Carlos Moedas recebeu Ricardo Salgado em maio de 2014 para ouvir as preocupações sobre a situação financeira do Grupo Espírito Santo (GES) porque era a “minha função ouvir empresas privadas”, mas o ex-secretário de Estado adjunto de Passos Coelho recusa a ideia de que deveria ter feito alguma coisa, uma vez que não era a sua função no Governo. Já sobre o eventual favorecimento que o então presidente do BES procurou junto de Carlos Moedas, o ex-governante destacou mais do que uma vez que o Governo do qual fez parte “foi o primeiro a dizer não a Ricardo Salgado”.

Ouvido esta terça-feira na comissão de inquérito ao Novo Banco, por iniciativa do PS, o antigo comissário europeu foi confrontado com o telefonema que o então presidente do BES lhe fez no início de junho de 2014, a pedir para intervir junto do ministro da justiça do Luxemburgo, país cujas autoridades judiciais estavam a investigar empresas do GES, e do presidente da Caixa Geral de Depósitos. O telefonema que terá durado três minutos foi invocado pelo deputado do PS, João Paulo Correia, para perguntar de forma insistente, mais de cinco vezes, a Moedas se disse que sim ao pedido de de contacto feito por Ricardo Salgado, invocando uma gravação dessa conversa que é pública.

Carlos Moedas admite que não disse diretamente que não, “como ninguém diz a um presidente do banco. Os factos são claros. Eu disse, simpaticamente a um presidente de um banco, estou a ouvi-lo, Dr. Ricardo Salgado. Não disse nem que sim, nem que não”. O ex-governante admite que “ficou paralisado” e a pensar no que se estaria a passar, perante os pedidos do então presidente do BES. Mas “fui para casa e não fiz nada como está provado. Os factos falam por si. Pela primeira vez um Governo disse que não a Salgado e eu fiz parte desse Governo” .

E aproveitou a deixa “neste dia importante para Portugal” — 10 anos do pedido de resgate feito pelo Governo de José Sócrates — para lembrar os “favorzinhos” que foram feitos em anos passados pelos políticos e que devem ser responsabilizados, tal como os principais responsáveis pelo colapso do Banco Espírito Santo. “É inadmissível que os culpados não paguem pelo que fizeram”.

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Nos esclarecimentos ao PS, o candidato do PSD à Câmara de Lisboa lembrou as respostas foram dadas em 2015, chegou a citar as declarações escritas que fez à comissão parlamentar de inquérito ao BES, nas quais negou ter feito qualquer contacto com o ministro da justiça do Luxemburgo, como o próprio confirmou. Moedas negou ainda ser “amicissimo” do ministro, com quem falou apenas duas vezes. E acusou o deputado socialista de estar a fazer política com a sua audição.

Porque foi chamado Moedas? Porque “não ficou descansado na sua vida”, mas concorreu a Lisboa e “Medina está com medo”

O ex-governante e atual candidato à Câmara de Lisboa foi ouvido na comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco imputadas ao Fundo de Resolução, uma iniciativa do PS cuja oportunidade é fortemente contestada pelo PSD e pelo CDS, que foram Governo em 2014. Mas não só.

Para Cecília Meireles do CDS, é difícil colocar questões quando não há factos novos. Para a deputada, Carlos Moedas foi chamado a esta comissão de inquérito porque “não ficou descansado na sua vida”, mas decidiu candidatar-se à autarquia da capital.  André Silva do PAN considera que o PS está a brincar às campanhas eleitorais, defendendo que havia audições mais importantes como a de Rui Pinto. A chamada de Moedas é “uma audição ad hominem e pedida em cima do joelho para servir os interesses de Medina.”

O deputado do Iniciativa Liberal, Cotrim de Figueiredo, admitiu que esta seria audição mais curta da história parlamentar, o que veio a confirmar-se, durou duas horas e meia. No final, o presidente da comissão de inquérito, Fernando Negrão, assinala uma “audição atípica, mas muito interessante do ponto de vista político”.

O social-democrata Duarte Pacheco foi mais longe no ataque ao PS e numa intervenção na qual não faz uma pergunta a Moedas acusa o PS de instrumentalização da comissão de inquérito ao Novo Banco com objetivos políticos na luta autárquica entre o PSD e Fernando Medina. As deputada do PSD, Mónica Quintela e Filipe Roseta também usam o tempo das perguntas para defender Carlos Moedas e a resposta do Governo de então à queda do banco. Para os social-democratas, Fernando Medina está com medo do candidato do PSD à autarquia e os socialistas já estão a ver Moedas na Câmara de Lisboa.

Duarte Pacheco lembra que os socialistas não tinham Moedas na lista inicial de pedidos de audição. João Paulo Correia justifica audição, lembrando as responsabilidades políticas e executivas do adjunto do primeiro-ministro, e sublinha que fez vários pedidos de perguntas por escrito a altos responsáveis que tiveram conhecimento direto dos problemas do caso BES/GES antes do colapso público do banco.

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PS e PCP foram os partidos que mais insistiram nas perguntas sobre os factos ocorridos ou imputados ao ex-secretário de Estado. A deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, fez poucas perguntas, admitindo que a intervenção de Carlos Moedas poderia ajudar a perceber como o Governo de então geriu o caso do BES cuja resolução, como foi público, não foi tema de Conselho de Ministros.

No final da audição, Carlos Moedas lamentou ainda  “frase terrível” de que foi alvo logo em 2015, atribuída a uma gravação feita numa reunião do Grupo Espírito Santo (GES) de que era preciso “pôr o Moedas a funcionar”, numa alusão a eventuais favores políticos que o grupo poderia recorrer. Mas apesar da repetição nas respostas dadas, garantiu que sempre estará disponível para ir ao Parlamento.

O “estranho” pedido do presidente de um banco para reunir com o presidente do outro banco (Caixa)

Carlos Moedas considerou ainda estranho o pedido feito por telefone já em junho de 2014 de Salgado para intervir junto do presidente da Caixa Geral de Depósitos. “Um presidente de um banco telefona-me para reunir com o presidente de outro banco? Foi tão estranho”. Moedas contou ainda que falou com o então presidente da Caixa para lhe manifestar a estranheza e a preocupação. Mas recusa qualquer cenário de intervenção a favor do BES/GES no Governo do qual fez parte, já em resposta à deputada do CDS, Cecília Meireles.

“Nunca seria admissível ao então primeiro-ministro (Passos Coelho) fazer qualquer tipo de telefonema a um banco para pedir um credito ou influenciar uma decisão de um empréstimo. Era fora do ADN da governação. Nunca me passou passou pela cabeça”.

Prescindindo da intervenção inicial, Carlos Moedas destaca que Ricardo Salgado lhe transmitiu preocupações sobre o GES, e não sobre o Banco Espírito Santo, que era uma empresa privada, realçou ao deputado comunista Duarte Alves. Mas essa não era a sua responsabilidade.

“A minha responsabilidade no Governo era a de fechar com a troika o programa de ajustamento”. Moedas recorda que estava a lidar com as reformas estruturais nas várias áreas da economia. “Não estava em posição de poder transmitir ou tomar uma decisão” sobre o caso GES/BES. Além disso, recorda, Salgado, acompanhado de José Honório como consultor, comunicou-lhe que estava a fazer contactos com outros membros do Governo, incluindo com o primeiro-ministro.

Moedas não tem registo da informação do memorando que recebeu e, segundo o qual, o GES teria um passivo de 7,6 mil milhões de euros. Ainda assim, sublinha, esse problema não devia ser dos contribuintes, mas sim dos acionistas e dos credores. “Para além de estar no meio do fecho de centenas de medidas da troika — e Carlos Moedas aproveita para recordar 10 anos do resgate a Portugal para destacar o trabalho feito na altura pelo Governo de que fez parte — Ricardo Salgado “sabia que eu não tinha poder e eu sabia que ele estava a falar com outros membros do Governo”.  Por isso, não transmitiu as preocupações ao primeiro-ministro nem à ministra das Finanças, que também reuniram com Salgado.

“Era a minha função ouvi-los, sim, não era a minha função fazer alguma coisa no Governo”. O antigo governante usa a metáfora da orquestra para descrever o Governo em que o primeiro-ministro era o maestro.

Confrontado pelo deputado comunista com a conclusão de que nada fez neste caso, Moedas recusa a ideia. O “meu padrão de vida é de atuação. E invoca os 10 anos do resgate para destacar o orgulho no trabalho feito naquela fase, mas insiste que o caso BES/GES não sua minha função, como aliás deixou claro a ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque.

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Carlos Moedas foi também confrontado com as respostas escritas que deu em 2015 sobre a preocupação com o BES/GES e a saída limpa do programa da troika. A decisão foi tomada no dia 2 de maio, e anunciada dias depois, e a 4 de maio, o então secretário de Estado recebia Ricardo Salgado.

Moedas receou implicações do problema do GES na saída limpa do programa da troika

O ex-governante desvalorizou agora uma eventual ligação, lembrando que o que estava em causa pelo seu conhecimento era um problema do grupo e não do banco.