Foi como acender “a luz numa sala que estava às escuras”. Para Francisco Louçã, o facto de o Luanda Leaks ter identificado as mais de 400 empresas associadas ao universo Isabel dos Santos “pelas quais o dinheiro circulava” foi “o ponto de partida que nunca tinha sido obtido pelas autoridades“. “É ter o mapa do tesouro”, afirmou.

Ouvido como testemunha no julgamento de Rui Pinto, o antigo líder do Bloco de Esquerda defendeu que o Luanda Leaks foi um “momento de viragem” especialmente “porque as autoridades portugueses não entendiam que houvesse alguma razão especial para medidas de prudência para as transações”, feitas pelas empresas da filha do ex-presidente angolano.

O Luanda Leaks foi a base necessária e indispensável para as autoridades portuguesas ou angolanas para detetar os circuitos de financiamento e pagamentos. Conhecer o nome [das empresas] e conhecer registos é o ponto de partida determinante para combater um crime económicos“, afirmou.

Louçã afirmou mesmo que o Luanda Leaks “provou que este universo”, o de Isabel dos Santos, “era uma forma de reciclagem de recursos de uma enorme dimensão“. O professor universitário considerou ainda que “não pode haver combate à corrupção sem uma informação adequada e completa”, especialmente tendo em conta que “nos casos de crime económico, a vítima é invisível”.

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Já os advogados que representam algumas das empresas alegadamente acedidas por Rui Pinto, insistiram em saber qual a opinião do ex-líder do Bloco de Esquerda sobre o facto de a informação revelada pelo Luanda Leaks ou pelo Football Leaks poder ter sido obtida de forma ilegal. “Não tenho conhecimento factual nem competência judicial para formular uma opinião, nem pretendo fazê-lo”, afirmou Louçã, destacando que apenas pode “apreciar a informação obtida”.

— O professor tem computador? — perguntou o advogado Pedro Barosa, que representa a Federação Portuguesa de Futebol

— Sim — respondeu Louçã.

— Tem password?

— Tenho várias.

— Porquê?

— Porque escolhi ter — disse Louçã.

— Mas porquê? Para ter privacidade? — insistiu o advogado

— Porque é uma prática razoável que todas as pessoas seguem — rematou Louçã.

O ex-coordenador do Bloco de Esquerda quis ainda deixar claro que é um “forte defensor” do princípio da presunção de inocência e que “nada muda” a sua opinião sobre os “direitos à privacidade”. Ainda assim, considera que as descobertas feitas pelo Luanda Leaks e Football Leaks são de uma “grande relevância” — o que o fez, aliás pedir ao Conselho de Estado que fosse ouvido presencialmente.

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O julgamento continua na próxima quinta-feira, com a audição de mais testemunhas arroladas pela defesa de Rui Pinto, entre elas o antigo ministro Poiares Maduro.

Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.

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O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juiz Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade. O alegado pirata informático deixou as instalações da PJ no início de agosto e a sua morada atual é desconhecida.