Ele por “ação”, ela por “omissão”. Mas ambos acabaram condenados a uma pena de prisão pelo homicídio de Valentina, em maio do ano passado, na Atouguia da Baleia. A Sandro Bernardo foi aplicada a pena máxima permitida em Portugal: 25 anos de prisão. Já a madrasta da criança, Márcia Bernardo, foi condenada a uma pena menor, de 18 anos e 9 meses de prisão, por ter mostrado arrependimento e por não ter sido a responsável pelas agressões que levaram à morte da menina de nove anos.
O arguido agiu com o propósito de fazer a filha revelar os supostos abusos sexuais, esquecendo-se que seria ela a vítima“, apontou o juiz-presidente, António Centeno Marques.
O Tribunal de Leiria deu todos os factos da acusação do Ministério Público como provados e destacou a “brutalidade das agressões a uma criança de nove anos” para a levar a revelar os supostos abusos sexuais de que estaria a ser alvo, “esquecendo-se que seria ela a vítima”. O magistrado que leu o acórdão no Auditório Municipal da Batalha apontou também a “total ausência de autocensura” do pai de Valentina, que nunca mostrou arrependimento.
Sandro Bernardo foi condenado a 22 anos pelo homicídio qualificado, 18 meses de prisão pela profanação de cadáver, 9 meses de prisão por abuso e simulação de perigo e três anos pelo crime de violência doméstica — num cúmulo jurídico de 25 anos de prisão. Já a madrasta da criança foi condenada a 18 anos de prisão pelo homicídio qualificado, 18 meses de prisão pela profanação de cadáver e nove meses de prisão pelo crime de abuso e simulação de perigo — num cúmulo jurídico de 18 anos e nove meses de prisão. Ambos foram ainda condenados a pegar uma indemnização de 1.785,98 euros por danos patrimoniais ao Estado, na sequência dos gastos que a GNR teve com as buscas pela criança que deram como desaparecida, sabendo que já estava morta.
Já depois de anunciar as penas, o juiz presidente lembrou que o caso gerou um “revolta social” que o tribunal reconheceu como natural “quando alguém mata”. E quando “alguém mata” a “própria filha”, o “sentimento de rejeição geral é ainda maior”. Ainda assim, reconhecendo que “a vida humana não tem preço”, nas palavras do juiz, “não cabe ao tribunal fazer eco dessa rejeição” e, por isso, afirmou: “Só resta esperar que os arguidos aproveitem o tempo, que é muito, para refletir”.
Nas alegações finais, o Ministério Público tinha pedido 25 anos de prisão para o pai e para a madrasta de Valentina. Além da pena máxima pedida, o MP defendeu que o pai devia ser condenado na pena acessória de inibição do poder paternal, não inferior a dez anos. “Não deverão beneficiar de qualquer atenuante. O modo executante é monstruoso”, disse a Procuradora da República.
A investigação apurou que as primeiras agressões terão começado no dia 1 de maio — cinco dias antes do homicídio — pela manhã, Sandro confrontou a filha com uns “papelinhos” que teria trocado com colegas de escola e que teriam um conteúdo de natureza sexual. Terá sido depois de Valentina ter admitido ao pai que tinha sido ela a escrever os tais “papelinhos” que Sandro a terá agredindo com uma colher de pau. No dia 6 de maio, Sandro quis voltar a confrontar a filha com o mesmo assunto. Chamou-a, levou-a para a casa de banho, despiu-a e colocou-a na banheira. Sandro sabia que a filha detestava água quente e por isso usou isso como ameaça que viria a concretizar.
Depois, ter-se-ão seguido cinco minutos de violentas agressões. Sandro começou a dar-lhe vários murros na cara, tórax, costas e pernas e acabou mesmo por apertar o pescoço de Valentina com as mãos, apertando-o e sufocando-a. Apesar dos gritos e súplicas da filha, o arguido ter-lhe-á dado uma pancada na cabeça com tanta força que lhe provocou uma hemorragia interna e fez com que Valentina caísse na banheira e começasse a ter convulsões.
Sandro e Márcia optaram por não socorrer Valentina e deixá-la deitada no sofá da sala, desde manhã até às 22h00. Acabaram por deixar o corpo da criança numa zona de mato perto da casa e participaram à GNR o desaparecimento da menina.