A exposição a um grupo de grandes devedores subiu mais de 800 milhões de euros em apenas seis meses, após o cálculo inicial elaborado em agosto de 2014 para efeitos da resolução do Banco de Espírito Santo e do cálculo das necessidades de capital do Novo Banco.

Este aumento da exposição a devedores como Joe Berardo, Martifer, José Guilherme e Moniz da Maia foi revelado pela deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, durante a audição do ex-vice-presidente do Banco de Portugal, Pedro Duarte Neves, na comissão parlamentar de inquérito às perdas registadas pelo Novo Banco imputadas ao Fundo de Resolução. Mariana Mortágua referiu ainda um aumento de imparidades (perdas reconhecidas no balanço) de 600 milhões de euros, em resultado da subida dessa exposição.

Duarte Neves corrige Costa Pinto. Não recebeu nota de 2011 com alerta sobre o GES

Na audição realizada esta sexta-feira, o antigo chefe da supervisão do Banco de Portugal contradiz João Costa Pinto, o autor do relatório que avalia a atuação do supervisor no caso GES. Pedro Duarte Neves nega ter recebido nota interna emitida pelos técnicos do Banco de Portugal em 2011 a alertar para as dificuldades em controlar o Grupo GES/GES devido à sua estrutura e ao uso de geografias estrangeiras e offshores.

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Apesar de não ter recebido essa nota, o antigo responsável pela supervisão desvalorizou a falta de resposta imediata ao seu conteúdo, defendendo a opção então tomada pelo diretor do departamento de supervisão de não levar o tema ao conselho de administração. Questionado pelo deputado do PS, João Paulo Correia, e depois de considerar indelicado referir um nome, acabou por indicar o de Vasco Pereira.

Ainda sobre o relatório Costa Pinto que faz avaliação da atuação do BdP no Banco Espírito Santo, Pedro Duarte Neves diz que as conclusões foram comunicadas aos membros do conselho de administração pelo governador numa reunião informal. E revela, já em resposta ao presidente da comissão, Fernando Negrão, que só lhe foi entregue uma cópia em março de 2016 — um ano depois de ter ficado concluído — e entendeu que se tratava um documento confidencial.

Grandes devedores: Houve exposições que subiram mais de 100 milhões em 6 meses

Segundo a deputada do Bloco de Esquerda, e com base em informação recebida pelo Parlamento, o valor da exposição a vários grandes devedores do antigo BES subiu, em alguns casos mais de 100 milhões de euros, em apenas seis meses. Foi o que aconteceu nos casos da Martifer, Promovalor, José Guilherme (o empresário da construção em deu uma prenda de 14 milhões a Ricardo Salgado) e Moniz da Maia.

Este aumento verificou-se entre agosto de 2014, quando a auditoria PwC validou o balanço original do Novo Banco que resultou da separação dos ativos do antigo BES, e dezembro do mesmo ano quando outra auditora, a EY, faz as contas à exposição do banco aos mesmos devedores. Como se explicam discrepâncias tão grandes em apenas seis meses? “Trata-se de perceber se o Novo Banco sabia quanto lhe deviam”. Mariana Mortágua cita ainda um relatório da auditora EY de outubro de 2015 que apontará para uma subavaliação do apuramento das perdas no momento da resolução do BES, pedido pelo próprio Banco de Portugal.

Pedro Duarte Neves admite que tenha a ver com a passagem do tempo e com um maior conhecimento da situação dos devedores, que resultou nesses ajustamentos e assinala que não esteve envolvido no acompanhamento do balanço do Novo Banco. Remete ainda a pergunta para quem teve a responsabilidade pela resolução do banco. Defendeu que as opiniões sobre os valores dessas exposição foram aferidos de forma independente pelas duas auditorias com a informação que existia à data. E lembrou que as imparidades são um conceito dinâmico, que varia no tempo em função do grau de risco associado ao devedor e aos colaterais.

Alguns dos devedores em causa — Ongoing, José Guilherme, Prebuild, Joe Berardo, Grupo GES, Promovalor, Moniz da Maia — vieram a gerar prejuízos adicionais no Novo Banco e foram incluídos no mecanismo de proteção dos créditos de alto risco cujas perdas dão direito a pedidos de capital ao Fundo de Resolução.

Banco de Portugal queria mais 500 milhões para capital do Novo Banco em 2014, mas Governo de Passos terá recusado

A questão da subavaliação das necessidades de capital do Novo Banco foi um tema recorrente ao longo das mais de cinco horas de audição. Para Cecília Meireles de CDS, não há dúvidas que os ativos em causa deveriam ter ficado no Novo Banco, mas tudo indica que passaram para esta instituição a um valor acima do real.

A tese de que a supervisão fez um bom trabalho, não convence a deputada que lembra as várias comissões de inquérito já feitas sobre a banca, o que justifica porque as “contas (os custos) não param de chegar.” Duarte Neves na declaração final deixou a nota de que espera que um dia o país agradecerá a forma como as instituições responderam à crise financeira.

Banco de Portugal propôs 5.500 milhões da manhã e no final dia eram 4.900 milhões 

Pedro Duarte Neves, que tinha o pelouro da supervisão à data da resolução do BES, confirmou uma informação dada pelo diretor de supervisão de que o Banco de Portugal propôs uma recapitalização do Novo Banco superior em mais de 500 milhões de euros à que veio a ser efetuada.  O valor levado a uma reunião no Ministério das Finanças era de 5.500 milhões de euros, o que incluía uma folga de capital face aos rácios mínimos. No entanto, o valor que veio a ser aprovado foi de 4.900 milhões de euros, porque este seria o mínimo estritamente necessário para cumprir os requisitos de capital. Essas são as regras das ajudas de Estado na Europa, explicou.

O valor foi proposto no domingo de manhã, dia da resolução, e Duarte Neves esclarece que a ministra Maria Luís Albuquerque considerou que era muito elevado e pediu a sua fundamentação. Na reunião estava presente uma representante da DG Comp (direção da concorrência da Comissão Europeia), mas Pedro Duarte Neves não recorda que tenha levantado qualquer imposição sobre o valor que, acrescenta, não ficou fechado naquela reunião, mas só no final do dia. Por esclarecer ficou se foi o Ministério de Finanças a levantar objeções ao montante inicialmente proposto, com o antigo vice-governador a sinalizar que terá havido outras interações com o governador.

Pedro Duarte Neves afirmou ainda não ter conhecimento de qualquer contacto do Novo Banco com o Banco de Portugal no sentido de avisar que o capital colocado na instituição não chegava. A deputada do Bloco de Esquerda citou a ata de uma reunião a 14 de agosto de 2014 em que a administração do banco, então liderada por Vítor Bento, afirmava que a dotação inicial de 4.900 milhões de euros “era insuficiente para enfrentar os desafios”, posição que terá sido manifestada ao Banco de Portugal várias vezes.

O antigo vice-governador justificou também porque é que o Banco de Portugal não afastou logo Ricardo Salgado da presidência do BES, quando confrontado por Duarte Alves do PCP com a acumulação de cargos por parte de gestores do banco e do grupo que não era permitida no regime geral de instituições de crédito. “Não havia factos à data para reavaliar a idoneidade dos administradores com base na jurisprudência que havia. E reafirmou a explicação à deputada do PSD, Sofia Matos.

“A avaliação que fizemos era a de que o afastamento dos gestores do BES não era proporcional, com a informação que o Banco de Portugal tinha.”

Fernando Negrão insistiu também com o ex-vice-presidente do Banco de Portugal sobre uma inspeção feita a transferências de clientes do Banif de 15 milhões de euros para aplicar em obrigações do BES, depois de Pedro Duarte Neves ter dito a João Paulo Correia do PS que não conhecia a identidade destes clientes. Esta transação de 2013 fez soar campainhas no supervisor devido à idade elevada dos clientes (um deles com mais de 90 anos) e ao elevado valor das aplicações feitas via Londres e Luxemburgo.