O analista Stephen Buchanan-Clarke, da organização Good Governance Africa (GGA), defendeu esta quinta-feira que eventuais intervenções militares na resposta ao conflito na província moçambicana de Cabo Delgado devem ser “consideradas com atenção” para prevenir “danos colaterais“.

“Precisamos de ter respostas que sejam mais eficazes, que sejam menos contraprodutivas, respostas que previnam danos colaterais. Temos de tentar encontrar abordagens e respostas que não tornem a situação pior para as comunidades”, afirmou o analista, durante o seminário virtual “Resolução do Conflito em Cabo Delgado: Explorando as Oportunidades (Considerações Estratégicas, Recomendações para Decisores de Políticas, Diálogo e Metodologias)”, organizado pelo Centro para Democracia e Desenvolvimento de Moçambique (CDD).

Ataques em Moçambique. Partidos parlamentares exigem “escrutínio” do custo da guerra

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Buchanan-Clarke assinalou que as intervenções militares, embora produzam resultados que “são muitas vezes mais fáceis de medir”, por vezes “aumentam o conflito já criado pelos insurgentes“.

“Embora as respostas militares sejam necessárias para garantir a segurança das populações locais, os esforços militares devem ser limitados e temos de considerar as sequências estratégicas e abordar as questões sociais e económicas que muitas vezes provocam estes conflitos”, afirmou, acrescentando que “as intervenções militares devem ser consideradas com atenção”. A posição foi defendida também por Richard Rands, assessor do CDD.

Qualquer tipo de intervenção para a segurança, quer seja de natureza militar ou de qualquer outra forma, deve procurar não provocar danos. Não deve tornar a situação ainda pior, e, infelizmente, temos demasiados exemplos disso no continente”, lamentou Rands.

Buchanan-Clarke defendeu também que a resposta a extremismos violentos deve ter um foco a nível local para obter ganhos mais sustentáveis. “Penso que, regularmente, quando discutimos respostas ao extremismo violento, estas tendem a ser a nível geopolítico ou nacional, enquanto as soluções mais sustentáveis são encontradas quase sempre a nível local”, assinalou.

O extremismo violento prospera num contexto em que se quebra a confiança entre partes do governo e as comunidades (…), acho que é muito importante enfatizar a necessidade de uma investigação com vários níveis e focada num nível mais local para perceber as comunidades mais afetadas pelo conflito”, acrescentou Buchanan-Clarke.

O analista do GGA considerou que aspetos como a situação das populações vulneráveis, o histórico da região, normas e costumes ou a política económica local devem ser analisados para entender quais são “os fatores específicos usados nas operações de recrutamento e radicalização“.

Richard Rands rejeitou o selo de “insurgentes” aplicado aos autores da violência registada em Cabo Delgado, assinalando que “uma das principais definições” implica que haja “um verdadeiro motivo político”, algo que ainda não foi reivindicado em Cabo Delgado.

Ataques em Moçambique. Cerca de 20 mil deslocados vão ter água potável até finais de maio, afirma Governo

Na abertura do seminário, o diretor nacional de política de defesa do Ministério da Defesa Nacional de Moçambique, o coronel de Infantaria Omar Saranga, apontou que o uso da força por via das Forças de Defesa e Segurança “se justifica pela necessidade de deter e neutralizar as ações dos terroristas e, desta forma, evitar o seu alastramento“. Ainda assim, Omar Saranga referiu que “a resolução do conflito em Cabo Delgado pela via pacífica seria a opção desejada”.

Grupos armados aterrorizam Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo jihadista Estado Islâmico, numa onda de violência que já provocou mais de 2.500 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e 714.000 deslocados, de acordo com o governo moçambicano.

O mais recente ataque foi feito em 24 de março contra a vila de Palma, provocando dezenas de mortos e feridos, num balanço ainda em curso.

As autoridades moçambicanas recuperaram o controlo da vila, mas o ataque levou a petrolífera Total a abandonar por tempo indeterminado o recinto do projeto de gás com início de produção previsto para 2024 e no qual estão ancoradas muitas das expetativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.