Os 4,9 mil milhões que foram injetados no Novo Banco são “muito dinheiro”, como também seriam “muito dinheiro” os 5,5 mil milhões que o Banco de Portugal terá, numa fase inicial, admitido que poderiam ser necessários – mas achar que as coisas têm corrido como têm corrido, no Novo Banco, porque faltaram 500 ou 600 milhões de euros no início é “uma fantasia“, asseverou esta quinta-feira Maria Luís Albuquerque. E se isso é uma “fantasia”, achar que se podia ter feito uma recapitalização pública, dando vários anos para reabilitar o banco (como defendia Vítor Bento) é “uma ideia romântica“, defendeu a ex-ministra das Finanças em mais uma audição inserida na comissão de inquérito às perdas do Novo Banco que voltou a focar-se, em grande medida, na resolução do BES (Banco Espírito Santo), já tratada noutra comissão.

Maria Luís: dizer que o Novo Banco correu mal “porque faltaram 600 milhões no início é uma fantasia”

Maria Luís Albuquerque garantiu, na audição parlamentar, que “nunca disse se o Estado faria ou não [uma recapitalização pública] porque nunca me foi perguntado” pelo que qualquer interpretação que possa ser feita de que faltou “vontade política” é uma “presunção” e não “responsabiliza” a ex-ministra das Finanças nem o Governo a que pertenceu, liderado por Pedro Passos Coelho. Maria Luís Albuquerque considerou, aliás, “um mistério que ninguém consegue desvendar” porque é que Vítor Bento, que defendia um plano de longo prazo para o BES, terá visto falta de “vontade política” quando aquilo que a ex-ministra das Finanças fez foi, garante, apenas indicar à equipa de Vítor Bento que o enquadramento legal teria mudado e que não era possível fazer algo naqueles termos. Admite que o então presidente do BES tenha ficado “desiludido”, mas não foi “falta de vontade política, é a lei” (regras europeias de resgate a bancos).

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Nos dias que antecederam o “fim de semana fatídico” que foi o da resolução do BES, Maria Luís Albuquerque sublinha que, como ministra das Finanças, nunca definiu “um teto” para o que podia ser a intervenção pública no BES, no âmbito da resolução. “O Ministério das Finanças não recusa nem aceita valores, não tem capacidade técnica nem competência material para isso – essa é uma decisão do Banco de Portugal e a única decisão do Ministério é aprovar os fundos necessários para [emprestar] ao Fundo de Resolução”, que não tinha meios próprios suficientes para responder pela resolução sozinho.

Vítor Bento, o peixe do almocreve e o “fogo de retaguarda” no BES/Novo Banco

Há, porém, uma questão essencial, aos olhos de Maria Luís Albuquerque. Dizer que o Novo Banco nasceu com pouco capital – “à pele” foi uma expressão já ouvida nestes trabalhos – não é qualquer tipo de avareza ou castigo – “os auxílios de Estado têm de ser dados sempre pelo mínimo”, é o que dizem as regras.

Mesmo assim, a resolução foi a melhor opção – foi a opção “superior”, indicou Albuquerque – porque a nacionalização do Novo Banco, que não esteve em cima da mesa”, “teria multiplicado os custos não sei quantas vezes” – é uma “convicção pessoal”, disse. Por outro lado, num cenário de recapitalização pública, que também nunca foi equacionada pelo Governo PSD/CDS, o dinheiro não saía do Fundo de Resolução (em parte, emprestado pelo Estado) mas saía diretamente do Orçamento do Estado.

A diferença, se essa situação tivesse sido posta em prática, é que em vez de haver uma separação entre ativos bons e maus, teria de ser o contribuinte a responsabilizar-se por tudo – o que sairia mais caro ainda porque incidiria sobre mais ativos maus (não havia separação) e, depois, o sistema financeiro não teria de ressarcir nada (como acontece com a resolução). Isso, em teoria, defendeu Maria Luís, poderia ter-se tornado impossível porque o valor poderia superar aquilo que a Comissão Europeia aceitaria em matéria de ajudas de Estado. E, por outro lado, nada garantia que o banco pudesse ser mais bem vendido, depois – pelo contrário.

Alargar o prazo não era o interesse nacional nem protegia o sistema financeiro. Prolongar o prazo nunca seria algo que geraria valor, antes pelo contrário”.

Tentou-se a venda, ainda no tempo de Maria Luís Albuquerque (que saiu em novembro de 2015), mas esta acabou por falhar, “lamentavelmente“, apesar de o Banco de Portugal ter indicado a dada altura que havia 7 entidades interessadas em comprar o Novo Banco. “Nada fazia prever que a venda não pudesse ser concedida, ocorreram factos fora de Portugal – receios com a Grécia, problemas nos mercados asiáticos”.

Mas “aquilo que o Banco de Portugal me disse é que entendia que face ao grande interesse que o processo tinha suscitado, uma vez ultrapassadas estas questões”, o processo poderia avançar ainda dentro do prazo do empréstimo, que era agosto de 2016. Maria Luís disse, porém, que não sabia exatamente quais eram os valores oferecidos e as exigências dos interessados – nomeadamente se exigiam algum tipo de garantia pública sobre um conjunto de ativos problemáticos, como sugeriu Mariana Mortágua, do BE.

A ex-ministra das Finanças recusou sempre a ligação entre a chamada “saída limpa” do programa de assistência da troika, que ocorreu em maio de 2014, e um eventual adiamento de uma intervenção no BES. “A questão do BES nunca se colocou como condicionando, ou manchando a saída de limpa. Não era possível a ninguém ter essa perceção” na data, assegurou

As reuniões de “alto nível” que eram sobre o GES, não sobre o BES

Maria Luís Albuquerque foi várias vezes questionada pelos deputados do PS que procuraram focar a discussão nas reuniões “de alto nível” que Ricardo Salgado pediu para ter com figuras como a ministra das Finanças (ela própria), o primeiro-ministro (Passos Coelho), o presidente da Comissão Europeia (Durão Barroso) e, até, Carlos Moedas, membro do Governo que era responsável pela interação com a troika – e que vai ser chamado a esta comissão na próxima semana, em plena campanha eleitoral para a Câmara de Lisboa. Alguém que, indicou Maria Luís, “não tinha qualquer competência nestas matérias”.

“Aquilo que foi o conteúdo dessa reunião foi uma expressão de uma preocupação com a área não-financeira do Grupo Espírito Santo, cujas dificuldades até estavam a ser prejudicadas pelo ring-fencing [separação do banco em relação ao grupo]”, um bom sinal, disse Maria Luís, de que o ring-fencing estava, de facto, a funcionar. Salgado terá dito que ia ser preciso fazer um plano de reestruturação do grupo e que esse plano teria de ter “um apoio institucional do Estado, designadamente com um empréstimo da Caixa Geral de Depósitos que, presumivelmente, a Caixa não teria interesse comercial em fazer de outra forma”.

Cecília Meireles, do CDS-PP, perguntou se era habitual pedir-se que o Governo desse orientações a um banco como a CGD para investir aqui ou ali. “Não sei se é habitual, mas no Governo de que eu fiz parte não foi prática“, asseverou Maria Luís Albuquerque, acrescentando que aceder a esse pedido provavelmente levaria a que se tivesse gerado “um buraco na Caixa“.

Esse apoio não foi concedido, como já foi amplamente descrito, e, afinal, o ring fencing do Banco de Portugal não estava a funcionar tão bem assim – mas simplesmente porque houve alguns administradores do banco, incluindo Ricardo Salgado, que terão “desobedecido explicitamente” à instrução direta do Banco de Portugal de que não se usasse o banco para tapar buracos do GES. Na história como Maria Luís Albuquerque a retrata, Salgado não fez isso, o que agravou os problemas do banco e tornou insuficiente a “almofada de capital” de dois mil milhões que existia.

O banco não tinha de cair, mas acabou por cair por essa razão. “Se a proibição tivesse sido cumprida, a materialização dos riscos teria sido suportada pela almofada”, o banco poderia ter sido mantido vivo e, depois, vendido a investidores. “O que levou a isto foi um montante de 1.500 milhões que ninguém conhecia até meados de julho e que resultaram de uma desobediência expressa às instruções do Banco de Portugal”, sublinhou Maria Luís Albuquerque.