O ex-diretor da PJM, que está a ser julgado em Santarém acusado de ter conduzido uma investigação ilegal ao assalto aos Paióis Nacionais de Tancos, vai enfrentar um outro julgamento, com data marcada ainda para este mês de março. O coronel Luís Vieira é acusado de violação do segredo de justiça por alegadamente ter falado com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o então ministro da Defesa, Azeredo Lopes, sobre a investigação, enquanto contestava que esta tivesse passado para as mãos da Polícia Judiciária civil.

Luís Vieira, que não tem faltado a uma única sessão do processo que envolve 22 outros arguidos — entre eles o próprio Azeredo Lopes, militares da PJM e, também, os suspeitos do assalto às instalações militares — foi notificado para comparecer no Campus de Justiça, em Lisboa, nos dias 10, 11 e 12. No dia 11 de março, acumula mesmo os dois julgamentos: em Santarém, onde responde pelos crimes de associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação e ou contrafação de documento, denegação de justiça e prevaricação, favorecimento pessoal por funcionário, e em Lisboa por violação do segredo de justiça.

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A acusação do Ministério Público refere que depois de a investigação ao furto do material de guerra, a 29 de junho de 2017, ter sido delegada na judiciária civil, Vieira foi a casa de Azeredo Lopes (a 3 de julho), pelas 20h10, para lhe mostrar o seu desagrado pela decisão da então Procuradora-Geral da Republica, Joana Marques Vidal. Nesse encontro, em que também estava o então chefe de gabinete do ministro, o major-general António Martins Pereira, o coronel terá divulgado pormenores do processo.

no dia seguinte, lê-se no despacho de acusação a que o Observador teve acesso, numa visita de Marcelo às instalações militares de Tancos, o arguido terá defendido, perante cerca de 20 pessoas, que em causa estariam crimes militares e que a investigação devia ser da competência da PJM. Além de ter voltado a referir que Joana Marques Vidal entregara o caso à PJ civil, terá também revelado que a PJ tinha um informador que tinha informações sobre a identidade dos autores do furto — referindo-se, sabe-se agora, a Paulo Lemos, mais conhecido por Fechaduras, que irá testemunhar segunda-feira em Santarém.

31 de julho de 2017, Vieira contactou por e-mail o tenente-general João Cordeiro, chefe da casa militar de Marcelo, e voltou a defender a sua tese da competência. Nesse e-mail anexou o despacho proferido por Joana Marques Vidal, dias antes, em que apensava ao processo que investigava o furto de Tancos o processo já aberto pela PJ civil na sequência de uma queixa apresentada meses antes por Paulo Lemos — que fazia antever um crime numas instalações militares.

Este e-mail foi depois reencaminhado para o major-general António Martins Pereira. O Ministério Público fala ainda do encontro que Vieira teve com Azeredo, também junto à sua casa, a 4 de agosto de 2017, em que dava conta do andamento da investigação e lhe entregava um “memorandum” e uma “fita do tempo”.

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Para a procuradora Cláudia Fernandes, que assina a acusação, não podia Luís Vieira dar informações de um processo que estava em segredo de justiça. E considera que o coronel quis influenciar política e hierarquicamente Azeredo Lopes e Marcelo Rebelo de Sousa por não se conformar com a decisão de Joana Marques Vidal, tendo cometido um crime de violação do segredo de justiça.

Neste processo, o Ministério Público ainda apreciou também se o major Brazão, que era à data do crime em Tancos o porta-voz da PJM, violou o segredo de justiça ao falar com uma jornalista sobre um parecer jurídico de Rui Pereira, elaborado a pedido da PJM sobre a competência da investigação. Mas considerou que este parecer não constava da investigação propriamente dita.

O mesmo concluiu em relação ao então ministro da Defesa, Azeredo Lopes, que mal soube que as armas tinham sido recuperadas telefonou ao primeiro-ministro António Costa dando-lhe conta da decisão. No entanto, como o ex-governante não teve qualquer contacto com o processo, não se considera que tenha cometido um crime.

A defesa de Luís Vieira, assegurada pelo advogado Manuel Fernando Ferrador, já contestou a acusação, insistindo que Luís Vieira apenas falou na delegação de competências e que nunca deu qualquer elemento sobre a investigação.

Não é, porém verdade que, nestas ocasiões, tenha relatado o mais pequeno pormenor da investigação que estava em curso”, lê-se. “A sua preocupação recorrente e que manifestou, sempre teve a ver com a competência para a investigação da PJM do furto de material de guerra ocorrido nos Paióis de Tancos”, acrescenta.