O défice do ano passado atingiu os 5,7% do PIB, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), que divulgou esta sexta-feira as contas nacionais por setor institucional, no âmbito do habitual reporte relativo ao procedimento em caso de défice excessivo (PDE). “A estimativa preliminar para o ano de 2020 revela que o setor das AP [Administrações Públicas] apresentou um saldo negativo (necessidade líquida de financiamento) de -11.501 milhões de euros, correspondente a -5,7% do PIB”, revelou o INE. Já a dívida pública aumentou para 133,6% do PIB (era 116,8% no ano anterior).
Neste momento, no entanto, apesar de serem importantes em si mesmo, as contas do Estado não têm a pressão de Bruxelas, que suspendeu pela primeira vez as normas de disciplina orçamental europeia, por causa da pandemia — e que deverão assim continuar até 2022.
No último Orçamento do Estado, apresentado em outubro, o Governo tinha previsto que o saldo se degradasse até aos 7,3%, mas, no final de janeiro, o ministro das Finanças, João Leão, já admitia que, em contas nacionais — as que contam para Bruxelas e que agora são divulgadas pelo INE —, o défice deveria ficar “abaixo dos 7,3% previstos no Orçamento do Estado para 2021” e “mais próximo do valor inicialmente previsto no Orçamento Suplementar de 2020″, aprovado no início de julho, quando o Governo apontava para 6,3%. Uma correção feita por causa da “evolução mais positiva do emprego, com reflexo na receita fiscal e contributiva”.
Apesar de o défice ter sido ainda melhor do que o previsto em junho, o gabinete do ministério das Finanças reage aos números divulgados nesta sexta-feira repetindo a formulação usada por João Leão no final de janeiro — a degradação do défice orçamental foi “menos negativa do que o estimado no OE2021 (previsão de 7,3% para 2020), tendo-se situado mais próximo da estimativa inicial do Governo inscrita no Orçamento Suplementar apresentado em junho de 2020 (6,3%)”, refere o ministério em comunicado. “Uma tendência que se verificou, aliás, na generalidade dos países europeus, onde as estimativas orçamentais não se revelaram tão negativas como inicialmente previsto”, acrescenta.
Finanças assumem derrapagem na economia e no défice de 2021 devido ao novo confinamento
Também António Costa já reagiu a estes números. À margem da inauguração de uma escola, o primeiro-ministro considerou que este resultado é explicado “essencialmente pelo grande esforço” que o Governo teve de fazer “para apoiar empresas, emprego, rendimento das famílias, mas também para relançar o investimento”
António Costa afirma que foi feito, nos últimos seis anos, “um esforço grande para pôr as contas públicas em ordem”, lembrando que “o país chegou a 2019 com o primeiro excedente orçamental” da democracia — 0,1% do PIB —, mas sublinha que no ano passado a Covid-19 não deixou. “Como é evidente interrompemos esse ciclo de consolidação das finanças públicas”, disse Costa aos jornalistas. “Tivemos um dos maiores défices do nosso período democrático perante a tragédia da pandemia”.
Receita cai 5% com redução da atividade económica
No documentos divulgado esta sexta-feira, o INE nota que o défice de 5,7% é gerado “no subsetor da Administração Central e, com menor significado, na Administração Regional e Local”, mas que “o subsetor dos Fundos de Segurança Social apresentou um saldo positivo”.
“O saldo da Administração Central agravou-se em 10 mil milhões de euros face a 2019, situando-se em cerca de -13 mil milhões de euros em 2020”, refere o instituto. Por outro lado, “a Administração Regional e Local, que em 2019 havia registado um excedente de quase 600 milhões de euros, apresentou em 2020 um saldo negativo de 176 milhões de euros” e “o saldo dos Fundos de Segurança Social, apesar de positivo, deteriorou-se em 900 milhões de euros, regressando a um nível próximo do registado em 2018”.
Do lado da receita, em todas as Administrações Públicas, houve uma redução de 5% (cerca de 4,6 mil milhões de euros), “em resultado da diminuição de 5,2% na receita corrente, impulsionada sobretudo pelo decréscimo dos impostos sobre a produção e a importação (-9,1%)”, nos quais se enquadra o IVA — o mais importante dos impostos para o Estado —, “mas também dos impostos correntes sobre o rendimento e património (-3,7%)”, em todos estes casos “refletindo a forte redução da atividade económica em 2020”, segundo o INE.
O Ministério das Finanças sublinha que o défice registado, de 5,7%, se deve sobretudo a esta evolução da receita, “que ficou 2,5% acima do previsto”, por causa do “comportamento positivo do mercado de trabalho, que mostrou mais resiliência do que seria de esperar”. Ou seja, “apesar da queda de 7,6% do PIB, o emprego apenas diminui 1,9%”. Por isso, a receita com contribuições sociais aguentou-se, com um aumento de 1,2%.
“Os dados do INE hoje divulgados permitem verificar que a receita fiscal e contributiva ficou cerca de 3.000 milhões de euros acima do previsto, devido à resiliência do mercado de trabalho e das empresas: a receita do IRS ficou 380 milhões de euros acima do previsto; as contribuições para a Segurança Social superaram a previsão em 800 milhões de euros; o IRC ficou 1270 milhões de euros acima do antecipado“, lê-se no comunicado.
Como consequência, a carga fiscal, que inclui receita com impostos e contribuições efetivas à Segurança Social, atingiu um recorde de 34,8% do PIB (desde o início da série do INE, em 1995). Ao contrário do que o Governo esperava, a carga fiscal não caiu face a 2020 (quando atingiu os 34,5%).
O ministério considera ainda que “as medidas excecionais de apoio às empresas e à manutenção do emprego, em particular o lay-off, o apoio à retoma progressiva, o incentivo extraordinário à normalização da atividade e o programa Apoiar, permitiram às empresas suportar não só os custos do trabalho, mas também os seus custos operacionais”.
Despesa sobe 7,8% e medidas contra a pandemia valem 2,3% do PIB
Já a despesa teve um aumento de 7,8%, de acordo com o INE, “em consequência do acréscimo simultâneo da despesa corrente (+5,9%) e da despesa de capital (+33,6%)”.
No caso da despesa corrente, os contributos para o aumento vieram sobretudo das prestações sociais, exceto transferências sociais em espécie (+4,1%, +1,1 mil milhões de euros) e das remunerações (+3,7%, ou seja, +838 milhões de euros).
Em sentido contrário, o INE aponta um decréscimo de 8,6% na despesa em juros (-544 milhões de euros), “mantendo a tendência decrescente que se vem observando desde 2015”. Em 2020, a despesa com juros ficou em 5,8 mil milhões de euros, bem abaixo do valor que se pagava no tempo do resgate financeiro — em 2014, ascendeu a 8,4 mil milhões de euros.
Relativamente à despesa de capital, é sobretudo motivada pelo empréstimo à TAP de 1,2 mil milhões de euros e da garantia do Governo Regional dos Açores ao financiamento obtido pela SATA Air Açores (132 milhões de euros).
O INE indica que “cerca de metade do aumento verificado na despesa pública entre 2019 e 2020 traduz o impacto direto de medidas excecionais de apoio no contexto da pandemia Covid-19, correspondentes a 3,6% da despesa pública total em 2020“. Entre esses gastos para fazer face à pandemia, “destacam-se a despesa em subsídios às empresas (2,2% da despesa total em 2020) e o apoio social às famílias (0,2%)”. “O impacto no défice das referidas medidas terá ascendido a cerca de 2,3% do PIB“, revela ainda o INE.
O Ministério das Finanças sublinha que a despesa total “ficou próxima do previsto (com um desvio negativo de apenas 0,8%), apesar das despesas relacionadas com o combate à pandemia, tanto na saúde, como nos apoios à economia, terem superado o estimado“. Ou seja, no SNS “a despesa aumentou 6,8% (+686 milhões de euros relacionados com Covid, acima dos 500 milhões de euros previstos) e o investimento cresceu 67%”, indica o ministério.
Os dados do INE mostram ainda que a taxa de poupança aumentou para 12,8% do rendimento disponível, uma melhoria de 5,7 pontos percentuais (tinha sido 7,1% em 2019). É o valor mais elevado em quase duas décadas.