Uma estratégia “pouco ambiciosa” e que deixa de fora “áreas importantes e relevantes”. É este o balanço que a ex-procuradora geral da República, Joana Marques Vidal, faz sobre a estratégia do Governo para o combate à corrupção, numa entrevista ao Correio da Manhã em que também defende uma mudança na lei para criminalizar o enriquecimento ilícito.

Na entrevista publicada esta segunda-feira, a procuradora analisa as linhas gerais da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção aprovada pelo Governo. E as conclusões são críticas: “Existem determinadas áreas (que devem sempre constar das linhas estruturantes de uma estratégia nacional de prevenção e combate contra a corrupção e que não constam”.

Marques Vidal refere-se especificamente às matérias que têm a ver com a transparência no exercício dos cargos públicos, o financiamento dos partidos políticos, a contratação pública e, neste último caso, a sua aplicação em casos “já identificados como de risco”, como as autarquias. Por isso, resume, a estratégia do Governo é “pouco ambiciosa”.

Há pelo menos um exemplo concreto de uma mudança na lei com que a magistrada concorda: Joana Marques Vidal coloca-se do lado dos que defendem a criminalização do enriquecimento ilícito, apoiando a proposta que a Associação Sindical dos Juízes vai entregar no Parlamento. Não sendo o único instrumento importante para combater a corrupção, até porque faz falta um investimento em recursos humanos e digitais, a ex-procuradora considera que a proposta “faz sentido” e “é exequível”.

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No entanto, a magistrada chama a atenção para os problemas que o regresso das propostas para o enriquecimento ilícito podem levantar. Basta recuar aos tempos do Governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, em que a maioria PSD/CDS chegou a conseguir aprovar duas propostas para introduzir este crime na legislação, apenas para as ver chumbadas pelo Tribunal Constitucional. Os críticos das propostas argumentam que obrigar os detentores de altos cargos políticos e públicos a justificar a origem da sua riqueza pode configurar uma inversão do ónus da prova, o que tem impedido sempre que a lei seja aprovada. E Marques Vidal faz precisamente essa ressalva: “Qualquer abordagem da questão deve ter em atenção e respeitar os fundamentos dos acórdãos do Constitucional”, frisa.

Fact Check. Joana Marques Vidal “assumiu” que PGR tem mandato único?

Joana Marques Vidal foi procuradora-geral da República entre 2012 e 2018, ano em que foi substituída por Lucília Gago — uma das decisões mais sensíveis, e mais questionadas, do primeiro mandato de Marcelo Rebelo de Sousa como presidente da República. Atualmente,  a magistrada exerce funções junto do Tribunal Constitucional, apesar de se ter jubilado recentemente.