As núpcias de Joana Duarte duram há seis meses. Em outubro, a designer brindou-nos com uma coleção girly e floral, repleta de cor-de-rosa e com o reaproveitamento de vestidos de noiva dos anos 80 (os mais informados saberão que todas as criações da Béhen têm origem num processo de upcycling cheio de especificidades).
Agora, o clima foi outro — a apresentar a primeira coleção de inverno na ModaLisboa, o romance deixou de ser fofinho e tornou-se tórrido, aquecido por paragens exóticas e por uma paleta de cores imperiais que não deixam margem para dúvidas. “Quero-te muito”, a coleção que desfilou virtualmente esta quinta-feira, marca o início de uma intensa lua-de-mel.
“É como se os apaixonados fossem viajar por terras distantes e trouxessem tesouros com eles”, explica ao Observador, nitidamente tranquila, depois de ter gravado o desfile há praticamente de uma semana. Ora, no universo Béhen, os tesouros assumem a forma de carpetes, toalhas e colchas de veludo. Do tapete voador de Aladino (com a princesa Jasmine a bordo, afinal continuamos em clima de romance) às Mil e Uma Noites, a designer apostou na continuação de um conto que atravessa estações.
Os bordados, elementos que neste contexto poderiam até assumir uma conotação virginal, ficaram de fora. “Entram na próxima”, exclama. As colchas antigas, exuberantes e garridas, deram origem à maior parte da coleção. São portuguesas, mas também vieram de Macau para se juntarem às sedas que compra em França e em Inglaterra — peças em segunda mão, sem exceções. Em tom de bónus, adicionou aos coordenados os acessórios desenvolvidos em colaboração com a Ceagagê.
A filosofia na base do processo criativo tem trazido à Béhen reconhecimento internacional. Desde a última edição da ModaLisboa, a marca já foi escolhida para uma parceria com a Levi’s e ainda caiu nas graças de M.I.A., a rapper e ativista com raízes no Sri Lanka. “Se não estivesse a correr bem não estaria aqui, temos de ser transparentes nisso. Se não tivesse encomendas, não estaria aqui. Não tenho possibilidade de andar a brincar aos designers”, refere Joana.
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O projeto cresce contra a corrente e enquanto muitas marcas e designers se esforçam para sobreviver, a criadora trilha o caminho do sucesso sustentável, atraindo as atenções de clientes internacionais e estrelas do showbiz que, segundo confidencia, andam a rondar a marca portuguesa (mas sem as suas identidades possam ser reveladas, por enquanto). Nisso, não é preciso que nenhum conto ou telenovela nos venha dar notas de romance — o mundo está apaixonado pela Béhen.
Sangue Novo: a ModaLisboa a premiar novos talentos
Numa edição em quase tudo atípica, há costumes que não se perderam. Entre eles, o de premiar novos talentos através do concurso Sangue Novo. Foram cinco os finalistas que transitaram da edição anterior e que, esta quinta-feira, apresentaram as suas coleções para o próximo inverno. No final, Ana Rita de Sousa, a jovem criadora por trás da marca Arndes, conquistou o prémio atribuído pela ModaLisboa em parceria com a Polimoda.
Desde que acabou o curso, em 2019, que o concurso estava na mira. Agora, além de uma bolsa de 3.500 euros, Ana Rita vai rumar a Florença para fazer um mestrado na reputada escola de moda. “Neste momento a Arndes é uma experiência, até porque é muito difícil manter-me a tempo inteiro neste projeto, pelo menos para já. Quero trabalhar para outros, aproveitar para ganhar experiência e método”, admite a jovem designer, à conversa com o Observador, na tarde em que se sagrou vencedora.
“Monoprint” foi a coleção que lhe valeu o prémio, resultado da exploração das peças monocromáticas de Eben Goff. Na paleta, predominou uma escala de pretos conseguida através da diversificação de materiais e texturas e do uso estratégico de transparências e volumes, responsáveis por dar diferentes profundidades a cada peça. O trabalho da Arndes passa invariavelmente pelo reaproveitamento de peças em segunda mão, muitas vezes decompostas para darem origem a novas criações, mas também pela utilização de tecidos de stocks parados, comprados nos “farrapeiros”, como diz.
Mas houve outros vencedores. Fora de Jogo, marca do designer João Januário, partilha a mesma consciência na hora de pensar um guarda-roupa masculino utilitário. “75% desta coleção é feita a partir de dead stocks ou de restos usados em testes de prints. Também reaproveitei excessos da última coleção, sobretudo sarja”, partilha o criador.
Paralelamente, prepara já o primeiro lançamento na loja online, criada nas últimas semanas. As primeiras peças ficam à venda já no final de abril e no futuro serão as pequenas edições limitadas a renovar uma estrutura que, apesar de pequena, segue à risca uma estratégia dinâmica, pouco presa a estações do ano e tendências. A alavancar o negócio está o prémio atribuído pela ModaLisboa e pela Tintex Textiles: 2.000 euros e três semanas de residência nesta fábrica têxtil portuguesa.
Rafael Ferreira foi o terceiro vencedor da tarde, escolhido pelo público (que votou através da app do evento) para receber uma bolsa de 1.500 euros, atribuída em parceria com a Moche. A 56ª edição da ModaLisboa arrancou ainda com apresentações da plataforma Workstation. Fora de qualquer concurso, Carolina Raquel e Federico Protto mostraram pequenas coleções, trabalhos experimentais que habitualmente já fogem ao formato de desfile.
Constança Entrudo, Maria Carlos Baptista e Ricardo Andrez apresentam em Paris
O dia terminou com Ricardo Andrez, criador que marcou presença no calendário parisiense, no início de março. Para Lisboa trouxe a mesma coleção — uma evolução da sua própria silhueta, sem perder de vista elementos clássicos e de streetwear, nem a justaposição de estrutura e fluidez que fazem parte do ADN da marca.
Na sexta-feira, esperam-se as apresentações de Awaytomars, Carolina Machado, Hibu e Nuno Baltazar. Até lá, na fotogaleria, veja as imagens dos desfiles que marcaram este primeiro dia de ModaLisboa.