pessoas estão a trabalhar nas lojas a partir das 05h30, não custava nada abrir a porta e atender essas pessoas” que “estavam com medo de se cruzar com outras”, prosseguiu.
“A intenção foi facilitar dentro da redução de horário que os governos queriam impor. Repare, nós na Polónia fizemos exatamente o oposto: aumentámos muitíssimo o número de horas abertas porque depois há uma limitação do número de pessoas que pode estar na loja”, apontou. Na Polónia, a Jerónimo Martins teve algumas lojas que funcionaram 24 horas e outras das 06h00 à meia-noite: “Víamos que as pessoas preferiam por uma questão de segurança”, disse.
“Nada mais do que isto, porque não nos traz mais vendas”, rematou Pedro Soares dos Santos.
Relativamente ao impacto da pandemia de Covid-19 no setor, destacou dois pontos, endo que o primeiro é “o reconhecimento público de que o retalho afinal é uma indústria muito importante na hora da verdade”. Provou que o retalho “era um setor muito organizado, muito bem preparado e que estava bem disciplinado porque numa hora muito difícil ele não falhou como um todo”, salientou, o que “foi muito importante e veio reforçar um bocado o brio desta indústria”.
Sobre o que mudou no setor, Pedro Soares dos Santos afirmou que “houve uma aceleração nitidamente na forma como as pessoas se quiseram relacionar em termos de compra e o ‘online’ aí veio desempenhar um papel, se não uma aceleração para as cadeias de retalho, e houve realmente uma mudança enorme por causa dos confinamentos, da forma como as pessoas compram”.
Nesse contexto, teve de “haver uma readaptação muito grande da forma como se quer vender, da oferta e do planeamento e da promoção”. Pedro Soares dos Santos sublinhou que na primeira fase de confinamento “as pessoas procuraram muito o online”, mas na segunda fase, quando foi mais leve e até nas fases em que não houve, “as pessoas regressaram às lojas”.
Com isso não quer dizer “que não haja uma fatia de pessoas que se habituou” a comprar online, que vai ter um crescimento “e solidificar de uma forma diferente”.
A “paragem na expansão física” da Jerónimo Martins
A pandemia levou ainda à “paragem na expansão física” da Jerónimo Martins, adiando a eventual entrada na Roménia, disse, em entrevista à Lusa, o presidente, que avançou que o laboratório para rastrear ADN dos alimentos abre em 15 de março. “A pandemia fez com que nós tivéssemos uma certa paragem na expansão física, isso aí não há dúvida nenhuma”, afirmou Pedro Soares dos Santos, quanto questionado sobre se a entrada na Roménia a curto-prazo, como tinha avançado em fevereiro do ano passado, ficou agora mais longe.
“Do ponto de vista do balanço e da capacidade, a companhia mantém exatamente essa fortaleza, o que a companhia não conseguiu foi terminar, nem ver, nem conseguir fazer os estudos todos ‘in loco’ porque realmente era impossível viajar e a gente não faz nada, não vamos comprar à distância telematicamente”, afirmou o presidente da Jerónimo Martins.
“Sem fazermos a nossa prospeção correta, é preferível adiar”, sublinhou.
Também os planos de entrada da cadeia de saúde e bem-estar polaca Hebe, que estava prevista entrar nos mercados da República Checa e Eslováquia, previstos para o ano passado, foram adiados. Embora não tenha avançado datas para a retoma dos planos de expansão, nunca deverá acontecer antes de 2022, já que o gestor não prevê “grandes certezas” na evolução da pandemia até lá.
Questionado sobre quando espera que a pandemia alivie, Pedro Soares dos Santos afirmou: “Eu não acredito que ainda em 2021 esteja resolvido minimamente”. Admitiu que pode haver “um pequeno alívio no quarto trimestre do ano”, mas isso ainda é uma incógnita.
“Nós não sabemos muito bem o que é que estas vacinas vão fazer na nossa vida e como é que a nossa vida vai mudar, se isto é uma vacina tipo gripe, que vamos ter que tomar todos os anos” ou como “é que o índice de infeção vai baixar ou não a transmissão”, prosseguiu Pedro Soares dos Santos.
“Antes de meio de 2022 não vejo grandes certezas, mas vejo grandes incertezas ainda sobre a evolução da situação” da pandemia de covid-19, disse, admitindo que qualquer expansão do grupo não acontecerá antes do próximo ano.
Durante a pandemia, a Jerónimo Martins reforçou a sua relação com os pequenos e médios fornecedores em Portugal, ou seja, as compras aos pequenos fornecedores locais e regionais. “Houve realmente uma união de esforços e, acima de tudo, houve uma necessidade de nos ajudarmos uns aos outros e houve um sentimento de unidade imediata para que realmente esta indústria não morresse numa altura muito difícil que estamos a passar”, reforço esse em que “ambas as partes se sentiram bem”, disse o gestor.
Relativamente à taxa de segurança alimentar, a Jerónimo Martins mantém a posição de não pagar e lutar até às “últimas instâncias judiciais”. Pedro Soares dos Santos continua a não estar de acordo com a taxa: “Eu não sei por que é que essa taxa foi criada e o dinheiro está a ser usado em quê”.
A Jerónimo Martins considera tratar-se de “uma taxa discriminatória”, pelo que vai “lutar até a última das últimas instâncias judiciais”, asseverou. “Se tivermos de pagar no fim, pagamos. Prestámos as garantias todas que a lei portuguesa nos obriga a prestar”, acrescentou, defendendo que é preciso “lutar por aquilo” em que se acredita.
Relativamente ao laboratório para a rastreabilidade do ADN dos alimentos, que resulta de um investimento de 1,1 milhões de euros, este abre as portas na Azambuja em 15 de março e vai trabalhar para as três geografias onde o grupo está presente: Portugal, Polónia e Colômbia. Nesta primeira fase, o laboratório arranca com cinco pessoas.
Também na Azambuja, vai arrancar no final de abril com um ginásio equipado para prevenir doenças profissionais.
Relativamente ao projeto-piloto de produzir salmão nas águas portuguesas, que estava a decorrer em Aveiro, Pedro Soares dos Santos disse que a tecnologia que estavam a adotar para as condições do mar falhou.
Ou seja, o salmão sobrevive em águas portuguesas, mas não se conseguia produzir de forma maciça.
Agora, o projeto foi reiniciado com os parceiros noruegueses, estando a testar novas tecnologias quer nos mares da Noruega, em mares abertos, quer em Portugal, para que o projeto continue.
Sobre a fábrica de massas frescas, a segunda unidade no Porto, que estava prevista para 2020, foi adiada por causa da pandemia.
Também não há data sobre a nova sede da Jerónimo Martins, que ficará na zona Praça de Espanha (Lisboa).
Pedro Soares dos Santos sublinhou a aposta do grupo no segmento agroalimentar.
Recentemente a empresa fez uma parceria para investir em águas marroquinas, no Mediterrâneo, bem como uma parceria para as uvas sem grainha biológicas e outra para as laranjas, em Ferreira do Alentejo, e a próxima aposta passa pelo borrego biológico no Fundão, área que vai arrancar entre este mês e abril.
Quanto a investimento em Portugal, o grupo estima investir entre 100 a 120 milhões de euros este ano.
No decurso da pandemia, a Jerónimo Martins tem feito investimentos fora da sua área de negócio, no âmbito da responsabilidade social, onde entre outros está a oferta de um milhão de euros para o Instituto de Medicina Molecular.