Os 638 milhões de euros registados ao abrigo do Acordo de Capital Contingente (CCA) do Novo Banco com o Fundo de Resolução, mas não pedidos em 2019, “poderão a vir originar pagamentos” no futuro, segundo a auditoria da Deloitte.

“Existe em 31 de dezembro de 2019 um montante de perdas nos ativos abrangidos pelo CCA cujo pagamento não foi solicitado ao Fundo de Resolução, totalizando 638 milhões de euros”, pode ler-se no relatório da Deloitte feito ao Novo Banco sobre as contas de 2019, a que a Lusa teve acesso, e que contém informação rasurada por restrições de confidencialidade.

Aquando da entrega do relatório, o Fundo de Resolução já tinha dito que o valor injetado no banco em 2020 relativo às contas de 2019 foi inferior em 640 milhões de euros às perdas abrangidas pelo acordo. “Estas perdas poderão vir a originar pagamentos pelo Fundo de Resolução em anos futuros caso os rácios de capital voltem a descer abaixo dos limites definidos no CCA”, refere o relatório. A Deloitte refere também que “além das perdas associadas aos ativos abrangidos, a eventual necessidade de pagamentos adicionais pelo Fundo de Resolução ao abrigo do CCA está dependente da evolução das necessidades de capital do Novo Banco“, que está condicionada, por exemplo, pelo resultado líquido e perdas incluídas ou não no CCA. “A evolução da situação económica em 2020, afetada pela pandemia relacionada com o covid-19 declarada nesse ano, poderá ter um impacto relevante nas perdas a registar pelo banco a partir de 2020”, considera a Deloitte.

Quanto a fundos não identificados (rasurados na versão do documento a que a Lusa teve acesso), “O Novo Banco contratou no final de 2019 um perito externo” — também não identificado e rasurado no texto – “para efetuar uma reavaliação dos ativos detidos por estes fundos”, que tinham no primeiro semestre de 2020 registado uma desvalorização de 261 milhões de euros. Há ainda a ter em conta “outros movimentos que afetem fundos próprios”, como desvios atuariais em responsabilidades sobre pensões ou valorização de instrumentos com rendimento variável e efeitos de transição em fundos próprios.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A Deloitte lembra também que se encontra em curso “uma disputa arbitral opondo o Novo Banco ao Fundo de Resolução na sequência da intenção do Novo Banco de descontinuar a aplicação do regime transitório relativo ao impacto inicial da norma IFRS9”, uma norma contabilística.

Também influenciará os valores a evolução dos requisitos de capital do Novo Banco, tendo o agente de verificação do acordo estimado que o cálculo dos requisitos de capital com base no rácio de capital CET1 mínimo de 12% “tenha um impacto de redução da necessidade de capital em 434 milhões de euros” a partir de 1 de janeiro de 2020.

A auditoria da Deloitte ao Novo Banco, realizada depois da injeção de capital de 2020, relativa às contas de 2019, foi recebida pelo Banco de Portugal (BdP) no dia 1 de abril. O Novo Banco afirmou então, em comunicado, ter tomado conhecimento da auditoria, congratulando-se pela inexistência de “desconformidades relevantes” no seu conteúdo. No mesmo dia, o Governo anunciou a entrega ao parlamento e ao Tribunal de Contas do relatório da auditoria, afirmando que “exigirá uma análise exaustiva por parte de todos os destinatários”.

Análise a contrapartes na venda de malparado feita depois das operações

A análise de elementos relevantes feita a contrapartes pelo Novo Banco acerca da potencial venda de crédito malparado a partes relacionadas foi, em três casos, feita após as operações estarem concluídas, apesar de não terem sido detetadas desconformidades.

Novo Banco. Instituição rejeita vendas de malparado a partes relacionadas

“No processo de venda da carteira Albatros, as análises de conflitos de interesses e de partes relacionadas sobre as entidades adquirentes da carteira foram realizadas posteriormente à assinatura dos CCV [contrato de compra e venda]”, pode ler-se na auditoria da Deloitte às contas do Novo Banco em 2019.

Já quanto à carteira Nata II, o parecer do departamento de compliance (conformidade) acerca de análise de contrapartes em matéria de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo da entidade compradora “foi emitido em momento posterior à assinatura do contrato de venda da carteira”. No entanto, “previamente à assinatura do contrato de venda foi comunicado pelo departamento de compliance que da macroanálise efetuada com os elementos de informação disponíveis a essa data não tinha sido identificado qualquer elemento negativo”.

Já quanto à carteira Sertorius, o parecer do departamento de compliance acerca de análise de contrapartes sobre o comprador da carteira “foi emitido em momento posterior à deliberação de CAE [conselho de administração executivo] do Novo Banco para alienação da carteira”, mas “em momento anterior à assinatura do contrato de venda”. “Adicionalmente, a análise de conflitos de interesses realizada à entidade adquirente não contemplou todos os elementos integrantes dos respetivos órgãos de gestão”, de acordo com o que se pode ler no documento sobre a carteira Sertorius.

A auditoria da consultora refere ainda que as análises feitas pelo departamento de compliance do Novo Banco “não identificaram pessoas ou entidades relacionadas” com o banco ou o seu acionista, a Lone Star.

Porém, a Deloitte identificou que se verificou “a inexistência de políticas ou normativos internos que regulassem a realização sistemática de uma análise das entidades compradoras”, quer em termos de branqueamento de capitais quer a nível de conflitos de interesses e partes relacionadas, “não obstante existirem políticas, normativos e procedimentos que norteavam os princípios gerais destas matérias”. “De referir que em junho de 2020 o Novo Banco publicou um normativo que versa sobre os procedimentos a executar nestas matérias em processos de desinvestimento de ativos não produtivos”, realça, no entanto, a Deloitte.

A consultora refere que o banco “genericamente solicitou” às contrapartes “o preenchimento de questionários de prevenção de conflitos de interesses, nos quais foi solicitada a identificação de eventuais relações de detenção acionista direta ou indireta com entidades do grupo Lone Star” ou Novo Banco. “Os questionários foram posteriormente analisados pelo departamento de compliance do Novo Banco, o qual emitiu um parecer positivo quanto a esta matéria”, segundo o documento.

Pelo Novo Banco “foram analisadas as estruturas de detenção acionista” dos compradores, tendo a instituição obtido informações de que “nenhum dos participantes detinha mais de 25% das entidades compradoras das carteiras”, não qualificando “como últimos beneficiários efetivos”. Assim, não foi “obtida informação adicional sobre a respetiva identidade” dos compradores, tendo sido “considerados últimos beneficiários efetivos os membros dos órgãos de administração da sociedade gestora dos fundos de investimento envolvidos nas transações”.