O ex-primeiro-ministro, José Sócrates, afirmou esta quarta-feira em entrevista à TVI que não foi considerado corrupto pelo juiz Ivo Rosa, apesar de este ter considerado que os 1,7 milhões de euros que recebeu do amigo e do empresário Carlos Santos Silva “indiciam a existência de um mercadejar” do cargo e, por isso, um crime de corrupção sem demonstração de ato concreto. “O juiz não me declarou corrupto”, afirmou, depois de corrigir o jornalista José Alberto Carvalho logo no arranque.
“Na fase de instrução não se declara isto ou aquilo”, afirmou. “O que o juiz fez foi considerar que há indícios para me levar a tribunal por um determinado crime”, acrescentou, para passar a explicar que crime é esse, referindo-se ao crime de corrupção sem ato concreto. “Isso é falso, absolutamente falso. Falso e injusto para comigo e para com o engenheiro Carlos Santos Silva”, repetiu, garantindo que nunca firmou qualquer “acordo” com o amigo. E que todas as quantias monetárias que recebeu foram “empréstimos” — mesmo que o juiz Ivo Rosa não tenha considerado essa versão credível.
“O que o juiz diz é que nos meus seis anos de mandato, e isso é muito importante para mim, nunca houve um comportamento contrário ao dever do cargo”, explica, depois de lembrar que o crime de corrupção sem demonstração de ato concreto já não existe na lei e que é agora o crime de recebimento de vantagem indevida. “E ainda por cima está prescrito”, concluiu.
Mais à frente na entrevista, o tema voltaria a ser a este. “Nunca o engenheiro Carlos Santos Silva foi apontado como meu corruptor”, afirmou o ex-primeiro-ministro. “O engenheiro Carlos Silva não está em nenhum momento do processo como corruptor ativo. E agora passou a corruptor ativo?”, interrogou, criticando o facto de Ivo Rosa ter falado de um crime sobre o qual os arguidos não puderam defender-se. “Isso é um abuso”. O juiz “não tem o direito de me indiciar de crimes novos que não estão na acusação”, afirmou.
Ivo Rosa: um “juiz escolhido segundo as regras da lei”
Sócrates falou também do juiz que fez cair todos os crimes de corrupção imputados pelo Ministério Público e que, desde sexta-feira, tem estado debaixo de fogo pela sua decisão. “Eu não tenho nenhuma simpatia nem antipatia por Ivo Rosa. Eu apenas o considero como um juiz escolhido segundo as regras da lei, coisa que não aconteceu com Carlos Alexandre”, explicou, sem deixar grande margem para perguntas.
“Mas porque é que o juiz Ivo Rosa decidiu deitar abaixo tudo aquilo? Porque não tinha outra hipótese de o fazer. Porque nós provámos que as acusações eram estapafúrdias”, diz.
José Sócrates mostrou na televisão uma das provas que apresentou em tribunal, já na fase instrutória, relativamente ao crime de que era acusado e que envolve a OPA da SONAE. Lembra que foi acusado de ter recebido dinheiro de Ricardo Salgado para, no caso de a OPA ter sucesso na Assembleia Geral da PT, enquanto primeiro-ministro dar indicações ao representante do Estado nessa Assembleia para vetar essa decisão. Mostra, por isso, o despacho do secretário de Estado do Tesouro a dar instruções de abstenção ao representante do Estado.
Este documento “foi escondido pela investigação”. “Eles fizeram muitas coisas ilegais”, acusa Sócrates.
Sócrates responde a Medina e ataca António Costa
Sobre as declarações do presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, no seu espaço de comentário na TVI24 — nas quais disse que o comportamento de José Sócrates e as suspeitas de recebimentos avultados sem explicações rompem “laços de confiança” e corroem “a nossa vida democrática”, o ex-primeiro-ministro afirmou que o ouviu “com a devida repugnância”, mas apontou a outro alvo.
“O essencial não é esse personagem, é quem lhe manda dizer isso. Falamos, portanto, do mandante, a liderança do PS e a sua direção”, disse, referindo-se a António Costa. O PS “acha que pode fazer uma condenação sem julgamento”, afirmou. “Essas declarações são de uma profunda canalhice”. “O PS devia ter vergonha de desconsiderar aquilo que são os direitos, liberdade e e garantias fundamentais, disse. “Tomei a decisão correta quando saí do PS, porque já não aguentava mais o silêncio do partido. Grande parte dos que estão a dizer isso estão ajustar contas com a sua covardia moral. Porque não disseram uma palavra quando fui detido”, acrescentou.
Fernando Medina diz que o comportamento de Sócrates “corrói o funcionamento da vida democrática”
O Presidente da Câmara Municipal de Lisboa foi o primeiro socialista a quebrar o silêncio do PS sobre o caso, dizendo que foi a “primeira vez na nossa história conhecida” que “teremos em julgamento por um crime no exercício de funções um ex-primeiro-ministro”.
José Sócrates, que foi pronunciado sexta-feira por crimes de branqueamento e falsificação de documento, foi recebido esta quarta-feira sob protestos à porta da estação de Queluz, antes daquela que seria a sua primeira entrevista depois da decisão instrutória proferida pelo juiz Ivo Rosa. Segundo a TVI, foram mesmo arremessados ovos contra o carro do ex-governante e a PSP teve de intervir.
As imagens divulgadas pelo canal mostram um grupo de manifestantes no acesso à estação de televisão, alguns a serem imobilizados pela PSP enquanto José Sócrates entra de carro nas instalações. Já no final da entrevista, José Sócrates disse que quando viu estes manifestantes vieram-lhe à memória os manifestantes do “PRN”, querendo referir-se a PNR (Partido Nacional Renovador), quando foi detido e conduzido a interrogatório. “As mesmas pessoas”, afirma. “Este caso sempre foi um caso político, não um caso judicial”.
José Sócrates foi um dos 28 arguidos acusados na Operação Marquês, num processo que envolve crimes de corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal e falsificação. Na última sexta-feira, depois de uma decisão lida em direto para as televisões, foi, no entanto, um dos únicos cinco arguidos que acabou pronunciado, ou seja, que o juiz Ivo Rosa considerou dever ir a julgamento. Ainda assim por menos crimes dos que o Ministério Público o indiciava — os crimes de corrupção caíram todos. No caso do ex-governante, dos 31 crimes que lhe eram imputados, sobram-lhe agora três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documentos. O Ministério Público vai recorrer da decisão.