Chegaram ao julgamento a arriscar 25 anos de prisão, mas agora os três inspetores do SEF acusados da morte de Ihor Homeniuk no aeroporto de Lisboa podem vir a ser condenados por um crime menos grave: o de ofensa à integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado. Isto porque o tribunal que os está a julgar anunciou esta quarta-feira, no final da sessão de julgamento, que está a ponderar uma alteração da qualificação jurídica dos factos. O despacho foi lido pelo juiz-presidente Rui Coelho “a fim de evitar decisões-surpresa” — o julgamento está na reta final e as alegações finais podem realizar-se já na próxima semana.

Os juízes entenderam que os factos de que os três inspetores foram acusados pelo Ministério Público (MP) “sustentam a imputação” de um crime ofensa à integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado — um crime menos grave “relativamente à imputação original”.

Entende o tribunal que os factos descritos na acusação sustentam tal imputação que surge como um minus relativamente à imputação original”, indica o despacho lido no final daquela que á a 11.ª sessão do julgamento.

Esta ponderação do tribunal não significa que o crime de homicídio qualificado tenha caído. Significa apenas que, se até agora havia dois cenários possíveis — o da condenação por homicídio qualificado ou a absolvição —, a partir desta quarta-feira há um terceiro — o da condenação por ofensa à integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado. Além do homicídio qualificado, Duarte Laja e Luís Silva foram ainda acusados pelo MP por um crime de posse de arma proibida. “Para além da qualificação jurídica imputada em sede de acusação, irá o Tribunal ponderar a qualificação dos factos à luz” deste novo crime, lê-se no despacho.

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No entanto, o facto de o tribunal fazer questão de vincar que elaborou este despacho “a fim de evitar decisões-surpresa”, pode ser interpretado como um indício de que não haverá uma absolvição e que os três arguidos poderão vir a ser condenados por ofensa à integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado. Assim, Luís Silva, Bruno Sousa e Duarte Laja podem agora vir a ser condenados por outro crime com uma moldura penal menos grave: 16 anos de prisão, no máximo.

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O advogado da família da vítima, José Gaspar Schwalbach, lembra ainda que agora os arguidos podem ser condenados por crimes diferentes: uns por homicídio qualificado e outros por ofensa à integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado. “Havendo vários arguidos, é possível que haja diferentes condenações“, disse em declarações à Rádio Observador, acrescentando que vê com “apreensão” este anúncio, especialmente, quando se está na presença daquilo que considera ser “factos graves” —  “E que a serem verdadeiros mancham a imagem do nosso país”, remata.

Alegações finais podem realizar-se já na próxima sessão

A sessão seguinte está marcada para a próxima segunda-feira, dia 12 de abril. E poderá ser a última antes da leitura do acórdão. Esta quarta-feira foram ouvidas as últimas testemunhas abonatórias — amigos e colegas de trabalho que deram detalhes ao tribunal acerca da personalidade dos arguidos — , mas os juízes ainda vão decidir se vão ser ouvidos peritos médicos arrolados pela defesa. Se assim for, as alegações finais podem ser adiadas. Caso contrário, realizam-se mesmo já na próxima segunda-feira.

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Ihor Homenyuk morreu a 12 de março no Centro de Instalação Temporária do aeroporto de Lisboa, dois dias depois de ter desembarcado, com um visto de turista, vindo da Turquia. De acordo com a acusação, o SEF terá impedido a entrada do cidadão ucraniano e decidido que teria de regressar ao seu país no voo seguinte. As autoridades terão tentado por duas vezes colocar o homem de 40 anos no avião, mas este terá reagido mal. Terá então sido levado pelo SEF para uma sala de assistência médica nas instalações do aeroporto, isolado dos restantes passageiros, onde terá sido amarrado e agredido violentamente por três inspetores do SEF, acabando por morrer.

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Apesar de no relatório o SEF ter descrito o óbito como natural, o médico que autopsiou o corpo não teve dúvidas de que tinha havido um crime, alertando imediatamente a PJ, que acabaria também por receber uma denúncia anónima que referia que Ihor Homenyuk tinha ficado “todo amassado na cara e com escoriações nos braços”. Os inspetores Luís Silva, Bruno Sousa e Duarte Laja foram detidos no final de março e encontram-se em prisão domiciliária por causa da pandemia de Covid-19.