O presidente da Assembleia da República (AR) concorda com Marcelo Rebelo de Sousa quanto à urgência de melhorar a lei contra o enriquecimento ilícito e diz que isso pode ser feito sem pôr em causa princípios constitucionais.
Numa entrevista ao jornal Público, Ferro Rodrigues defende que a lei que existe pode ser melhorada e que tal é possível sem colocar em causa os princípios da presunção da inocência e da inversão do ónus da prova.
Diz também que a proposta da Associação Sindical dos Juízes sobre o assunto “é perfeitamente complementar” e pode melhorar a verdadeira ação contra o que apelida de “vigarices”.
“Com a atual lei já é obrigatório que os titulares de cargos que referi (deputados, membros do Governo, autarcas juízes e procuradores) façam as declarações de rendimento e património. Acontece que há uma Entidade da transparência que ainda não foi instalada e que depende do Tribunal Constitucional”, afirma Ferro Rodrigues, acrescentando que “não faz sentido” esta entidade não ter sido ainda instalada.
Contudo, o presidente da AR sublinha o relatório do grupo internacional que estuda a evolução da corrupção nos diversos países (Greco), que considera positiva a evolução de Portugal no que diz respeito ao cumprimento das recomendações sobre o tema da prevenção da corrupção.
O que quer dizer que há quem, sem querer, faça o jogo de todos os populismos, sobretudo os do nacionalismo de extrema-direita, ao estar a gritar ‘corrupção, corrupção, corrupção’ quando os organismos internacionais que fiscalizam o Estado e o funcionamento da sociedade portuguesa não provam nada disso”, afirma.
Sobre as declarações do presidente da Câmara de Lisboa, que afirmou que o comportamento de antigo primeiro-ministro José Sócrates corrói o sistema democrático, Ferro Rodrigues recusa comentar, diz que não é comentador político e que seria “impróprio” que o Presidente da AR se manifestasse “fosse a que nível fosse” sobre um processo que ainda está a decorrer.
“Mesmo em termos políticos ou morais, só me pronunciarei quando ele tiver transitado em julgado”, afirma.
Ferro Rodrigues diz ainda que a atitude do primeiro-ministro sobre este assunto “foi uma atitude de defesa do PS, como lhe competia”.
Sobre o próximo Orçamento do Estado, Ferro Rodrigues defende que o Governo deve ser “mais proativo” a negociar com os partidos de esquerda, mas também a dialogar com o PSD e que quem tiver responsabilidade por qualquer crise política “vai pagar severamente nas urnas”.
Quem tiver responsabilidade por uma crise política vai pagar severamente nas urnas essa responsabilidade. O país está numa situação muito grave, não só por causa da pandemia, mas devido à crise económica. Estamos a viver um período em que o que era desejável era que a base de apoio das decisões fosse mais alargada e não menos alargada”, afirmou.
O presidente da AR defende igualmente que a pandemia “devia ter levado os partidos a entenderem-se mais” e a “terem uma base mais forte de convergência”.
Defende também que “quanto mais cedo se desdramatizar a viabilidade do próximo Orçamento melhor para o país”.
Conviver com a pandemia, a crise económica, a crise social e um ponto de interrogação sobre como vai passar o próximo Orçamento seria uma coisa de evitar o mais cedo possível”, afirma.
Sobre o comportamento dos diversos grupos parlamentares nas negociações e votações do Orçamento do Estado, Ferro afirma: “Há sempre uma coisa que é perigosa: um ou dois grupos parlamentares votarem de determinada maneira porque estão convencidos de que outro grupo parlamentar impedirá uma crise grave de governação”.
“E isso é um jogo perigoso. É um jogo em que às vezes se erra e pode conduzir a uma situação grave para o país e para a democracia nesta fase”, insiste.