As reservas levantadas em julho de 2020 num documento interno da Agência Portuguesa do Ambiente, segundo o qual não estavam reunidas as condições legais para autorizar a transmissão das barragens no Douro da EDP para a francesa Engie, não foram desvalorizadas. A garantia foi dada pelo presidente da ANA que foi ouvido esta quarta-feira na comissão parlamentar de Ambiente.

Nuno Lacasta assegurou que houve uma “sintonia na decisão de todos os departamentos”. A diretora dos recursos hídricos, que elaborou a tal informação (ou parecer) negativo, conduziu as conversações com os proponentes sobre aspetos a introduzir. “Estou autorizado pela própria a dizer que concordou com a autorização” final dada pela APA, referindo ainda que a mesma foi reconduzida no cargo.

Os deputados do PSD e do Bloco de Esquerda questionaram com insistência o presidente da APA sobre a existência de um parecer/documento formal da diretora do departamento de recursos hídricos sobre os termos finais da transmissão. Nuno Lacasta esclareceu que a referida diretora conduziu o processo de contactos com os proponentes, redigiu alterações aos contratuais e concordou com a posição final e ajudou a redigir a decisão final da Agência Portuguesa do Ambiente. No final, acedeu a a enviar documentação sobre esta intervenção ao Parlamento.

Ao longo da audição, o presidente da APA recusou a tese, defendida por vários deputados, de que a entidade “fez consultoria à EDP” ao assegurar que as objeções iniciais fossem ultrapassadas, resultando no aprovação final dada à operação de 2,2 mil milhões de euros. A “APA não faz política” e “não facilitamos a vida ninguém”. Só foi possível autorizar a transação porque vimos as questões esclarecidas e conseguindo colocar nos contratos um conjunto de matérias que reforçou as obrigações já existentes.

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Para Nuno Lacasta, a APA salvaguardou os interesses do Estado. “Fomos até mais longe no que seria de esperar”.

Se para alguns deputados da oposição, a APA foi demasiado longe para assegurar que a transmissão entre a EDP e a Engie era feita, consideram que a agência podia ter feito mais pela salvaguarda dos interesses financeiros do Estado e nas obtenção de contrapartidas para as populações locais, questão que foi sublinhada pelo PS, CDS e Joacine Katar Moreira. Já a polémica fiscal, que foi a primeira dúvida a envolver esta transação, ficou praticamente de fora das perguntas à Agência Portuguesa do Ambiente que foi chamado pelo PSD e pelo PAN.

O presidente da APA começou por esclarecer que as competências da agência são de natureza técnica, operacional e ambiental. “Não incluem matéria económica e financeira . Nem fiscal”. O processo que demorou 11 meses, quando a lei previa um mês, e “não houve qualquer minimização dos termos levantados, o conselho diretivo corroborou estes temas. Confirmo que à data (em julho de 2020) não havia conclusões para autorizar a autorização”.

Nuno Lacasta detalhou os passos que foram dados para ultrapassar as questões levantadas, o que resultou na introdução de elementos em adendas aos contratos de concessão que salvaguardaram o cumprimento das contrapartidas ambientais que em alguns empreendimentos não estavam implementadas na sua totalidade.

Duarte Alves do PCP questionou porque a APA não se limitou a emitir um parecer — como era sua competência —, quando parece ter feito várias diligências para assegurar o desfecho do negócio, “prestando serviços de consultoria à EDP” ao longo dos 11 meses de trocas de informação.

O deputado do PSD, Luís Leite Ramos não fica satisfeito com os esclarecimentos prestados sobre a forma como as objeções levantadas pela APA dois meses antes, “são reduzidas a zero” no parecer final. Logo no arranque da audição, Luís Leite Ramos destacou quatro questões levantadas no parecer de julho e que considera “dúvidas substanciais”:

  • Medidas de compensação ambiental ainda não cumpridas e onde se inclui a retoma parcial do serviço ferroviário na Linha do Tua.
  • Valor atribuído a cada um dos empreendimentos e as dúvidas que suscitam, sendo recomendado parecer com avaliação económica
  • Processos judiciais em curso relativas a três empreendimentos
  • Capacidade técnica e financeira sobre o potencial adquirente e falta de experiência em Portugal

E já depois das respostas iniciais dadas por Nuno Lacasta defendeu que a APA parece “mais preocupada em facilitar a vida à EDP” do que em defender contrapartidas para o país e para a região. Para o deputado, a APA podia ter imposto condições prévias ao cumprimento dos contratuais, mas não o fez. Já André Silva do PAN considera que a APA não estava em condições de autorizar a operação depois de apontados incumprimentos contratuais e a ausência de avaliação económica e financeira.”A APA não faz consultoria, analisa a informação que lhe foi dada”, respondeu Nuno Lacasta. Tratou-se de uma verdadeira due dilligence com várias linhas de trabalho que justificou o tempo percorrido. E argumentou até que a Engie terá afirmando que a “APA portuguesa é muito mais exigente do que a APA francesa”.

Bloco insiste em conhecer fundamento do valor das barragens, uma avaliação que a APA e o Governo não fizeram

O presidente da instituição confirma que não foi feita nenhuma avaliação económica, financeira da transmissão das barragens. E refere que solicitou ao Ministério do Ambiente que pedisse ao Ministério das Finanças uma pronúncia sobre as questões levantadas no parecer de julho sobre a salvaguarda do interesse público e as implicações jurídicas.

Venda de barragens da EDP gerou reservas dentro da APA, mas Finanças não avaliaram impacto financeiro de negócio entre privados

Como já foi tornado público nos documentos divulgados na semana passada, o Ministério das Finanças e a Parpública, não fizeram qualquer avaliação económica e financeira da transação para o Estado. Esta diligência resultou na introdução de uma cláusula nos contratos que liberta o Estado de qualquer responsabilidade adicional que venha a resultar dos processos judiciais em curso. Para a Parpública, cuja intervenção só surgiu no final do processo, este era um negócio entre privados.

Esta questão suscita reservas dos deputados. Para a deputada do Bloco de Esquerda, isso só mostra que a APA autorizou a operação sem que o Estado tivesse feito a avaliação económica e financeira, ao contrário do que era defendido pelo parecer interno de julho. Mariana Mortágua pediu menos opiniões e mais factos concretos,  perguntando em concreto qual foi o fundamento das avaliações feitas às barragens e se é verdade que as barragens do Douro internacional valiam 1.700 milhões de euros de um bolo total de 2,2 mil milhões de euros pelo qual foi feita a operação.

Nuno Lacasta reconhece que a APA não tem os contratos entre particulares, apenas foi facultado o valor de cada concessão. Mas sublinha que o parecer da Parpública foi “um contributo importante”, ao confirmar que não havia lugar a uma “pronúncia específica sobre aspetos financeiros. Cada parte fez o que lhe competia”. A propósito das dúvidas jurídicas suscitadas pelos processos judiciais na Europa e em Portugal, realçou que  os contratos de concessão são válidos e que a sua transmissão a terceiros é um direito previsto na lei.

Já depois de terminada a audição, o Bloco de Esquerda revelou que vai propor à Comissão de Ambiente que peça os seguintes documentos à EDP depois de o presidente executivo, Miguel Stilwell de Andrade, ter mostrado disponibilidade para dar mais informação sobre a operação:

  • Todos os contratos celebrados por empresas do grupo EDP no âmbito deste processo
  • Notificação do Estado, pela EDP, para o exercício do direito de preferência
  • A apresentação sobre as barragens do Douro Internacional entregue pela EDP à APA em 26 de outubro de 2020
  • A apresentação Sale of Hydro Assets in Portugal, enviada pela EDP à APA em 27 de outubro de 2020
  • A fairness opinion letter da UBS entregue pela EDP à APA
  • A fairness opinion letter da Morgan Stanley entregue pela EDP à APA

Nuno Lacasta reafirmou ainda que o exercício de direito de preferência nestes contratos de concessão “não tinha interesse para o Estado. O Estado não tem vocação para a gestão de barragens, entraria em conflito com a função de assegurar a sua segurança”.

O presidente da APA assegurou ainda que foi feita uma avaliação das capacidades técnicas da multinacional francesa, tendo sido transferidos com as barragens mais de 40 pessoas com formação na operação destas unidades. A EDP ficou ainda obrigada a prestar assistência técnica durante um certo período. A APA, sublinhou, vai continuar a fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais associadas às barragens que foram transferidas para a Engie.

Atualizado às 13h25 com perguntas que o Bloco quer colocar à EDP.